QUE É ISTO RAQUEL CONTRA O VOTO IMPRESSO?



Que é isto Raquel: contra o voto impresso?





Liberato Póvoa





Sempre enxerguei nessa inovação de urna eletrônica uma fábrica de fraudes. Fui presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins por duas vezes, e era Corregedor Regional Eleitoral, quando surgiu essa inovação; apesar de parecer estranho, pelo cargo que eu ocupava, mesmo porque não devo satisfações a ninguém sobre o que penso, arrisquei-me a combatê-la em artigo publicado no “Jornal do Tocantins” em 10/09/2006, há quase doze anos atrás. Mais recentemente, aqui no “Diário da Manhã”, reiterei minha desconfiança, em vários artigos, dentre eles “A eleição de Dilma foi fraudada”, de 21/04/2015, quando reproduzi o pensamento de respeitadíssimo Olavo de Carvalho, que opinou: “Não foi uma eleição, porque se a contagem de votos é secreta, você não pode confiar. Essa não foi uma eleição normal, não foi uma eleição legítima, foi uma fraude, completa. E o homem que foi responsável pela contagem dos votos, o presidente do Tribunal Eleitoral, era advogado do PT. Ele trabalhou para o PT por anos. Ele era um protegido do PT e apenas retribuiu os favores que recebeu. Então, apenas 23 pessoas seguiram a contagem de votos. É tão absurdo, é obviamente uma fraude...”.

Na sessão em que foram votados os vetos da presidente Dilma ao voto eletrônico, o Congresso disse um “não” ao veto ao voto impresso para o caso de conferência, previsto no projeto de lei da minirreforma eleitoral (PL 5.735/13), E foi uma derrota acachapante do Planalto ainda governado por Dilma: 368 deputados contra e 50 a favor da derrubada do veto.

Segundo a coluna “Radar”, da revista Veja, a decisão, claro, desagradou o então presidente do TSE, Dias Toffoli, dizendo que “o ministro acha que a necessidade de impressão do voto vai encarecer e burocratizar o sistema.” Mas vai sair infinitamente mais barato para o Brasil que esse lamaçal de roubalheira. Basta que cortem as mordomias, os milhares de cargos desnecessários dos três Poderes, que haverá dinheiro.

Toffoli, ex-advogado do PT, tinha se empenhado pessoalmente pelo veto ao dispositivo, que considerava um retrocesso no processo eletrônico de votação do Brasil – reconhecido internacionalmente como eficiente, segundo ele.

Ora, se a urna eletrônica sem a impressão do voto fosse uma garantia de isenção, seria reconhecida e adotada em todos os países, porque evitaria uma infinidade de gastos com material e pessoal. Mas aqueles poucos que usam urnas eletrônicas adotam o voto impresso. Só no Brasil a confiabilidade do resultado publicado ficava totalmente dependente da confiabilidade do “software“ instalado no equipamento.

A alegação de Toffoli arrimou-se no fato de o PSDB ter pedido uma auditoria no sistema, que não constatou nenhuma irregularidade, mas essa tese de Toffoli distorce a conclusão da auditoria tucana, que não comprovou a fraude exatamente pela impossibilidade de se constatarem irregularidades, o que no voto impresso é possível.

Parte da indignação da bancada do PT, que ficou isolada na defesa do veto, com a manutenção da ideia devia-se a uma recomendação do governo: era importante dar essa sinalização de colaboração ao presidente do TSE, cujas relações com Dilma Rousseff não estavam muito boas naquele momento em que conduziria o processo de cassação do mandato presidencial na Corte Eleitoral. E a bancada petista estava preocupada com a irritação do presidente do TSE. E certamente seu vínculo histórico com o PT poderia pesar na hora do aperto.

Conhecidas pelo seu polêmico sistema de segurança, as urnas eletrônicas brasileiras vivem envoltas em denúncias de escândalo de manipulação de resultados. Nas últimas eleições não foi diferente. Apesar de os principais candidatos e partidos pouco falarem a respeito, pesquisadores independentes já apontavam incontáveis falhas presentes no “software” das máquinas e no sistema de registro de dados. A maior crítica dizia respeito à impossibilidade de recontagem de votos, que por si só já implica em fraude. E aí estava a preocupação de Toffoli: a recontagem desmoralizaria o sistema, com o qual o PT contava para se eternizar no poder.

As primeiras polêmicas vieram a público já nos pleitos iniciais que a adotaram - em 1996, 1998 e 2000. Em 2001, um caso especial chamou a atenção: um jornalista relatou a existência de listas com um número de eleitores oito vezes maior que o número de pessoas que realmente haviam comparecido a um recadastramento eleitoral no município de Camaçari, na Bahia. Mais tarde, em 2002, policiais encontraram e apreenderam urnas falsas no Ceará e no Distrito Federal, pouco mais de um mês antes do pleito.

Tanto portais de inclinação à esquerda, quanto moderados ou mais à direita vêm alertando sobre as denúncias, postando críticas ao sistema, mas o TSE de Toffoli se esquivou de todas. Por incrível que pareça, o Tribunal, presidido por Dias Toffoli, ex-advogado geral da União durante o governo Lula, chegou a admitir, após as eleições presidenciais de 2014, que os sistemas antifraudes “nem sempre garantidamente impedem uma fraude (nas urnas)”; entretanto, não se propôs a investigar a fundo as acusações.

Mas a polêmica sempre se renovou: em 2004, foram abertas investigações que apuravam irregularidades nas eleições de 2000. Depois, em 2008, o “Jornal da Band” reportou uma denúncia de manipulações que teriam ocorrido nas eleições de 2004 e de 2008. Já em 2010, Jorge Stolfi, professor de Ciência da Computação da Unicamp, lançou mais denúncias sobre a possibilidade de a fraude ser programada no “software” da urna, de maneira a desviar votos de um candidato para outro. Dois anos mais tarde, pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) encontraram brechas de segurança reais no “software” das máquinas. Nas eleições municipais de 2012, o assunto novamente voltaria a ocupar as manchetes de jornais, após um “hacker”, identificado como “Rangel”, ter demonstrado publicamente como fraudou os resultados das máquinas eleitorais.

Com a adoção do voto impresso, a casinha do PT começou a cair, pois as falcatruas da urna eletrônica “batizada” passam a ser averiguáveis.

Uma das exigências previstas na minirreforma eleitoral, sancionada com vetos, em 2015, pela presidente cassada Dilma Rousseff foi o voto impresso. O TSE estima que 30 mil urnas do novo modelo – de um total de 600 mil – deverão ser utilizadas já em 2018. O custo deve ficar em torno de R$ 60 milhões.

Em novembro de 2015, o Congresso derrubou o veto de Dilma ao voto impresso. Ao todo, 368 deputados e 56 senadores votaram a favor da impressão. A proposta havia sido apresentada pelo deputado federal Jair Bolsonaro, que acredita que a impressão pode estimular a participação de cidadãos incrédulos com o sistema eletrônico.

De fato, esse voto eletrônico torna difícil, senão impossível, fazer a recontagem de votos, em caso de suspeita de fraude. Hoje, não se pode acompanhar a apuração, pois a urna já vomita os nomes previamente escolhidos para ganhar.

Para a procuradora geral da República, Raquel Dodge, a proposta do pré-presidenciável Jair Bolsonaro caminha na contramão da proteção da garantia do anonimato, e para tanto entrou no último dia 5, com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra a implantação do voto impresso nas próximas eleições, porque, segundo ela, o voto representa risco “à confiabilidade do sistema eleitoral, fragilizando o nível de segurança e eficácia da expressão da soberania nacional por meio do sufrágio universal”.

O TSE restringe voto impresso em 2018 a 5% das urnas. O atual presidente do TSE e ministro do STF, Luiz Fux, foi sorteado como relator da ação recém-ajuizada por Raquel; o combate às “fake news” e a implantação do voto impresso estão entre as suas principais preocupações.

Para Raquel, o dispositivo legal que prevê a implantação do voto impresso nas próximas eleições "desrespeita frontalmente o sigilo de voto", sustentando que a norma não explicita quais dados estarão contidos na versão impressa do voto, o que abre demasiadas perspectivas de risco quanto à identificação pessoal do eleitor, com prejuízo à inviolabilidade do voto secreto. O problema torna-se mais grave caso ocorra algum tipo de falha na impressão ou travamento do papel na urna eletrônica, alegou a procuradora-geral da República.

“Tais situações demandarão intervenção humana para a sua solução, com a iniludível exposição dos votos já registrados e daquele emanado pelo cidadão que se encontra na cabine de votação. Há ainda que se considerar a situação das pessoas com deficiência visual e as analfabetas, que não terão condições de conferir o voto impresso sem o auxílio de terceiros, o que, mais uma vez, importará quebra do sigilo de voto”, prosseguiu Raquel.

Ao entrar com a ação no STF, Raquel Dodge destacou o relatório das eleições de 2002 do TSE, que apontou uma série de problemas na implantação de voto impresso em municípios brasileiros naquele pleito, como maior tamanho das filas, maior número de votos nulos e brancos, maior percentual de urnas que apresentaram defeito, além das falhas verificadas apenas no módulo impressor. Mas é de se considerar que a tecnologia avançou de 2002 para cá.

“As inúmeras intercorrências possíveis com a reintrodução do voto impresso e a consequente quebra do sigilo constitucional do voto colocam em risco a confiabilidade do sistema eleitoral e a segurança jurídica. A implementação da mudança potencializará falhas, causará transtornos ao eleitorado, aumentará a possibilidade de fraudes, prejudicará a celeridade do processo eleitoral. Elevará, ainda, as urnas em que a votação terá que ser exclusivamente manual”, observou Raquel.

“Conclui-se que a obrigatoriedade do voto impresso não servirá ao propósito de conferir a higidez do processo de votação eletrônica e, ainda, causará entraves e embaraços ao sistema de apuração”, concluiu a procuradora-geral da República.

Sem a adoção do voto impresso corremos o risco de se programar o computador para garantir votos a quem não os terá, e eleger quem esta quadrilha que manda no Brasil deseja e, por vias travessas, continuar sob o manto do foro privilegiado, que não desata nunca.




(Publicado no “Diário da Manhã” de 20/04/2018)

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