O carma do futebol-arte: o legado que a seleção de 1970 deixa para o Brasil de Tite

O carma do futebol-arte: o legado que a seleção de 1970 deixa para o Brasil de Tite

Jogar bonito ou vencer? ÉPOCA compilou como o escrete fez os gols nas últimas Copas para descobrir qual equipe se aproximou mais do jogo idealizado pelo torcedor

LEONARDO MIRANDA COM RODRIGO CAPELO
25/04/2018 - 11h31 - Atualizado 25/04/2018 13h21
Tostão, o craque campeão de 1970, simbolizava aplicação tática e qualidade técnica (Foto: POPPERFOTO/GETTY IMAGES)
O lateral Roberto Carlos desce do ônibus a balançar um chocalho. Ronaldinho Gaúcho surge em seguida tocando um pandeiro. Os jogadores rumam para o vestiário, onde, enquanto vestem o uniforme amarelo e azul da Seleção Brasileira, tocam samba e fazem embaixadinhas e malabarismos com uma bola. As cenas — que repetem os mais manjados clichês sobre o Brasil, seus jogadores e seu futebol — faziam parte de uma propaganda da Nike, cuja campanha lançada às vésperas da Copa do Mundo de 2006 sintetizava aquilo que o torcedor queria ver do Brasil em campo: drible, jogo ofensivo e futebol esteticamente agradável.
Era mais uma das encarnações do mito do futebol-arte, que persegue o Brasil há mais de 50 anos e ressuscita a cada quatro anos. É a ideia de que o Brasil deve jogar bonito e vencer por ter um time cheio de talentos, de foras de série, por natureza muito melhores que todos os seus concorrentes. Tal ideal nasceu no bicampeonato nas Copas de 1958 e 1962 e foi realizado em sua plenitude pela Seleção Brasileira que venceu a Copa de 1970, o time treinado por Mário Jorge Lobo Zagallo, com Pelé, Tostão, Rivellino, Gérson, Carlos Alberto Torres, Jairzinho. Como várias antes, a equipe que desceu do ônibus sambando no comercial de 2006 carregava a esperança de reeditar o tal futebol bonito e eficiente por ter Kaká, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e Adriano, alguns dos maiores jogadores naquele momento. Mas, como várias outras, ficou no quase — ou melhor, numa derrota para a França. Nas duas Copas seguintes, o triângulo formado pela Seleção, pela torcida e pelo jogo bonito foi substituído pela desconfiança. A dúvida persiste em relação à Seleção que, em dois meses, disputará a Copa de 2018: será esse time capaz de jogar bonito e vencer?
Na tentativa de dar base objetiva para que se avalie a estética da Seleção Brasileira — mesmo que tal quantificação nunca chegue a ser conclusiva —, ÉPOCA compilou as jogadas que originaram os gols feitos pelo Brasil nas Copas de 2002 a 2014. As possibilidades são variadas. Há times que avançam da defesa para o ataque com troca de passes, que constroem jogadas. Há equipes que priorizam rápidos contra-ataques, outras que roubam a bola de adversários no ataque para um contragolpe mais rápido. E há a bola parada, seja falta, escanteio ou pênalti. São meios distintos para o mesmo fim: o gol. A análise também leva em conta o resultado obtido, claro. Isso para tentar definir, entre as seleções mais recentes, qual delas ao menos se aproximou do futebol vistoso e vencedor.
MEIO-CAMPO OS NÚMEROS DA SELEÇÃO BRASILEIRA (Foto: CLIVE ROSE/GETTY IMAGES | BUDA MENDES/GETTY IMAGES | RICHARD HEATHCOTE/GETTY IMAGES | ALEXANDER RUESCHE/EFE | IVO GONZALEZ/AGÊNCIA O GLOBO)
A resposta é fácil: a de 2002. A Seleção treinada por Luiz Felipe Scolari tinha boa parte do que o torcedor quer ver em campo. As jogadas ofensivas se concentravam na construção, responsável por quase metade dos gols marcados, mas o arsenal contava também com recursos como as bolas paradas de Roberto Carlos e Ronaldinho Gaúcho, a roubada de bola no campo adversário e o contra-ataque vindo de trás. Felipão equilibrou a defesa com três zagueiros e o volante Gilberto Silva e liberou os homens do meio para a frente, talentosos, para que atacassem à vontade. Cafu pela direita e Roberto Carlos pela esquerda serviam o ataque dos “três erres” — Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo. A Seleção construía suas jogadas pelos flancos, e, se a beleza não desse resultado, Felipão tinha armas para o segundo tempo, como Juninho Paulista e Denílson, ambos habilidosos e rápidos para incrementar o gracejo da Seleção. O final é conhecido: Cafu, com sua camisa “100% Jardim Irene”, levantou a taça.
A Seleção de 2018 ainda não tem as jogadas de uma Copa para comparação, por isso a base aqui são as últimas partidas das Eliminatórias e seus amistosos mais recentes, com exceção do 4 a 0 na Austrália e do 1 a 0 na Colômbia, nos quais apenas reservas atuaram. O que os números mostram é que o Brasil de Tite é uma equipe que respeita a forma de jogo que o brasileiro aprecia — quase metade dos gols é oriunda da construção. Contra o Paraguai, pelas Eliminatórias, Philippe Coutinho pegou a bola pela direita, virou-se para o meio e tabelou com Paulinho; os marcadores foram com Paulinho, o que abriu um espaço na defesa; Paulinho devolveu de calcanhar, e Coutinho chutou da entrada da área para marcar.
Na falta de jogadas assim, o time também tem artifícios para garantir resultados, como bolas paradas. O escanteio curto que termina na cabeça do zagueiro Miranda, no gol contra a Rússia, é um exemplo recorrente. O time de Tite ainda tem o pragmatismo necessário para que contra-ataques vindos desde a defesa funcionem, responsáveis por um quinto dos gols. Até agora, o time mostrou ter capacidade de construir jogadas e de ter uma diversidade de recursos ofensivos.
Cafu levanta a taça da Copa de 2002. Aquela seleção foi a que mais se aproximou do ideal: jogar bonito e vencer (Foto: Getty Images)
Ainda é notável que o time tenha sido montado em cima de premissas novas para o contexto da Seleção. Os três técnicos anteriores em Copas — Felipão, Carlos Alberto Parreira e Dunga — adaptaram seus esquemas táticos e propostas ofensivas aos talentos de que dispunham. Tite inverteu a lógica. Fez com que a Seleção adotasse o sistema 4-1-4-1, que o consagrou no Corinthians, e buscou acomodar os jogadores a essa forma de jogo. A equipe de Tite tem ferramentas de ataque parecidas com as corintianas: triangulações, subidas pelos flancos nas quais laterais e pontas se apoiam e a “iniciação sustentada”, termo empolado usado pela comissão técnica quando os dois zagueiros têm o apoio de pelo menos um lateral na saída de bola. Tudo isso estava no Corinthians mais recente, que ganhou o Brasileirão de 2015 sob o comando do técnico. Também estavam as duas linhas da defesa e do meio-campo e a participação de um volante marcador — Ralf no Corinthians, Casemiro na Seleção. Tite ganhou tudo o que podia até a classificação para a Copa de 2018 e, se vencer, pela maneira como joga, pode dar ao brasileiro a satisfação que busca: futebol agradável esteticamente, encorpado por Neymar, atrelado a bons resultados.
A relação entre a Seleção Brasileira e o mito chamado “futebol-arte”, que o time de Tite em algum momento terá de carregar, dura mais de 50 anos. É um carma colocado nos ombros brasileiros após as vitórias nas Copas de 1958 e 1962, quando Pelé e Garrincha abrilhantaram as campanhas vencedoras com jogadas estonteantes. Criou-se ali a imagem do “malandro disciplinado”, cujos dribles e jogadas inesperadas resolviam partidas num cenário em que todos os times buscavam atacar e a marcação era menos cerrada.
Houve um abalo na edição seguinte, em 1966, quando o Brasil caiu na primeira fase. A Inglaterra foi campeã mundial com um futebol que jogava, mas não deixava jogar. Diante da revolução dos ingleses, baseada num jogo de marcação vigorosa, que ficou conhecido como “futebol força”, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) tentou vários técnicos. Sem sucesso. Nenhum dava jeito na Seleção. Até que o homem certo apareceu a três meses do início da Copa de 1970: Mário Jorge Lobo Zagallo.
Zagallo fez ajustes no jogo da Seleção para que a genialidade de Pelé, Tostão e tantos outros formasse uma equipe coesa. Clodoaldo e Everaldo eram tidos como tecnicamente inferiores a Edu e Piazza, mas jogaram como titulares por uma razão: sacrificavam-se defensivamente e sustentavam o jogo ofensivo. No ataque, uma adaptação. Tostão jogava como meia-atacante numa faixa de campo distante dos tradicionais centroavantes. Aliás, não havia a figura do artilheiro parado no ataque. Mais fluida e veloz, a Seleção encantou. Campeã do mundo pela terceira vez, projetou ao torcedor a imagem daquilo que todo time deveria buscar: passes rápidos, jogadas individuais e resultados. A Seleção de 1970 encorpou as de 1958 e 1962 e venceu.
Mario Jorge Lobo Zagallo. O técnico das Copas de 1970, 1974 e 1998 deixou um legado no imaginário do torcedor (Foto: Getty Images)
O Brasil de 1970 tinha, além de Pelé e Tostão, ambos craques de seus respectivos Santos e Cruzeiro, a participação em campo de Gerson, Rivellino e Jairzinho, ídolos, na mesma ordem, de São Paulo, Corinthians e Botafogo. Todos envergando a camisa “10” em seus clubes. Fincava-se no imaginário popular a premissa dos “cinco camisas dez”.
O raciocínio cobrou seu preço nas Copas que não atenderam a essa expectativa, sobretudo naquela em que a derrota minguou o “Joga Bonito” que a Nike propagandeou em 2006. O técnico Parreira tinha talento de sobra à disposição: Kaká e Ronaldinho no meio-campo, Adriano e Ronaldo no ataque. O “quadrado mágico” — outro chavão — tentou elevar a ofensividade a uma nova potência. A Seleção tinha a posse da bola e ia para o ataque pelo chão, tanto que 70% dos gols saíram de jogadas construídas, mais do que qualquer outra equipe recente, o que justificava a expectativa. Mas, apesar do talento, Ronaldo e Adriano estavam visivelmente fora de forma; Ronaldinho Gaúcho atingira o auge do desempenho semanas antes, nas finais da Champions League, e não repetia as atuações inesquecíveis pelo Barcelona; apenas Kaká jogava bem. A lentidão ficou evidente nas quartas de final, quando, contra a França, um contra-ataque fulminou a expectativa brasileira de chegar ao hexacampeonato. O meião desajeitado de Roberto Carlos é a simplificação de um jeito de jogar que desagradou ao torcedor.
A Seleção de 2010 ficou marcada pela postura carrancuda de seu técnico, Dunga, e pelo apreço pela velocidade. As jogadas construídas desde a defesa continuaram a ser maioria, mas o contra-ataque rápido apareceu como opção e respondeu por 22% dos gols feitos na Copa. O azar de Dunga é que os jogadores à disposição não eram Rivaldos, nem Ronaldos. Tanto que o ataque brasileiro foi encabeçado por Luís Fabiano, que nunca teve características que justificassem uma expectativa por futebol bonito.
A versão de 2014 é a mais trágica — não só porque a Seleção perdeu de 7 a 1 para a Alemanha, mas por ter jogado um futebol que contradiz o histórico do país. Dessa vez, Felipão mirou mais na necessidade de vitória em casa e, sem laterais velozes e meias que soubessem construir jogadas, apostou num coletivo que priorizava a roubada de bola no campo adversário e a bola parada. Oscar, esperança na armação, virou ladrão de bolas. Zagueiros, David Luiz e Thiago Silva viraram artilheiros. Pode-se ponderar que Felipão pensou o jogo a partir das peças que tinha em mãos. Entre seus meio-campistas, só Hernanes tinha alguma aptidão para a troca de passes aguçada no ataque. Mas não há como negar que a ausência de um futebol identificado com a estética brasileira, ainda que o ataque tivesse a imprevisibilidade de Neymar, contribuiu para que a Seleção de 2014 fosse aquela que não tinha nada do que o torcedor quer: nem arte, nem taça.

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