O habeas corpus de Lula no STF e a batalha pela narrativa digital





POLÍTICA


O habeas corpus de Lula no STF e a batalha pela narrativa digital

Onde tem crise tem notícia falsa. E, durante o julgamento televisionado do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Supremo Tribunal Federal (STF), não foi diferente
CRISTINA TARDÁGUILA - DIRETORA DA AGÊNCIA LUPA
05/04/2018 - 15h01 - Atualizado 05/04/2018 15h26
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Supremo Tribunal Federal julga pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

Entre as 19h da última terça-feira (3) e as 2h da madrugada de hoje (5), quem acessasse ferramentas de monitoramento de redes como o CrowdTangle, mantido pelo Facebook, e o BuzzSumo dava de cara com uma espantosa disputa de narrativa travada em bites, na internet. Via também a inegável preponderância dos conteúdos de qualidade questionável e o apelo emocional que eles carregam.

Minutos depois de o general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército Brasileiro, registrar numa série de tuítes seu desejo de ver um Brasil livre da impunidade, movimento entendido por alguns como uma forma de pressionar o STF a se posicionar contra Lula, a informação de que o governo federal já admitia a declaração de estado de sítio viralizou. Ganhou proporções espantosas no universo digital.

Postada numa página pouco (ou nada) conhecida, um site com pobre diagramação visual em verde e amarelo, a notícia resumia-se à cópia de um texto histórico que havia sido publicado pelo jornal Folha de S.Paulo em memória do que ocorrera no Brasil há 50 anos, em abril de 1968. Quem, antes de clicar no frenético botão de compartilhamento das redes, parasse para ler o texto em detalhes descobriria, por exemplo, que, nele, o presidente citado não era Michel Temer, mas Arthur da Costa e Silva - morto em 1969. Veria que, em meio a oito banners publicitários piscantes, não havia nenhuma referência à história brasileira e que, na verdade, aquele post não passava de um caça-clique. Buscava enganar o leitor e, ao mesmo tempo, levar pânico à população. Tudo isso, faturando alto com publicidade online.


Em poucas horas, no entanto, quase 2 mil pessoas interagiram com essa postagem no Facebook. Curtiram, compartilharam, comentaram, acreditaram. Fazendo com que ela aparecesse para os checadores de fatos como uma das primeiras no ranking das mais lidas naquela noite. Ganhava de muito, por exemplo, de publicações feitas na mesma rede social, sobre o mesmo assunto, por consolidados portais de notícia, jornais de renome ou notórios programas de televisão. Sinal de que, em momentos de crise, nem sempre o jornalismo profissional prevalece.

Poucas horas antes de a ministra Carmen Lúcia, presidente do STF, abrir a sessão plenária em que a Corte decidiu negar o habeas corpus de Lula, outra postagem de conteúdo falso ganhou fôlego. Dessa vez, um vídeo.

Na gravação, um homem aparecia criticando o ex-presidente com virulência: “traidor do peão não merece perdão”. O vídeo havia sido apropriado por outro site, igualmente desconhecido e igualmente repleto de banners publicitários, que decidiu fazer uma manchete ligando o indivíduo à Central Única dos Trabalhadores (CUT). De acordo com a postagem, que sugeria um rompimento dos movimentos sindicais com o ex-presidente condenado, o homem seria um “líder da CUT em SP”. Mas não era. O vídeo havia sido cortado, editado. Ficou de fora da versão que viralizou a parte em que o manifestante se apresenta como representante do Movimento Negação da Negação, um grupo de esquerda radical anti-petista e opositor da CUT. Ao editar a gravação e mudar seu sentido, os autores conseguiram adesão surpreendente. O post teve mais de 340 interações no Facebook em minutos e passou a ser alvo dos mecanismos de checagem.

Os defensores do ex-presidente Lula também não ficaram atrás na produção de notícias truncadas. Na disputa pela narrativa, ao questionar os votos do Supremo, um site alinhado à esquerda escreveu o seguinte: “Por 30 anos, a prisão foi só após a 4ª instância. Isso mudou 15 dias após Lula virar réu”. Não era verdade. A execução de penas após condenação em segunda instância foi debatida, votada e aprovada, por 7 votos a 4, pelo Supremo Tribunal Federal em 17 de fevereiro de 2016. Lula foi denunciado pela primeira vez pelo Ministério Público Federal em 14 de setembro do mesmo ano e se tornou réu no dia 20 daquele mês. Ou seja, sete meses depois da decisão do STF. Mas as 2,1 mil pessoas que compartilharam essa postagem no Facebook não lembraram de checar o dado. Espalharam informação truncada aos quatro ventos e contribuíram para a desinformação.
A ministra Carmem Lúcia durante julgamento do pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula (José Cruz/Agência Brasil) (Foto: José Cruz/ Agência Brasil)

O Brasil está a quatro meses do início da campanha eleitoral. Como se não bastasse o conturbado cenário político e o andamento da Operação Lava Jato, padece de meios eficazes para fazer frente às notícias falsas. No Congresso, tramitam hoje ao menos oito projetos de lei que buscam criminalizar a produção e disseminação desse conteúdo. Não se sabe se eles serão analisados e aprovados a tempo das eleições - nem mesmo se o melhor caminho para esse combate é a criação de novas leis.

Do outro lado do planeta, na Malásia, uma norma que criminaliza as notícias falsas acaba de ser aprovada pelo Legislativo, estabelecendo que quem publica ou compartilha esse tipo de conteúdo pode pegar até seis anos de prisão. A oposição grita alto. Diz que a definição de 'fake news' adotada pela lei - “qualquer notícia, informação, dado ou relatório que seja parcial ou totalmente falso, seja na forma de texto ou audiovisual” - é vaga demais e pode afetar de maneira indelével a liberdade de expressão. A Malásia, vale dizer, também terá eleições este ano. E, como o Brasil, busca ferramentas para enfrentar a desinformação.

Fato é que, hoje em dia o fact-checking, ou seja, a checagem de declarações como as que circularam nas últimas horas tem sido a única resposta às notícias falsas, mas não pode ser o único caminho.

Durante as mais de 10 horas de transmissão do julgamento no Supremo, foram identificadas centenas de informações potencialmente falsas, exageradas e contraditórias. Dezenas de imagens, vídeos e memes suspeitos. Nenhuma equipe de jornalistas - ou mesmo a soma de equipes - seria capaz de analisar uma a uma delas e entregar uma conclusão imediata e correta sobre seu grau de veracidade. O combate à notícia falsa deve ser tarefa não só da imprensa, de governo e/ou de legisladores. É obrigação de cada um. E para se alistar para esse confronto, basta estar disposto a duvidar, a pensar duas vezes, hesitar. A informação é de hoje? Você conhece o autor? Há algo estranho nessa URL ou nesse site? Essa imagem ou vídeo poderiam ter sido manipulados? Basta dessa mania do “na dúvida, compartilhei”. Se quando o cidadão vai às compras ele costuma pedir referências sobre o produto que pretende adquirir, por que não age da mesma forma quando o produto a ser consumido é a informação? Chega de comprar a veracidade das notícias sem pensar duas vezes. Outubro está aí.

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