Houve uma época em que fiquei numa influência danada pra ser padre. Isto foi há coisa de mais de cinquenta anos, quando eu regulava lá meus quinze/dezesseis anos.



Vocação à força




Liberato Póvoa




Houve uma época em que fiquei numa influência danada pra ser padre. Isto foi há coisa de mais de cinquenta anos, quando eu regulava lá meus quinze/dezesseis anos.

Quando me dei por gente, saído da escola de tio Coquelin e tia Diana, de suas sabatinas e da palmatória, peguei o colégio, que adotava uma pedagogia mais folgada, sem aqueles suplícios. Recém-chegadas da Espanha de Franco, num puritanismo importado diretamente de Madri e de Sevilha, vieram umas freiras para dirigir o Ginásio João d'Abreu, em Dianópolis. Junto com a fala embolada, um patoá que ninguém entendia, trouxeram debaixo daqueles hábitos pretos e sisudos a concepção de que tudo era pecado. O negócio era feio para nós, um rascunho de libertinos (para elas), apesar de no nosso sertão não existirem na época estas novidades de cinema, revistas e outras coisas que, em última análise, representavam pecado para as bondosas beatas.

Éramos ainda xucros em matéria de safadeza; quando namorávamos, os mais afoitos malmente pegavam na mão da moça... e olhe lá! E no Internato lá das freiras havia uma porção de internas, que, por viveram reclusas feito carmelitas, despertavam na gente um fogo danado: de Barreiras, havia a Marly Andrade, a Dimar, a Socorro Passos, a Maria José, a Marta Dourado, Ruth, Marlene e um magote de outras beldades que faziam a gente ficar rodeando os muros do Colégio para pelo menos ver uma delas, mesmo de longe, mesmo contentando-nos em espiar cá de longe quando elas trafegavam no rumo da Capela. Já estava bom demais da conta.

E as beatas fiscalizavam as meninas como galinha de pinto protegendo a ninhada contra ataque de gavião. Eta tempinho danado de bom!

O negócio com as freiras era rezar, rezar e rezar; no repicar do terceiro sino para a aula, já entrávamos na capela para rezar o terço, com seus mistérios gozosos, dolorosos e gloriosos; antes de cada aula, vinha a Ave-Maria; no final de cada aula, mais "Glória Patri". No mês de maio, o terço era substancialmente encompridado pelas cerimônias do "Mês de Maria"; em outubro, da mesma forma, pois era o "Mês do Rosário". Só tirávamos férias de reza nas férias de escola.

Quando chegava novembro, aparecia um corado e bem nutrido jesuíta para, durante três dias, orientar o "retiro espiritual". E o jesuíta, com aquele vozeirão descomunal, tinha tamanho poder de persuasão, que era raro não acontecer aparecerem alunas informando terem "descoberto a vocação". Pelas mãos das freiras, saíram várias moças, que hoje permanecem com "esposas de Cristo" num convento qualquer da Congregação; outras parecem não ter dado certo com o "casamento" da vida monástica e voltaram para construir um lar profano mesmo e enchê-lo de meninos.

Numa das vindas dos jesuítas, apareceu por cá um já famoso padre Satúrio Céspedes, já madurão, mas de tonitroante voz de bronze, que era capaz de converter o mais empedernido dos hereges, de tirar o próprio Capeta do inferno pra vir comungar.

Durante o retiro, ao ouvir as dantescas e repetidas advertências do inesquecível padre ("Você vai para o Inferno! O pecador vai consumir-se nas chamas do Inferno!... Inferno!... Inferno!..."), me deu um trem ruim cá dentro e eu pensei cá comigo: "Estou é perdido! O negócio é segurar meu lugarzinho lá em cima!", e confesso que me deu uma cegueira doida de ser padre, uma vontade danada e irrefreável, como se a batina fosse o salvo-conduto para avistar-me com São Pedro, ter intimidades com os anjos e passear livremente pelos corredores celestiais.

Quando as freiras souberam que eu queria ser padre, ficaram para explodir de alegria, pois só um filho da terra (Joatan, e por sinal já foi nosso vigário e hoje está em Natividade) se dignara a representar no clero nosso povinho. Na verdade, um de meus irmãos, Solon, já estivera num seminário em São Paulo, mas a vocação fora providencial: não tinha onde ficar e se ajeitou com uns padres, mas só enquanto tomou fôlego para pegar outro destino. Chegou até a mandar uma foto de batina para casa, mas ficou só nisso (no rebentar das cordas, acabou foi casando-se com uma crente. Outro da família, meu primo Napu, chegou a andar de batina ajudando missa, mas acabou disurindo da vocação, e hoje parece que tem até ojeriza de padre.

Eu era uma esperança. Mas foi só a conta de o terrificante jesuíta virar as costas, e meu medo passar, levando com ele emparelhada minha "vocação", para desconsolo das freiras.

Depois de mim, meu primo Hélio, filho de tio Francisco e tia Marieta (falecido há muitos anos em acidente de carro), teve uma súbita e temporona vocação, angariando a imediata simpatia e proteção das freiras. E foi mais além: começou a chamar o vigário de "meu padrinho". Uma freira ajudou aqui; outra, ali, e ao chegar às portas das provas finais, ele (que já previra uma vergonhosa reprovação) conseguiu "virar o placar" e passou de ano com boas notas, pois durante a "crise vocacional" quase pelou os joelhos e calejou os dedos de tanto debulhar o terço na capela, participando ativamente de novenas e comunhões diárias.

Chegando o fim do ano, aprovado com distinção, sumiu do mapa e da vista das freiras, pois sua vocação aparecera por força de uma vidinha escolar meio capenga que levou a ter na simpatia das freiras a tábua de salvação.



(Republicada no “Diário da Manhã” por ter saído anteriormente com incorreções)

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