Análise: Câmara transforma notícia falsa em assunto ‘urgente urgentíssimo’

POLÍTICA

Análise: Câmara transforma notícia falsa em assunto ‘urgente urgentíssimo’

Sem definir o que são fake news, qualquer tentativa de legislar sobre o assunto não passará de show eleitoral

CRISTINA TARDÁGUILA*
16/04/2018 - 11h53 - Atualizado 16/04/2018 18h38
O deputado federal Jovair Arantes (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Na última terça-feira (10), o deputado Jovair Arantes (PTB-GO) foi à Câmara dos Deputados e protocolou um pedido expresso. Queria que o Projeto de Lei 6.812/2017, que transforma em crime a divulgação ou o compartilhamento de informação falsa ou incompleta na internet, passasse a tramitar em regime de “urgência urgentíssima”. Coisa rara neste país.
Previsto no Artigo 155 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, esse tipo de tramitação costuma ser aplicado a temas extremamente delicados e que precisam ser analisados pelo Congresso de forma supercélere. Trata-se de “um mecanismo de deliberação instantânea de matéria considerada de relevante e inadiável interesse nacional”. Na manhã desta segunda-feira (16), estavam nessa categoria apenas 24 do mais de 500 projetos que já foram protocolados na Câmara em 2018. Entre eles, um PL que busca descentralizar o ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (SUS) e um que pretende obrigar as operadoras de planos de saúde a conceder descontos a beneficiários que utilizam com pouca frequência os serviços contratados.
Mas, a exatos quatro meses do início da campanha eleitoral, notícia falsa passou a ser um tema de “urgência urgentíssima” no Brasil. O problema? Que nem mesmo o PL 6.812, de autoria do tucano Luiz Carlos Hauly, define o que diabos são “notícias falsas”.
Em apenas duas páginas, o Projeto de Lei sugere que a divulgação ou compartilhamento de informações inverídicas derive em prisão por um período entre dois e oito meses, assim como no pagamento de até 4 mil dias-multa. Em seguida, justifica a rigidez da proposta: “Atos desta natureza causam sérios prejuízos, muitas vezes irreparáveis, tanto para pessoas físicas ou jurídicas, as quais não têm garantido o direito de defesa sobre os fatos falsamente divulgados”. Mas, de novo, nem esse projeto de Hauly nem os outros nove que foram a ele apensados por tratarem de temas semelhantes definem “notícias falsas”. Como seria então sua efetiva aplicação?
Na mesma terça-feira em que notícia falsa virou tema de urgência urgentíssima em Brasília, nos Estados Unidos, o criador do Facebook, Mark Zuckerberg, foi depor no Senado. Buscava aplainar os ânimos do mundo, semanas depois de ter vindo à tona o escândalo da Cambridge Analytica, empresa que acessou dados de 87 milhões de usuários da rede social e os usou nas estratégias de campanha do hoje presidente dos EUA, Donald Trump.
E, enquanto Zuckerberg falava, plataformas de fact-checking arregaçaram as mangas e foram checar a veracidade de suas falas. E o que acontece quando checadores voltam sua atenção para um discurso? Bem. Eles detectam contradições, exageros e — por que não? — mentiras.
“Quando exatamente o Facebook soube que os russos tinham forte influência no que se lia nessa rede social?”, perguntaram os senadores a um Zuckerberg de terno e gravata e bochechas levemente coradas. “Perto das eleições de 2016”, respondeu o empresário. Ou seja, próximo a novembro daquele ano, disse ele. O New York Times não gostou. Flagrou ali uma contradição. Há meses o Facebook sustenta publicamente que a empresa só soube da ação dos russos na rede social no verão setentrional de 2017 — meses mais tarde.
Naquele dia, Zuckerberg também afirmou que, em 2014, o Facebook havia feito mudanças em seus sistemas para prevenir que casos como o da Cambridge Analytica não pudessem se repetir. Mas os checadores foram a suas bases de dados e cravaram: as modificações a que Zuckerberg se referia só entraram em funcionamento efetivo em 2015. Era mais um drible dos fatos.
Os checadores de plantão alertaram, por fim, sobre o fato de que Zuckerberg ofuscou a verdade ao falar sobre a relação entre seu Facebook e a Cambridge Analytica. No Senado, ele disse que a empresa não usava os serviços de sua rede social em 2015, mas diversos ex-funcionários da Analytica foram entrevistados pelo NYTimes e garantiram que o uso da plataforma ocorria, sim, desde 2014. Ficou feio.
E vem daí a importância de definir o que são notícias falsas. As três informações deturpadas flagradas pelos checadores nas falas do criador do Facebook se enquadrariam nesse conceito? Por que sim? Por que não? Sem esse tipo de definição, qualquer tentativa de legislar sobre o assunto — mais ainda de prender um indivíduo por essa razão — não passa de um show para eleitor ver. Algo de que o Brasil definitivamente não precisa.
* Cristina Tardáguila é diretora da Agência Lupa

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