O PENSAMENTO DE UM BEÓCIO BOSSAL-19 perguntas para FHC O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de 86 anos, prega o novo na política, mas diz que isso não significa optar por alguém de fora do jogo. “O outsider quebra a cara”

POLÍTICA

19 perguntas para FHC

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de 86 anos, prega o novo na política, mas diz que isso não significa optar por alguém de fora do jogo. “O outsider quebra a cara”

DANIELA PINHEIRO E PLÍNIO FRAGA
20/04/2018 - 12h26 - Atualizado 20/04/2018 12h28
Fernando Henrique Cardoso lança livro com ensaios sobre a política e o Brasil, no qual tece críticas a adversários e faz limitada autocrítica (Foto: ANDRÉ COELHO / AGÊNCIA O GLOBO)
Participante ativo no jogo político, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso analisa como fragmentadas as eleições presidenciais que se aproximam. Afirma que o brasileiro quer emprego, dignidade e segurança. Sugere que o vencedor será aquele que conseguir reencantar o eleitor com a política, mas concorda: “Risco autoritário sempre existe”.
1. O senhor está otimista em relação ao Brasil e à política?
É preciso manter o otimismo, porque, se ficar só na crise, no ceticismo, não vai para a frente. Tem de abrir o caminho. Existem razões para ter preocupações, mas fizemos muita coisa. Somos 210 milhões de pessoas. É uma responsabilidade imensa. Os líderes têm de sentir isso na alma deles. Não pode deixar evaporar o que já se fez. Não foi fácil construir a democracia. Não foi fácil a luta para reduzir o subdesenvolvimento. Isso tudo custou e custa. Tem de revalorizar isso.
2. Por que Luciano Huck seria o novo que o senhor prega?
Dizem os jornais que eu lancei vários candidatos. A sociedade brasileira é que está querendo ver se sai alguma coisa nova no jornal. Tenho apoiado tudo o que me parece ter germe de coisa nova. E, sobretudo, gente mais nova entrando na política, acho bom. Acho que os movimentos são muito importantes, os valores são muito importantes. Agora, tem de ter um caminho. Tem de organizar isso, tem de ter instituições e lideranças convictas.
3. O que é o novo exatamente?
O novo não é uma pessoa. O novo são movimentos que ocorrem na sociedade. Para mim, o que está por trás disso, em minha visão, é o seguinte: para citar Hobsbawm, estamos no início de uma nova era e isso implica muitas mudanças. Em termos mais simples, estamos no seio da globalização, que é a expressão de uma coisa diferente do que acontecia no sistema produtivo até recentemente. Existia o capitalismo, que passou a ser o modo predominante de organização da produção, mesmo nos países que formalmente são socialistas, como a China. Essa organização na fase anterior tinha uma característica chamada imperialismo, na qual existia o papel central dos Estados, que levavam as políticas adiante no conjunto do capitalismo. Com a globalização, as empresas passaram a ter uma proeminência maior. Dependendo do momento, não dispensam o Estado, mas elas se articulam e articulam entre elas. Quanto menor o Estado, para elas, melhor. Existem os efeitos disso tudo que está ocorrendo, mudando a cultura e as formas de interação social. A mesma tecnologia que levou à reorganização da produção do mundo está levando à reorganização das novas tecnologias de comunicação. Isso é globalização. Existe uma revolução tecnológica de comunicação, de transporte, em que há robôs na produção. Isso levou à integração das economias de maneira global, e as pessoas também mudaram suas aspirações. Você se conecta diretamente com uma instituição ou com um partido, até com outra nação. Dependendo da capacidade de compreensão de uma outra língua, é possível pular a nação. Isso tem efeitos. Quando existem crises da democracia, não é só no Brasil. É a democracia representativa.
4. Durante a polêmica em torno da candidatura do Luciano Huck, muitos correligionários disseram que o senhor estava senil. Para um intelectual, ser julgado dessa maneira significa o quê?
Isso não me afeta. Para mim, é o seguinte: o Geraldo Alckmin nunca entrou nisso. Acho bom que o PSDB e todos os demais partidos sejam desafiados. Agora, o Luciano veio ou não veio, não por minha razão. Não tem nada a ver com o assunto. Acho racionalmente que não tinha como ele se meter nesta confusão. E é o que eu disse há pouco: as estruturas existem, os partidos existem e vão continuar. É preciso tentar abrir, mas não desprezá-los. E também não acho que se possa governar sem ter noção dos desafios que é governar. Nós tivemos algumas poucas experiências assim. Como é que você consegue governar nesta nossa situação em que os partidos são frágeis? Tem de entender primeiro como funciona o Congresso.
5. O novo não é um outsider?
Não é um outsider. Quando eles são outsiders, eles quebram a cara.
6. E o João Doria (candidato tucano ao governo de SP)?
Não sei. Não conheço. Não sei se é outsider. Mas tem de conhecer o Congresso. Tem de conhecer se possível a máquina pública, as grandes instituições do Estado. O Itamaraty, as Forças Armadas, a Receita Federal. Enfim, como isso funciona. E, sobretudo, tem de ter capacidade de falar com a nação. O que é democracia. Como é que você faz funcionar o jogo do poder em uma democracia se você não tem gente...
7. O senhor cita a necessidade de reencantar as pessoas com a política, mas o discurso de Geraldo Alckmin (pré-candidato tucano à Presidência) é tecnocrático e chato.
O Alckmin conhece a máquina, foi parlamentar, tem experiência no funcionamento das instituições. Ele foi eleito várias vezes. Ninguém é eleito se você não consegue falar e tocar em alguém. As pessoas são eleitas com características diferentes. Eu não fui eleito, em primeiro turno, duas vezes contra o Lula? Fui. E diziam que eu era intelectual, falava melhor língua estrangeira que o português, pertencia à elite, rico — o que é mentira, infelizmente. E ganhei. Você acha que alguém ganha se não tocar as pessoas? Ganhei porque fiz o (Plano) Real.
8. Qual sua opinião sobre Jair Bolsonaro (pré-candidato à Presidência pelo PSC)?
O que as pessoas querem? Nas circunstâncias, emprego. Além disso, as pessoas têm medo da violência. Querem emprego e querem segurança. Querem a dignidade delas, querem respeito de cada um. Não é geral, mas tem cada vez mais a possibilidade de exigir mais seu direito como pessoa. E você tem de demonstrar isso a essas pessoas, tratá-las como pessoas e fazer com que se sintam partícipes das coisas.
“As pessoas querem emprego e querem segurança. Querem dignidade”, afirmou FHC (Foto: ANDRÉ COELHO / AGÊNCIA O GLOBO)
9. Bolsonaro não pode incorporar os anseios desse cidadão preocupado com a segurança pública?
Depende do outro. Política sempre depende do outro. Com sinceridade, não sei o que o Bolsonaro vai dizer. Eu só ouço dele coisa de “mata”, “ordem”. Não sei se isso vai pegar dessa maneira. Na política, é um erro menosprezar o adversário. Não estou dizendo que vai ser fácil. Vai ser uma eleição fragmentada. Os partidos estão fragmentados, e a sociedade está fragmentada. E há problemas que me preocupam, que são as diferenças muito pronunciadas de regiões no Brasil. Isso não é bom.
10. O que querem os militares?
Os militares querem que nos entendamos. Querem que os políticos deem rumo ao país. É isso o que eles querem.
11. Não querem poder?
Não.
12. Na sociedade moderna em rede, que o senhor cita no novo livro, Crise e reinvenção da política no Brasil, um regime autoritário é impensável?
Não acho impensável, não. Depende de nossa capacidade ou de nossa incapacidade de dar solução aos problemas da população. É isso que eu disse aqui. A população quer essas coisas e, para isso, tem de sentir que tem rumo.
13. Existe risco autoritário?
É claro que existe. Sempre existiu. Você acha que o Trump não é um risco autoritário?
14. O culto ao juiz Sergio Moro não é uma anomalia ou debilidade de nossa democracia?
Não é uma debilidade. É um sintoma de que a sociedade está gostando desse tipo de ação. Mas, ao mesmo tempo, há uma idealização que é de nossa cultura, personalizar demais. O Moro não está se empolgando. O Moro não opina sobre outras coisas. Depende do processo. Pegue como exemplo o Lula. Ele tem uma capacidade forte de liderança e que aprendeu na marcha.
15. Como o senhor interpretou os momentos anteriores à prisão de Lula?
Ele fez o máximo das circunstâncias. Ele transformou um crime comum em uma perseguição política. É um ponto importante da sociedade brasileira. Existem exageros, como prisão provisória por muito tempo. Tem exagero, mas que foi importante, foi. Simbolicamente, colocou gente importante e poderosa na cadeia. Não gosto de ver fulano que eu conheço na cadeia, mas é importante que a justiça seja feita também. Olha, até hoje vale o que o Montesquieu disse: “O que vale é peso e contrapeso”.
16. Muitos reclamam de que nenhum tucano foi preso.
Minha resposta é que não há nenhum tucano no poder.
17. Por que a narrativa de golpe funcionou lá fora?
É curioso, o procedimento foi igual ao do Collor. Mesma coisa.
18. Em que sentido?
Em relação ao rito. Há uma predisposição em alguns setores do mundo a achar... Porque o Lula fez coisas a favor da população.
19. E há o olhar das grandes potências para a “república das bananas” achando que...
Claro. Eu não tenho dúvidas disso. Na Europa, é o bom selvagem. Isso é da vida. É assim. E tem também o fato de que há um sentimento de injustiça, porque ela existe. A desigualdade no Brasil é muita, e isso tem de ser devidamente considerado na palavra e na ação. Qual é o jogo de poder? O que eu tentei fazer? Não sou neoliberal. Nunca fui. Se for olhar na realidade, o aumento de salário mínimo real dado em meu período e o do Lula foram a mesma coisa. Mesma porcentagem, 19%, 20%. A redistribuição de terra foi a mesma coisa ou mais. A política não roda em função de dados, roda em função de discurso. O discurso qual era? “Não está fazendo nada de cunho social, e sim econômico.” Eu quis criar o real e foram contra na época. Chamei todos, inclusive o Lula, para dizer que iria dar certo. Mas na época me tachavam de neoliberal, dizendo que só olho para o mercado, e o outro só olha para o social. Só servem aos poderosos, o que não é verdade. Agora, é o jogo político. Como você se contrapõe a isso? Tem de falar. O PSDB não defendia com energia. Tinha dúvidas sobre o que estava fazendo.

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