Steven Pinker: “O que importa é a pobreza, não a desigualdade”
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Steven Pinker: “O que importa é a pobreza, não a desigualdade”
O psicólogo e cientista cognitivo defende que os ricos tenham menos influência na sociedade
JP O’MALLEY, DA NEW HUMANIST (TRADUÇÃO MARIA FERNANDA CAVALLARI)
18/03/2018 - 10h00 - Atualizado 18/03/2018 10h00
Ocanadense Steven Pinker publicou vários livros de sucesso, principalmente sobre linguagem e a mente. O mais recente éEnlightenment now: the case for reason, science, humanism, and progress (Iluminismo agora: em defesa da razão, da ciência, do humanismo e do progresso, em tradução livre). A seguir, suas reflexões sobre o tema.
Ansiedade é um preço pequeno a pagar pelo progresso? Sabemos que, quando assumimos as responsabilidades da vida adulta, podemos ficar mais ansiosos. Existem algumas evidências, por exemplo, mostrando ter havido um aumento da ansiedade dos americanos dos anos 1950 aos 1990. Parte dessa ansiedade, porém, vem de questões com as quais seus antepassados eram complacentes, como poluição, guerra, desigualdade e pobreza. Quando começamos a assumir o fardo da maturidade da espécie como um todo, não espanta que isso venha com certa dose de ansiedade.
Por que você afirma que as pessoas dão ênfase demais à desigualdade econômica na sociedade? Apesar de toda a obsessão com desigualdade ao longo da última década, ela não é uma dimensão fundamental do bem-estar humano. Se Bill Gates tem uma casa 30 vezes maior que a minha, isso não afeta como eu vivo minha vida, a menos que se suponha que exista um pote de dinheiro fixo e que, quanto mais algumas pessoas têm, menos as outras terão. O que importa moralmente não é a desigualdade, mas a pobreza: quanto as pessoas estão bem na camada de baixo. Se a pessoa pode ver o filho sobreviver, se pode tirar férias ou experimentar a cultura do mundo, se está adaptada adequadamente, esses são os bens primários do mundo. Mas fazer isso no mesmo (nível) que outra pessoa, na verdade, é secundário.
Certamente a desigualdade envolve outros problemas. Sim. A pobreza é um. O outro é injustiça. Nas sociedades em que há desigualdade, a riqueza tem muito poder político. Mas o problema é, na verdade, manter a integridade do sistema democrático e evitar que os ricos tenham muita influência.
Você sustenta que há mais recursos naturais disponíveis no mundo hoje do que em 1960. Muito do pânico ambiental dos últimos 50 anos vem de um modelo mental em que as pessoas acham que existe uma massa de recursos que nós desenterramos em um ritmo constante e que, em algum momento, vamos arrancar o último pedaço. Isso não aconteceu com o petróleo, o que mais provocou pânico. Conforme os depósitos mais fáceis de um recurso vão sendo explorados, fica cada vez mais caro explorar o resto. Economias se adaptam à disponibilidade e à escassez de recursos. É por isso que os recursos não se esgotam.
Sociedades precisam de mais que recursos? As pessoas precisam de ideias, não só de recursos básicos. E ideias são parte de um universo infinito de possibilidades que nunca se esgota. As pessoas precisam de modos de aquecer suas casas, circular, fazer coisas, manter-se alimentadas e vestidas. O que elas usam depende de sua criatividade.
Por que você dá tanta ênfase ao Produto Interno Bruto (pib) quando julga o progresso? O pib é uma medida rudimentar da prosperidade de uma sociedade. Mas ainda é a melhor medida que temos. A questão não é por que o pib é o melhor índice de prosperidade, mas por que prosperidade tem correlação com tantas outras coisas boas da vida.
Bobby Kennedy disse, em 1968, que o pib media tudo, exceto “o que fazia a vida valer a pena”. As tiradas de Kennedy são pueris. Coisas que fazem a vida valer a pena — escolas, clínicas, medicina, saneamento, fertilizantes que evitam a fome, tratores que libertam crianças do trabalho no campo, eletrodomésticos que libertam a mulher da cozinha, energia limpa — custam dinheiro. Pessoas de países ricos ignorarem as aspirações das pessoas de países pobres a ficarem mais ricas é falta de sensibilidade. Sociedades ricas — não importa por que medidas — são mais educadas, mais liberais, mais preocupadas com o meio ambiente, mais democráticas e têm menos probabilidade de entrar em guerra.
Como essa última observação se encaixa com o fato de que um país rico como o Reino Unido tem soldados em combate praticamente todos os anos desde 1914? Isso é como dizer: “Como a afirmação sobre aquecimento global se encaixa com o fato de que nevou ontem?”. Generalizações sobre sociedades são estatísticas e não se aplicam a todas as instâncias. Grandes potências como o Reino Unido e os eua se envolvem em mais guerras externas do que outros países, mas as sociedades ricas, em sua maioria, não são grandes potências.
No entanto, a prosperidade do Reino Unido depende em parte da fabricação de armas que são usadas em conflitos. “Menos propenso a entrar em guerra” significa “menos propenso a entrar em guerra”, não “não fabricar armas”. Armas não começam guerras por si mesmas.
Você defende que a divisão direita-esquerda é reducionista. Essas divisões constantes são uma tendência lamentável, apesar de isso acontecer cada vez mais em nossa cultura. Experimentos mostram que pessoas engajadas em uma ideologia de direita ou de esquerda são tão propensas a ler informações que confirmem suas crenças que fazem erros matemáticos simples ao analisar uma tabela de números em uma questão politizada — como, digamos, controle de armas.
É possível ser livre de qualquer ideologia? Não tenho certeza do que “livre de qualquer ideologia” significa. Claro que todas as decisões precisam estar a serviço de valores específicos, como aumentar o bem-estar humano, mas uma ideologia aceita crenças sobre o mundo derivadas de uma teoria em vez de motivadas por evidências. Dessa forma existem perigos graves em basear decisões em uma ideologia.
Você é otimista quanto ao futuro da humanidade? Mudança climática e guerra nuclear são as duas maiores ameaças. Mas existem soluções.
Você vê a entropia como fundamental para nossa condição. Por quê? Por existirem tantas formas de as coisas estarem em estado de desordem em vez de ordem, pelas leis da probabilidade todos os sistemas vão tender à desordem. Sem a intervenção da energia ou da inteligência humana, as coisas se despedaçam. O que precisamos explicar não é por que as coisas dão errado. Tudo dá errado mesmo. Precisamos concentrar nossos esforços em como as coisas podem dar certo.
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