O rei do escândalo do propinoduto virou taxista Silveirinha, condenado pelo desvio de milhões de dólares para a Suíça no escândalo do propinoduto, vive recluso entre um condomínio à beira-mar e a rotina de taxista em um ponto na Barra da Tijuca




O rei do escândalo do propinoduto virou taxista

Silveirinha, condenado pelo desvio de milhões de dólares para a Suíça no escândalo do propinoduto, vive recluso entre um condomínio à beira-mar e a rotina de taxista em um ponto na Barra da Tijuca
BRUNO ABBUD
16/03/2018 - 08h00 - Atualizado 16/03/2018 08h00
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Silveirinha, condenado pelo desvio de milhões de dólares para a Suíça no escândalo do propinoduto, vive recluso entre um condomínio à beira-mar e a rotina de taxista em um ponto na Barra da Tijuca (Foto: Daniel Marenco/Agência O Globo)

A empregada doméstica Lourdinha encontrou a casa vazia quando chegou ao serviço no início de uma manhã de fevereiro. Seu patrão, Rodrigo Silveirinha Correa, protagonista do “escândalo do propinoduto”, já havia saído para trabalhar. “Ele sai bem cedo e só volta à noite”, informou a empregada pelo interfone. Silveirinha mora no Condomínio Maramar, no Recreio, Zona Oeste do Rio de Janeiro, aos pés de uma montanha de pedra que separa a Praia da Macumba de Grumari. Vive com a mulher, Silvana Dionízio Silveirinha Correa, e os três filhos, que estão na casa dos 20 anos. Apesar dos 600 metros quadrados e da piscina cristalina que ocupa parte de um amplo jardim, os muros estão gastos e o portão carcomido, contrastando com as bem cuidadas mansões vizinhas. Dezesseis anos depois de ter sido pilhado com US$ 8,7 milhões em um banco na Suíça, amealhados com propinas, Silveirinha passou a dividir com Silvana mais do que o lar ou as acusações de corrupção. Atualmente, ambos compartilham a vida de taxista.

O carro número 42 da cooperativa Tele Táxi Barra pertence ao permissionário Hilário Correa Filho, pai de Silveirinha, mas é usado por Silvana. O carro número 4 fica com Silveirinha. Marido e mulher estão registrados na prefeitura como motoristas auxiliares. Silveirinha tem licença ativa para dirigir táxi desde 2012. O casal costuma parar pouco no ponto vinculado à cooperativa, na frente de um supermercado na altura do número 4.700 da Avenida Lúcio Costa, na Barra da Tijuca. Prefere apanhar clientes próprios ou de aplicativos. “Ele é autônomo, às vezes aparece, hoje cedo mesmo estava aqui”, contou um colega de ponto no último dia 6. “Às vezes sai para pegar passageiro e nem volta.”
Silveirinha foi condenado a 15 anos de prisão, além de uma multa de R$ 180 mil, por lavagem de dinheiro, ocultação de bens, evasão de divisas e outros crimes contra a ordem tributária (Foto: Marco Antônio Rezende/Folhapress)


Nos últimos meses, o casal conquistou a inimizade dos colegas de ponto, ao recusar corridas curtas e monopolizar clientes que antes eram de todos. Um taxista reclamou que Silvana recusou-se a levar um passageiro cadeirante porque a corrida era curta. Em janeiro, 27 motoristas do ponto se reuniram e decidiram expulsar Silvana da Associação dos Motoristas Tele Táxi Barra, que existe há mais de 20 anos. Uma carta assinada pelo advogado Gustavo Sá da Silva, contratado por Silveirinha, chegou ao ponto cobrando a reintegração de Silvana à associação, sob ameaça de processo.

Apontada pelo Ministério Público como cúmplice de Silveirinha no processo que investigou o caso do propinoduto na esfera federal, ela foi excluída da lista de réus. A Justiça não aceitou a denúncia. Quando o escândalo foi descoberto, Silvana trabalhava como consultora parlamentar no gabinete da Presidência da Assembleia, então comandada por Sérgio Cabral. Ganhava R$ 4 mil. Foi exonerada do cargo assim que o caso veio a público. “Foi uma coincidência”, esquivou-se Cabral à época. “Saiu errado.”

Psicóloga de formação, vive ao lado da família uma rotina de classe média. Um dos carros da família é um Chevrolet Spin 2014, amarelinho, movido a gás. O outro, um Gol preto 2017, no nome da mãe de Silveirinha, está com a traseira amassada. O condomínio impressiona por conta dos ilustres moradores, entre eles as atrizes Paloma Duarte e Nicette Bruno, o pastor Silas Malafaia e o cantor Belo. O preço da taxa mensal de condomínio está em pouco mais de R$ 1.000.

Vestindo camiseta larga e bermuda de lycra, sem maquiagem nem joias, Silvana aproveitou uma manhã de março para quitar contas na lotérica próxima, levar e buscar um dos filhos ao terminal de ônibus e fazer compras no Terreirão, onde mais de 800 lojas populares recebem até madames em busca de pechinchas. Silvana cuida da rotina da família. À Lourdinha, costuma deixar recados escritos com caneta esferográfica azul em guardanapos de papel: “Limpar sala, cozinha, passar roupa do Rodrigo”, dizia um deles. “Espaguete berinjela com abobrinha para o Ricardo”, pedia em outro. A última conta de Silvana no cartão de crédito, que vence todo dia 25, ficou em R$ 1.364,13. Seus filhos, graduados, complementam a renda levando turistas a shows em vans fretadas. Um deles, Rodrigo, quase ficou sem poder trabalhar porque perdeu a carteira de motorista no bloco Bicho Solto, no Humaitá, durante o Carnaval, mas depois a localizou com ajuda do Twitter. Para apoiar os filhos, em junho do ano passado Silvana abriu uma microempresa para operar serviços de fretamento turístico com capital social de R$ 500. As parcelas do carnê de impostos estão em dia.

Depois de protagonizar o propinoduto, a família tem pouco sossego. Em 2003, diante da repercussão do escândalo, os filhos entraram na Justiça para eliminar o patronímico “Silveirinha” de seus documentos de identidade. A Justiça negou o pedido.
Os peritos constataram que, entre 1999 e 2001, Silveirinha teve um rendimento de R$ 650 mil como fiscal de renda, mas movimentou 30 vezes mais na Suíça

O esquema de Silveirinha começou a ruir em outubro de 2002. Ex-subsecretário de Administração Tributária do governo Anthony Garotinho, fiscal de renda concursado e cotado para assumir a Fazenda na gestão da governadora eleita Rosinha Matheus, a carreira política de Silveirinha estava em ascensão. Naquele mês, seu nome apareceu pela última vez no jornal sem ser associado ao escândalo do propinoduto. Rosinha definia seu secretariado, e Silveirinha foi escolhido para comandar a Companhia de Desenvolvimento Industrial do estado (Codin). Paralelamente, na Europa, o Union Bancaire Privée (UBP), banco suíço baseado em Genebra, fazia os últimos acertos para adquirir o Discount Bank & Trust Company (DBTC), de Zurique. Entre as tratativas, um time de auditores foi contratado para passar um pente-fino nas operações do DBTC. Foi o início do fim para Silveirinha.

Os auditores descobriram US$ 33,4 milhões - o equivalente hoje a R$ 120 milhões - de origem mal comprovada em nome de quatro fiscais da Secretaria Estadual da Fazenda do Rio de Janeiro e cinco auditores da Receita Federal. O governo suíço posteriormente os chamou de “altos funcionários brasileiros”. As informações foram repassadas para o procurador-geral da Suíça, Brent Holtkamp, que em outubro daquele ano veio ao Brasil trazê-las ao então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro. O dinheiro foi bloqueado. A Polícia Federal abriu inquérito. A Justiça Federal acatou a denúncia contra 24 pessoas.

Ex-assessor na campanha de Rosinha, o funcionário público Silveirinha, filho da literata Rosita Silveirinha Paneiro Correa e do servidor público Hilário Correa Filho, permaneceu na subsecretaria de 1999 a 2002, por todo o governo Garotinho. Em pouco mais de três anos, aproveitou a ingerência sobre a Inspetoria de Grandes Contribuintes da Secretaria da Fazenda para trocar propinas por isenções fiscais, créditos tributários indevidos e vista grossa para incongruências tributárias. A conta 182.269 zs em Zurique foi pouco a pouco sendo recheada por 59 depósitos que totalizaram quase US$ 9 milhões - R$ 40 milhões em valores atualizados -, um terço do total bloqueado pelas autoridades suíças. Na lista de beneficiários estavam seus três filhos: Rodrigo, Rafael e Ricardo. O mais velho tinha então 6 anos de idade.

A procuradoria-geral da Suíça confirmou que o dinheiro continua confiscado no país. De acordo com o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça, o acordo com a Suíça para repatriar o montante está “em curso”. A pasta informou que a Justiça de lá aguarda o trânsito em julgado do processo do propinoduto para repatriar o dinheiro, cuja destinação será decidida pelo juízo da Terceira Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro.

Silveirinha foi preso em abril de 2003 com outros seis envolvidos no esquema. Os peritos constataram que, entre 1999 e 2001, o ex-subsecretário teve um rendimento de R$ 650 mil como fiscal de renda, mas movimentou 30 vezes mais na Suíça.

Os procuradores aproveitaram o depoimento da ex-mulher do ex-fiscal Carlos Eduardo Pereira Ramos, Valéria Gonçalves dos Santos, testemunha que depôs protegida por uma cortina. Valéria contou que o ex-marido costumava guardar dólares em gavetas, usava dois doleiros para mandar o dinheiro à Europa e testemunhou a visita de Ramos a um banco suíço.

Em outubro de 2003, o juiz federal Lafredo Lisboa Vieira Lopes, da Terceira Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, condenou Silveirinha a 15 anos de prisão, além de uma multa de R$ 180 mil, por lavagem de dinheiro, ocultação de bens, evasão de divisas e outros crimes contra a ordem tributária. Outros 21 réus foram condenados a mais de 248 anos de prisão e multas que chegavam a R$ 2,9 milhões.
O carro número 4 da cooperativa Tele Táxi Barra pertence a Hilário Correa Filho, pai de Silveirinha, e é usado pelo ex-rei do propinoduto. A mulher, Silvana, dirige o carro 42 (Foto: Gustavo Miranda/Agência O Globo)

Descontente com a exclusão do crime de formação de quadrilha da sentença, o procurador Gino Augusto Liccione, que conduzia o caso, apelou. Em setembro de 2007, quatro anos depois, a Primeira Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2a Região (TRF2) imputou o crime de formação de quadrilha a 14 envolvidos no caso, incluindo Silveirinha. A pena do ex-subsecretário aumentou para 20 anos. A multa, para R$ 323 mil. E seus bens foram bloqueados. A essa altura, no entanto, Silveirinha já estava solto: um habeas corpus deferido pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), havia livrado ele e outros comparsas da prisão em junho de 2004. Silveirinha passou um ano e dois meses atrás das grades - para onde nunca mais voltou.

Silveirinha foi exonerado da Companhia de Desenvolvimento dez dias depois de assumir o cargo no governo Rosinha. No fim de 2003, recebeu na prisão a notícia de que fora demitido do cargo de fiscal de renda. Além do processo iniciado na Terceira Vara Criminal Federal, um processo por improbidade administrativa foi aberto pelo Ministério Público na esfera estadual. Há 15 anos tramitando na Segunda Vara da Fazenda Pública, está na fase de alegações finais. O advogado de Silveirinha, Fernando Fragoso, não quis se pronunciar.

Uma CPI foi aberta na Assembleia Legislativa para investigar o propinoduto. Com duração de 90 dias, terminou com um relatório apressado que, nas palavras do então deputado estadual Alessandro Molon, que representava a oposição, não chegou ao “andar de cima”. Mesmo se colocando à disposição, o ex-governador Garotinho não foi interrogado.

No âmbito federal, a defesa continuou impetrando recursos nas instâncias superiores. E a lentidão da Justiça manteve o réu em liberdade. Só em dezembro de 2014, sete anos depois da decisão do TRF2, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu corroborar as acusações de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, mas extinguiu por prescrição a punibilidade de outros três delitos (evasão de divisas, declaração falsa às autoridades fazendárias e exigência de vantagem para deixar de lançar tributo). A pena de Silveirinha caiu para menos de seis anos.

Ao julgar novo recurso, em outubro de 2016, a Sexta Turma autorizou a execução antecipada da pena e determinou a prisão imediata de Silveirinha. Coube apelação - e, dois meses depois, o ministro do STF Marco Aurélio Mello novamente livrou Silveirinha da cadeia. Mello deferiu liminar que suspendeu a execução antecipada das penas do ex-subsecretário e de outros dois réus, Axel Ripoll Hamer e Hélio Lucena Ramos da Silva, envolvidos no propinoduto. A decisão assegurou a Silveirinha a liberdade que desfruta até hoje.

Dez meses mais tarde, a Primeira Turma do STF, por 3 votos a 1, revogou a liminar nos termos do voto do ministro Alexandre de Moraes, redator do acórdão, que havia virado o jogo contra os réus, mantendo as condenações. Em dezembro do ano passado, a defesa de Silveirinha interpôs embargos de declaração, recursos que questionam o teor da decisão e pedem esclarecimentos específicos. O processo agora descansa no gabinete de Alexandre de Moraes, a quem cabe decidir quando os embargos serão levados ao crivo da Primeira Turma. Segundo o STF, não há prazo para tal. Mesmo após o julgamento, mais embargos podem retardar a execução da pena, que só corre risco de prescrição em 2028. No caso de mais recursos do tipo, os ministros podem acusar a defesa de tentar protelar uma decisão final e decretar o trânsito em julgado. Até lá Silveirinha segue livre como um táxi.

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