O QUE É DEMOCRACIA? Morte da democracia? Há ódio de classes? Mas é claro que há gente com pensamento torpe, como em qualquer lugar
Morte da democracia?
Há ódio de classes? Mas é claro que há gente com pensamento torpe, como em qualquer lugar
MONICA DE BOLLE
12/04/2018 - 19h34 - Atualizado 12/04/2018 19h34
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Depois do Brexit, de Trump, da guinada autoritária na Turquia, na Polônia e, sobretudo, na Hungria, questionamentos sobre a solidez da democracia abundam. Na América Latina, as intolerâncias da esquerda recém-alijada do poder e da direita conservadora que veste o manto do liberalismo econômico para encobrir seu viés dogmático são vistas de norte a sul. Em recente pesquisa de opinião no México pré-eleitoral, cerca de 93% da população se diz insatisfeita com o sistema político do país. Imagino que enquete semelhante no Brasil encontraria resultados parecidos. Afinal, na esteira da prisão de Lula, o que mais se ouve e lê são os chavões “ódio de classe”, “raiva das elites”, “defesa de Lula para defender a democracia”, de um lado, e “a justiça é para todos”, “ninguém está acima da lei”, de outro. Ou seja, o Brasil está mais dividido do que nunca e isso só pode ser sinal de democracia estrebuchante, não é mesmo?
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Não sei. O que sei é que, quando se declara a morte de qualquer fenômeno histórico ou cultural, há que reter a pulga atrás da orelha. Afinal, o ser humano já demonstrou ser absolutamente incapaz de fazer previsões sobre eventos complexos. A eleição de Trump aqui nos EUA tem posto à prova a capacidade da imprensa de se manter relevante e razoavelmente imparcial, do Congresso de rejeitar as políticas mais disparatadas, do Judiciário de barrar propostas que firam princípios da Constituição. No entanto, o sistema está resistindo bem. Há congressistas pusilânimes e a imprensa tem lado. Ao mesmo tempo, o Judiciário tem conseguido cumprir seu papel. Portanto, não parece que a democracia americana, com todos os seus defeitos, esteja prestes a morrer. Algo semelhante pode ser dito do Brexit e da Inglaterra. A Hungria e a Turquia estão se tornando mais autoritárias, e Maduro instalou uma ditadura na Venezuela. Mas esses são casos isolados.
E o Brasil? A democracia no Brasil está prestes a morrer? A prisão de Lula foi o divisor de águas? Por mais que ache a briga visceral do Brasil consigo mesmo desesperadora, não acredito nessas teses rasas. Há imensas dificuldades no Brasil, nossas instituições estão meio cambaleantes. Contudo, a vida segue. Se a prisão de Lula revelou algo sobre a população brasileira em geral, não sobre a militância de qualquer lado do espectro ideológico, esse algo foi que um cidadão que foi presidente da República e condenado por atos de corrupção teve a sua disposição os melhores advogados e a capacidade de recorrer a todas as instâncias cabíveis da Justiça. É óbvio que seria maravilhoso se todos os outros políticos ainda soltos por aí e protegidos pela excrescência do foro privilegiado estivessem também sendo apanhados. Vale lembrar que Lula está preso numa sala especial na sede da Polícia Federal de Curitiba. Sala, não cela. Quantos brasileiros pobres, quantos brasileiros pobres que cometeram crimes menores, podem dizer o mesmo? Afirmar de forma generalizada que as elites perseguem Lula é uma afronta à inteligência diante dessa constatação.
Ódio de classe. Essa expressão que ouvi no discurso de Lula e da boca de boa parte da esquerda brasileira — gente que pertence à elite — é das coisas mais antiquadas e bobocas que ainda se dizem com fúria nos olhos e sentimento de justiça nas mãos.
Há ódio de classes? Mas é claro que há gente com pensamento torpe, como em qualquer lugar.
Mas, se essa vai ser a estratégia da esquerda brasileira para ganhar corações, penso que ela vai rapidamente dar de cara com o paredão dos anos 1960. Esse discurso é velho, gasto e não representa boa parte da classe média brasileira, que tanto mudou nos últimos 20 anos. Se a esquerda brasileira quiser enfrentar a ameaça do conservadorismo tosco de direita e suas inclinações autoritárias, não será por meio desses chavões que haverá de fazê-lo.
Como já escrevi neste espaço, é preciso defender as liberdades individuais conquistadas e expandi-las. Não há lugar para discurso homofóbico ou para outro chavão anos 1960, o da “moral e dos bons costumes”, associado à direita ressurgente. Há muito o que fazer para avançar na igualdade de gêneros e raças, para não falar de renda. A pauta progressista é vasta, mas não será alcançada por uma esquerda encapsulada no tempo, presa aos gritos de luta de outrora. Um dia Lula representou a esperança de renovação da esquerda brasileira. Deixou essa oportunidade escapar. Está na hora de parar de subir em palanque de quem não merece honrarias e pensar para onde se vai. A democracia brasileira sobreviverá com mais equilíbrio e menos panfleto de ambos os lados.
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