Personagem da semana: José Dirceu
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Personagem da semana: José Dirceu
Um dos ícones do petismo passa a semana em despedidas acreditando que voltará à prisão nos próximos dias, sem imaginar que possa retornar à liberdade
BELA MEGALE
26/04/2018 - 19h00 - Atualizado 26/04/2018 19h34
Apesar de ser o anfitrião da festa, José Dirceu estava mais calado do que de costume. Em clima de adeus, sem discursos e com um semblante abatido, o todo-poderoso da República durante o primeiro governo Lula (2003-2006) recebeu cerca de 30 convidados na noite do último dia 17, uma terça-feira, no salão do restaurante Tia Zélia, um dos favoritos do ex-presidente do PT em Brasília. O motivo do convescote: despedir-se da liberdade. Àquela altura, Dirceu tinha feito suas contas: seria preso nos próximos dias, já que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) julgaria naquela semana seus embargos de declaração — um dos últimos recursos a que tem direito — e o mandaria de volta ao presídio no Paraná onde ficou detido de agosto de 2015 a maio de 2017.
No jantar de despedida, o ex-ministro incluiu no cardápio um de seus pratos preferidos — rabada —, além de galinha caipira. Os escassos brindes daquela noite, que entoavam palavras como “por dias melhores” e “salve o Zé”, foram feitos com caipirinha e cerveja. Um dos melhores amigos de Dirceu, o advogado José Oscar Pereira, conhecido por fazer discursos em homenagem ao ex-ministro, preferiu o silêncio. Ao final, cada convidado foi ao caixa e pagou a própria conta, no valor de cerca de R$ 50 por pessoa sem bebida.
“Era como se o Zé estivesse indo ao próprio velório”, relatou um dos presentes sobre o ânimo do petista, que ficou das 20h30 à meia-noite se revezando de mesa em mesa em conversas que iam de amenidades, como seus olhos roxos em decorrência de uma cirurgia plástica nas pálpebras, à prisão de Lula, que acontecera dez dias antes.
A ideia inicial era fazer um jantar para dez pessoas no escritório do advogado Roberto Podval, defensor de Dirceu, na capital federal. O local já funcionava como QG do petista para manter a discrição de encontros, principalmente com senadores e deputados do PT e outros nomes da política que queriam debater com Dirceu o cenário atual. No entanto, o tamanho do imóvel e a trabalheira de levar panelas e acessórios de cozinha fizeram com que o plano fosse abortado. Além disso, Dirceu queria um evento maior, com as pessoas que o apoiaram neste ano de liberdade, como o advogado Carlos Almeida Castro, Emídio de Souza — o tesoureiro do PT, que veio à Brasília só para o evento —, o deputado Odorico Monteiro (PSB-CE), o próprio advogado Roberto Podval, entre outros.
“Não era um dia de celebração”, limitou-se a dizer o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que passou no fim da festa para ver o ex-ministro. Antes de chegar ao Tia Zélia, Silva pretendia jantar em um restaurante a poucos metros dali, no mesmo bairro. Ao chegar, deparou com o presidente Michel Temer em uma reunião com a bancada do MDB, numa recepção para novos filiados do partido. Soube do evento de Dirceu, deu meia-volta e seguiu para lá.
Aquele jantar marcava o fim de uma série de encontros que o ex-ministro vinha fazendo para se despedir dos amigos e usar as horas que lhe restavam para fazer política. No domingo, recebeu em casa um de seus advogados e Lédio Rosa, desembargador aposentado que será candidato ao Senado pelo PT em Santa Catarina, para mais uma vez despedir-se e falar sobre o contexto eleitoral de 2018. Na segunda-feira, participou de uma plenária com o líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile, em Brasília, onde invocou os cerca de 100 militantes a ser implacáveis com o governo de Michel Temer e a se transformar em soldados engajados na liberdade do ex-presidente Lula. Apesar de ter proibido gravações no local, o petista queria garantir uma aparição pública em sua última semana nas ruas para dar um recado direto ao público. Horas depois, reuniu-se na casa de amigos para mais um jantar de despedida.
Seus filhos, neta e até Clara Becker, uma das ex-mulheres do político e mãe do deputado Zeca Dirceu (PT-PR), estiveram em Brasília para passar as últimas horas em torno do patriarca. Dirceu estava certo de que, com a confirmação da condenação de 30 anos e nove meses de prisão, viria o pedido para retornar imediatamente para trás das grades e tem dúvidas de que um dia possa se livrar delas.
Solto há quase um ano por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que concedeu a ele um habeas corpus para que aguardasse em liberdade o julgamento dos recursos que sua defesa impetrou na segunda instância, Dirceu foi obrigado a levar uma vida muito mais modesta do que em sua última passagem pela capital federal, quando cumpria prisão domiciliar em uma mansão no Lago Sul devido à condenação no mensalão, em 2015. A ampla casa, com sala espaçosa, obras de arte, piscina e funcionárias para servi-lo, deu lugar a um apartamento em um bairro de classe média em Brasília que pertence à sogra do ex-ministro, mãe de Simone, sua atual mulher.
Apesar de ter passado lá os últimos 11 meses, o petista preferia receber só os amigos mais próximos e familiares. Gostava de dizer que, quando estava em casa, preferia gastar seu tempo com a filha mais nova, Maria Antônia, de 7 anos. Definido por quem convivia com ele como “paivô”, fazia questão de ir a festas da escola, mesmo sob o risco de ser hostilizado, e ajudá-la com o dever de casa. Um dos poucos eventos em que encheu a casa foi em 16 de março, quando completou 72 anos e organizou um bolo com salgadinhos para os mais chegados. No fim de semana, ganhou uma feijoada em uma chácara nos arredores de Brasília com direito a música, garçons e bebidas.
“Imaginei que não fosse carismático, que não era um ser humano, mas ele quebrou isso. Tirou foto com a gente e se servia sozinho. Estava bem feliz, dançando”, contou o garçom José Luis de Souza Pinto, que publicou em redes sociais selfie ao lado do ex-ministro.
Com R$ 11 milhões em bens — com leilão previsto para esta semana — e com as contas bloqueadas, Dirceu vive dos R$ 9.600 mensais de aposentadoria que recebe da Câmara dos Deputados pelo tempo de serviço prestado à Casa. Amigos também fazem doações. ÉPOCA ouviu três pessoas próximas ao ex-ministro que confirmaram ajudá-lo financeiramente, mas nenhuma quis se identificar.
O receio de ser hostilizado fez com que o ex-ministro evitasse aparições em ambientes em que pudesse passar por situações constrangedoras. Costumava visitar amigos donos de restaurantes na capital federal depois que os estabelecimentos estavam fechados. Em dezembro de 2017, compareceu com a mulher e a filha em uma festa de fim de ano em um desses locais, e estavam presentes apenas os garçons. Inicialmente foi visto com receio pelos funcionários, mas decidiu se sentar com eles para debater política nacional. O bate-papo, regado a cerveja, durou cerca de quatro horas e terminou com a turma fazendo fotos com Dirceu. Com frequência, o ex-ministro também recebia dos estabelecimentos que frequentava alguns de seus pratos preferidos, como bacalhau.
Proibido de deixar Brasília por determinação do juiz Sergio Moro, que impôs medidas restritivas no período em que o político está na capital federal, o petista saiu da cidade poucas vezes, sendo duas para trocar a tornozeleira eletrônica com defeito. Mesmo dentro do perímetro determinado pela Justiça, o aparelho apitava, tirando Dirceu do sério. Aos amigos, falava que era desumano ter de fazer uma viagem de 30 horas (ida e volta) para arrumar o aparato. Com carro emprestado e o motorista Sandrão, que presta serviço a ele há 20 anos, foi e voltou da capital paranaense. Outra saída de Brasília foi em julho de 2017, quando passou os últimos dias da mãe a seu lado em Passa Quatro, Minas Gerais. Com 97 anos, dona Olga não chegou a saber que o filho foi preso pela segunda vez no âmbito da Lava Jato.
A agenda política também foi prioridade do ex-ministro neste ano que passou na capital federal. Segundo pessoas próximas, ele mantinha uma média de cinco encontros semanais para discutir o assunto, muitas vezes em casas de amigos. Um dos principais anfitriões das agendas do ex-ministro era o advogado José Oscar, o mesmo que gostava de discursar em torno de Dirceu. Com frequência ele abria sua residência no Lago Sul e fornecia comida e bebida para os convidados do petista. Foi também na chácara dele que aconteceu a festa de aniversário de Simone, mulher de Dirceu, em que imagens dela dançando com o marido foram publicadas em redes sociais. A conta, claro, foi paga pelos amigos. Até o deputado afastado Paulo Maluf (PP-SP) chegou a ter agenda marcada com o petista, mas não puderam se encontrar devido à prisão do congressista, que hoje cumpre a medida em casa.
Com a realidade da volta à cela de 12 metros quadrados do Complexo Médico Penal (CMP), na região metropolitana de Curitiba, cada vez mais próxima, Dirceu pensa em estratégias para ficar mais perto da família e da política. Uma delas é pedir sua transferência para o presídio da Papuda, em Brasília, onde mesmo encarcerado pretende manter suas reuniões.
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