Cidade do AM tem aumento de 3.550% da forma mais nociva da malária São Gabriel da Cachoeira vive crise sem precedentes e decreta estado de emergência



Cidade do AM tem aumento de 3.550% da forma mais nociva da malária
São Gabriel da Cachoeira vive crise sem precedentes e decreta estado de emergência








3.mai.2018 às 17h30

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Fabiano Maisonnave
SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA (AM)


O agente de saúde indígena Basilio Pena enfrentou sete dias num pequeno barco até São Gabriel da Cachoeira (850 km a oeste de Manaus) para buscar o salário. Por causa do cartão de banco danificado e do RG perdido, não conseguiu tirar o dinheiro. De quebra, contraiu malária.

O índio da etnia hupda está longe de ser exceção. Somente nos primeiros quatro meses deste ano, o município de 45 mil habitantes registrou 5.072 casos da doença, um aumento de 49% em relação ao mesmo período de 2017.
Funcionária da prefeitura de São Gabriel da Cachoeira (AM) participa de campanha contra a malária - .Fabiano Maisonnave / Folhapress

Uma análise técnica da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS), do governo estadual, mostra que a incidência da doença em São Gabriel chega a 344,28 casos por 1.000 habitantes neste ano.

Trata-se do município com mais casos de malária no Amazonas, com 24% do total, apesar de concentrar apenas 1,1% da população estadual.

Mais preocupante ainda para a FVS é a explosão de casos da malária falciparum, causada pelo protozoário Plasmodium Falciparum e responsável por 90% das mortes pela doença no Brasil.

Os 1.314 casos de falciparum no quadrimestre representam um aumento de 3.550% em relação a mesmo período de 2017, segundo os números oficiais. Duas mortes já foram registradas neste ano.

A configuração de São Gabriel, às margens do rio Negro, dificulta o combate. Com 109,2 mil km² (pouco maior do que Pernambuco), cerca de 80% da área é ocupada por terras indígenas, que formam a maioria da população.

O intenso fluxo de pessoas entre as centenas de comunidades e a cidade, principal foco da malária, contribui para espalhar a doença pelo vasto território. ​Outros problemas são a falta de saneamento e tanques de piscicultura abandonados, que favorecem a proliferação do mosquito Anopheles.

Os novos casos estão espalhados por 239 localidades, das quais 116 apresentam malária falciparum, também registradas em todos os bairros do casco urbano.

“[É uma] realidade sem precedentes no histórico epidemiológico do município”, afirma a FVS, que vê fragilidade no programa de controle da malária da prefeitura e defende “medidas estruturantes”, eufemismo para intervenção.

Procurada nos últimos dois dias, a secretária municipal da Saúde, Eufélia Gonçalves, não atendeu ao pedido de entrevista da Folha, alegando falta de tempo.

Em palestra durante evento com mulheres indígenas nesta quarta-feira (2), Gonçalves anunciou que o município, comandado pelo petista Clóvis Saldanha, havia decretado estado de emergência por causa da epidemia.

“Nossa atenção básica está tendo uma falha grave, a gente reconhece isso e está tentando solucionar. A cobertura não acontece, e a rede de diagnósticos está falhando por causa disso”, admitiu Gonçalves, o terceiro secretário da Saúde em menos de um ano e meio de administração.

São Gabriel é um caso extremo do recrudescimento da malária. No ano passado, o Brasil registrou um aumento de 50% nos casos da doença, com 194 mil registros, 99% na Amazônia.

O aumento da falciparum, por sua vez, chegou a 33% no ano passado, afastando o país da meta oficial de eliminar a forma mais perigosa da doença até 2030.

Em tratamento, Pena teve sorte: foi diagnosticado com a malária vivax, a forma mais branda da doença.

Já o saque do salário dependerá de um boletim de ocorrência sobre a perda do RG, ainda não solicitado.

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