O sumiço do Ministério da Justiça

POLÍTICA

O sumiço do Ministério da Justiça

Criado no Império por Dom Pedro I, o Ministério da Justiça, esvaziado pela criação do Ministério da Segurança Pública, vive o momento de menor prestígio político de sua longa história

JAILTON DE CARVALHO
03/05/2018 - 19h01 - Atualizado 03/05/2018 19h51
Dois meses após ter sido criado, logo após a decretação da intervenção federal no Rio de Janeiro, o Ministério Extraordinário da Segurança Pública ainda não tem um teto para chamar de seu. O ministro Raul Jungmann despacha em uma espécie de puxadinho no 2º andar do Ministério da Justiça: duas salas onde ele e mais dez auxiliares se espremem. As secretárias de Jungmann e dos assessores ficam em duas salas de espera, feitas improvisadamente com divisórias de fórmica, no corredor que dá acesso ao “gabinete” do ministro. Os dez assessores continuam vinculados ao Ministério da Defesa, a antiga pasta de Jungmann, porque o Ministério da Segurança continua sem estrutura de pessoal. Para suprir a deficiência, o Ministério da Justiça prometeu ceder para Jungmann 20 cargos do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores (DAS). Não são só cargos que sobram no Ministério da Justiça. Dois andares acima de Jungmann, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, continua a despachar em seu gabinete amplo, espaçoso, mobiliado com móveis antigos, onde cumpre hoje uma rotina diária sem sobressaltos, mas também sem decisões estratégicas.
Segundo um auxiliar de Torquato, a maior dificuldade do ministro é agendar reuniões para preencher o tempo. Dos 30 dias do mês de abril, Torquato não deu expediente em pelo menos 15 — por motivo de viagem, falta de compromissos ou porque era fim de semana, que o ministro faz questão de preservar para seu descanso. Na segunda-feira 2 de abril, o único compromisso de Torquato foi participar da solenidade de posse dos colegas Gilberto Occhi (Saúde) e Valter Casimiro (Transportes). Dois dias depois, na quinta-feira 4 de abril, a agenda dele estava vazia. No dia seguinte, embarcou para o Rio de Janeiro, onde fez uma visita institucional ao Arquivo Nacional, seguida de uma reunião na Confederação Nacional do Comércio. O elegante Palácio da Justiça, projetado por Oscar Niemeyer para abrigar o Ministério da Justiça, tradicionalmente uma das pastas mais importantes do governo federal, está se transformando no mais vistoso elefante branco da Esplanada.
O Ministério da Justiça já vinha perdendo relevância nos últimos anos. Mas a decadência se acentuou depois que o presidente Michel Temer criou, em fevereiro, o Ministério Extraordinário da Segurança Pública. A nova pasta levou a Polícia Federal (PF), a Polícia Rodoviária Federal, a Secretaria Nacional de Segurança Pública e o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), que eram a espinha dorsal do antigo ministério. A PF forma, com a Receita Federal e o Banco Central, a Santíssima Trindade dos órgãos do Estado que está na base do exercício do poder pelo Executivo federal. Da antiga estrutura, sobraram as secretarias de Justiça, do Consumidor, Antidrogas e a Fundação Nacional do Índio (Funai). São setores importantes, mas sem força no xadrez político.
Sem o departamento responsável pelos presídios, a Secretaria Nacional de Justiça ficou apenas com o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), que tem como tarefa apenas intermediar pedidos de investigadores em âmbito internacional. O DRCI não tem atribuição para interferir no curso de investigações criminais. A Secretaria do Consumidor é uma área técnica. A Secretaria Antidrogas está formalmente vinculada à Justiça. Mas até recentemente era área de influência do ex-ministro do Desenvolvimento Social Osmar Terra, que funcionava como um dique contra a onda de flexibilização das leis antidrogas, postura igualmente assumida por Torquato. A Funai tem uma dinâmica própria, em geral, à revelia do ministério. Os ministros têm dificuldades de impor uma política própria à fundação — e as questões indígenas costumam ser, para os titulares da Justiça, mais uma fonte de dor de cabeça do que de exercício de poder.
O ministro da Justiça, Torquato Jardim, numa recepção no Itamaraty em fevereiro deste ano. Enfraquecido, o ministro não conseguiu emplacar indicações mesmo nas áreas que permanecem sob seu comando, como a Secretaria Nacional do Consumidor (Foto: JORGE WILLIAM/AGÊNCIA O GLOBO)
Enfraquecido, Torquato não conseguiu nem mesmo indicar nomes para a Funai e para a Secretaria do Consumidor. O novo presidente da Funai, Wallace Moreira Bastos, foi escolhido pela bancada ruralista no Congresso depois que ela derrubou o antigo ocupante do cargo. Bastos era subsecretário de Assuntos Administrativos do Ministério dos Transportes e não tem qualquer vínculo com a questão indígena. Numa segunda frente, o ministro tentou emplacar o advogado João Luiz Martins na Secretaria do Consumidor. Mas quem venceu a disputa pelo cargo foi Ana Lúcia Kenickel, afilhada política do deputado Celso Russomanno (PP-SP). Entre as duas sugestões, Temer optou pela de Russomanno. Torquato tem tido dificuldades até para resolver problemas menores, como, por exemplo, a comunicação social do ministério. O contrato com a empresa CDN, responsável pelo atendimento à imprensa em nome do ministério, venceu em dezembro. Como não houve licitação, a empresa terá de suspender os serviços no próximo mês. Segundo auxiliares, sem saber o que fazer, Torquato mandou abrir sindicância para apurar o que aconteceu, ou melhor, o que não aconteceu.
Torquato tomou posse no Ministério da Justiça em maio do ano passado, num momento em que o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot se preparava para fazer a primeira denúncia contra Temer. A denúncia teve como base o acordo de delação premiada dos executivos do grupo empresarial J&F, controlado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, e as investigações subsequentes da Polícia Federal. Mal esquentou a cadeira, o ministro criticou as investigações contra Temer e deixou claro que poderia trocar o diretor da Polícia Federal. Disse também que o conhecimento de segurança pública dele se resumia ao relato de uma tia vítima de um assalto. Foi a senha para que, semanas depois, Jungmann entrasse em cena para falar sobre combate à violência no Rio de Janeiro e sobre um plano de segurança pública para o país, até então seara exclusiva do titular da Justiça. Uma das primeiras reuniões entre ministros para tratar do assunto aconteceu no Ministério da Defesa.
Segundo relatos, um assessor perguntou a Torquato: “Ministro, esta reunião não deveria ser na Justiça?”. Torquato respondeu que, pela lógica, sim. Mas, como Jungmann tinha tomado a dianteira, não restava nada a fazer senão ir ao endereço indicado para a reunião. No começo deste ano, Temer decidiu formalizar a divisão de tarefas, empossando Jungmann no Ministério Extraordinário da Segurança. Escanteado, o ministro da Justiça perdeu até a escolta especial da Polícia Federal. Duas semanas depois da criação do Ministério da Segurança, Torquato foi informado de que os policiais federais passariam a responder pela segurança de Jungmann, o novo chefe da PF, e não pela dele. Acostumado com a proteção, o ministro teve de improvisar um esquema de segurança com a Polícia Rodoviária Federal, numa viagem a São Paulo, e com a Marinha, numa visita ao Rio. Pela lei, qualquer ministro pode requisitar proteção policial, mas, para isso, deve justificar o risco de circular desacompanhado.
Segundo interlocutores, a perda de espaço e de prestígio deixou Torquato contrariado apenas em parte. O ministro não gostou da desenvoltura de Jungmann, que chegou falando grosso (em questões de segurança pública) e logo se assenhorou do pedaço. Mas essa seria uma insatisfação de baixa intensidade. Sem maiores ambições, Torquato, de acordo com esses relatos, contentou-se com a ideia de ser uma espécie de “consultor jurídico” eventual de Temer. O presidente tem a sua disposição a Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil. Conta também com renomados advogados criminalistas para fazer a defesa dele nos casos em que é investigado por corrupção e obstrução da Justiça. Jurista especializado em legislação eleitoral, Torquato é um reforço de luxo nesse jogo. “Para ele, o cargo de ministro já é suficiente”, disse um graduado servidor do ministério.
O Ministério da Justiça foi criado em 3 de julho de 1822, pelo imperador Dom Pedro I, com o nome de Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça. De lá para cá se tornou uma área central da administração, não só do imperador, mas de todos os presidentes desde o nascimento da República. Pelo ministério, passaram personagens proeminentes como Ruy Barbosa, Oswaldo Aranha e Tancredo Neves. Na história recente, a pasta foi chefiada por Saulo Ramos, Paulo Brossard, Oscar Dias Corrêa, Nelson Jobim e Márcio Thomaz Bastos, personagens que tiveram papel fundamental na definição dos rumos políticos dos governos a que estavam vinculados e, por tabela, no destino do país. Reza a tradição que, pela importância, o ministro da Justiça deve ter cadeira cativa ao lado direito do presidente da República em reuniões ministeriais. O costume só foi rompido quando, no início do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o então chefe da Casa Civil, José Dirceu, exigiu o lugar, para demarcar poder.
O cargo de ministro da Justiça sempre foi cobiçado porque cabia ao titular da pasta duas tarefas nobres: a articulação política com o Congresso Nacional e, de quebra, a interlocução do governo federal com os tribunais. Ou seja, o ministro da Justiça podia discutir as grandes questões nacionais com o privilégio de, aparentemente, estar acima das disputas menores. Na virada do milênio, com a crescente onda de violência e a globalização do crime organizado, o governo federal passou a receber mais demandas nessa área. Em resposta, os governos dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula lançaram programas de segurança pública, o que ampliou as atribuições e os poderes do ministério. No governo Lula, o Plano Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), ambicioso programa de segurança, foi lançado pelo ministro Tarso Genro.
A expansão do Ministério da Justiça esbarrou, no entanto, na decisão da ex-presidente Dilma Rousseff de não se intrometer no assunto. Para ela, a segurança pública era responsabilidade dos estados. Um limite estabelecido na Constituição. Com a mudança de rota, o Pronasci foi descartado na gestão de José Eduardo Cardozo no ministério. De lá para cá, nenhum outro plano de segurança saiu do papel. “Foi ali, na gestão de Cardozo, que o Ministério da Justiça começou a ser esvaziado”, disse um ex-ministro. Cardozo era um ministro forte. Mas, para alguns, limitou a atuação dele à defesa pública do governo Dilma. “O Cardozo teve papel importante, mas acabou atuando mais como advogado da ex-presidente Dilma no processo de impeachment”, disse o diretor-presidente do Fórum Nacional de Segurança Pública, Renato Sérgio Lima.
O ex-ministro Tarso Genro reclamou do fim do Pronasci ainda na gestão Dilma. Mas, para ele, a fragilização do Ministério da Justiça seria apenas o reflexo do que ele vê como falta de legitimidade do governo Temer. “Governos ilegítimos não desenvolvem políticas de Estado, mas políticas imediatistas que se limitam a tentar legitimar-se e sobreviver. O Ministério da Justiça está esvaziado porque deixou de ser, na prática, um ministério de Estado e se tornou, em seu sentido decadente, um ministério político de governo”, afirmou Genro a ÉPOCA.
O ministro Torquato Jardim iria receber ÉPOCA para entrevista na tarde da quarta-feira 2 de maio. Cancelou a entrevista, segundo sua assessoria, depois de ter sido chamado pelo presidente Temer para acompanhar encontro com representantes do governo do Suriname em visita a Brasília.
Raul Jungmann com Torquato na cerimônia de posse do diretor-geral da Polícia Federal. A PF era espinha dorsal do Ministério da Justiça e foi transferida para o comando de Jungmann. Com a mudança, Torquato perdeu o direito à escolta por policiais federais (Foto: JORGE WILLIAM/AGÊNCIA O GLOBO)

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