Na tarde de 8 de novembro de 2016, Kellyanne Conway — diretora de campanha de Donald Trump e personagem central, e com ares de estrela, do mundo Trump — se acomodou em sua sala envidraçada na Trump Tower.



MUNDO


Um capítulo inédito da explosiva biografia não autorizada de Donald Trump

Capítulo inédito de biografia não autorizada de Trump revela como ele
ficou chocado ao ser eleito presidente
MICHAEL WOLFF
14/03/2018 - 08h00 - Atualizado 14/03/2018 09h23
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Na tarde de 8 de novembro de 2016, Kellyanne Conway — diretora de campanha de Donald Trump e personagem central, e com ares de estrela, do mundo Trump — se acomodou em sua sala envidraçada na Trump Tower. Até as últimas semanas da corrida eleitoral, o quartel-general da campanha de Trump era um lugar desanimado. Tudo o que o diferenciava de qualquer escritório comercial eram alguns cartazes com palavras de ordem de direita.

Conway agora não escondia o bom humor, já que não estava mais prestes a presenciar uma derrota retumbante, se não cataclísmica. Donald Trump perderia a eleição — ela tinha certeza —, mas talvez pudesse segurar uma derrota por menos de seis pontos percentuais, o que seria na verdade uma vitória substancial. Quanto à iminente derrota, Conway não estava muito preocupada: era culpa de Reince Priebus (líder republicano), não sua.

Ela tinha passado quase o dia todo ligando para amigos e aliados políticos para responsabilizar Priebus. Agora dava informações a alguns produtores e âncoras de televisão com quem estabelecera laços sólidos — e com quem contava, depois das últimas semanas de constantes entrevistas, para conseguir emprego depois das eleições. Vinha cortejando com cuidado muitos deles desde que aderira à campanha de Trump, em meados de agosto, e chegou a se tornar a voz combativa e confiável da campanha, com seus sorrisos espasmódicos e uma estranha mistura de azedume e impassibilidade, além do rosto particularmente telegênico.
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Muito além dos demais terríveis equívocos da campanha, o problema real, dizia ela, era o demônio que eles não conseguiam controlar: o Comitê Nacional Republicano, dirigido por Priebus, por Katie Walsh, sua fiel escudeira de 32 anos, e por seu assessor de imprensa, Sean Spicer. Em vez de se lançar de cabeça, o Comitê Nacional Republicano, em última instância instrumento do statu quo republicano, vinha reduzindo sua aposta desde que Trump ganhou a indicação, no meio do ano. Quando Trump precisou de apoio, o apoio não veio.

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Essa era uma parte da história contada por Conway. A outra era que, apesar de tudo, a campanha tinha realmente se recuperado e saído do buraco. Para uma equipe com graves problemas de financiamento e com, para resumir, o pior candidato da história política moderna — cada vez que o nome de Trump era pronunciado, Conway revirava os olhos ou assumia um olhar de peixe morto —, eles tinham se saído extraordinariamente bem. Conway, que antes de Trump nunca tinha participado de uma campanha nacional e dirigia uma pequena empresa de pesquisa de opinião e trabalhara em campanhas menores, percebeu que, depois da campanha presidencial, se tornaria uma das principais vozes conservadoras dos canais de notícias.

De fato, um dos analistas da campanha de Trump, John McLaughlin, tinha começado a insinuar, mais ou menos durante a semana anterior, que os números em alguns estados importantes, até então desanimadores, podiam estar mudando em favor de Trump. Mas nem Conway, nem o próprio Trump, nem tampouco seu genro Jared Kushner — o verdadeiro diretor de campanha, ou supervisor da campanha designado pela família — tiveram abalada sua certeza: a insólita aventura em breve chegaria ao fim.

Apenas Steve Bannon, com sua visão de um homem que estava sempre em vantagem, insistia que os números virariam a favor deles. Mas como essa era a opinião de Bannon — do Steve maluco —, era o oposto a ser tranquilizadora. Quase todos na campanha, ainda que fizessem parte de uma equipe extremamente reduzida, se consideravam um grupo pé no chão, mais realista sobre suas perspectivas quanto talvez qualquer outra equipe política. Havia um acordo tácito entre eles: Donald Trump não só não seria presidente, como provavelmente não deveria ser. Por conveniência, a primeira suposição significava que ninguém precisaria lidar com a segunda questão.

Quando a campanha se aproximava do fim, o próprio Trump passou a ficar otimista. Tinha sobrevivido ao vazamento da fita de Billy Bush, quando no tumulto que se seguiu o Comitê Nacional Republicano teve a desfaçatez de pressioná-lo a abandonar a corrida. O diretor do fbi, James Comey, depois da estranha atitude que deixou Hillary em maus lençóis — ao anunciar, 11 dias antes da eleição, que reabriria a investigação sobre os e-mails dela —, tinha contribuído para evitar uma vitória acachapante de Clinton.

“Posso ser o homem mais famoso do mundo”, disse Trump ao assessor Sam Nunberg, que saía e voltava da equipe, perto do desfecho da campanha.

“Mas você quer ser presidente?”, perguntou Nunberg (uma pergunta qualitativamente diferente da que costuma ser feita a um candidato: “Por que você quer ser presidente?”).

Nunberg ficou sem resposta.

É que não era necessária uma resposta, porque Trump não seria presidente.

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O velho amigo Roger Ailes gostava de dizer que quem pretendesse fazer carreira na televisão deveria concorrer primeiro à Presidência. Trump agora, incentivado por Ailes, lançava boatos sobre uma rede Trump. Era um belo futuro.

Trump assegurou a Ailes que sairia da campanha com uma marca muito mais poderosa e incríveis oportunidades. “É muito mais do que eu jamais teria sonhado”, confessou a Ailes em conversa uma semana antes da eleição. “Não penso em perder porque isso não é uma derrota. É uma clara vitória.” Além do mais, ele já estava preparando sua reação pública à derrota no pleito eleitoral: a eleição tinha sido roubada!

Donald Trump e seu minúsculo bando de asseclas de campanha estavam preparados para perder com fogo e fúria. Não estavam preparados para ganhar.

Em política, alguém precisa perder, mas todos invariavelmente pensam que podem ganhar. Quem não acredita na própria vitória provavelmente não ganhará — exceto na campanha de Trump.

O tema preferido de Trump sobre sua própria campanha era como ela era ruim e como todos os envolvidos eram uns perdedores. Ele também estava convencido de que a equipe de Clinton era brilhante e formada por vencedores. “Eles ficaram com os melhores, e nós com os piores”, dizia sempre. O tempo passado com Trump no avião de campanha era sempre uma experiência épica de desrespeito: todos em volta dele eram idiotas.

Corey Lewandowski, o primeiro diretor mais ou menos oficial da campanha de Trump, vivia sendo repreendido pelo candidato. Durante meses, Trump o chamou de “o pior” e, em junho de 2016, acabou demitindo-o. Mas depois declarava que sem Lewandowski sua campanha estava condenada. “Somos todos perdedores”, afirmava. “Todos da equipe são péssimos, ninguém sabe o que está fazendo. Queria que Corey voltasse.” Logo Trump se decepcionou também com seu segundo diretor de campanha, Paul Manafort.
Trump e Melania no dia da posse: ele mentiu e triplicou o número de pessoas presentes no evento (Foto: Katherine Frey /Getty Images)
A perspectiva de ver o marido presidente horrorizava Melania. Ela Temia a exposição e o assédio ao filho pequeno. A imprensa evita escrever sobre Barron, que tem 12 anos

Em agosto, quando estava de 12 a 17 pontos percentuais atrás de Hillary Clinton e enfrentava uma tempestade diária na imprensa demolidora, Trump nem sequer cogitava o improvável cenário de vitória eleitoral. Nesse momento de desespero, Trump, em certo sentido essencial, vendeu a campanha derrotada. O bilionário direitista Bob Mercer, financiador de Ted Cruz, passou a apoiar Trump com uma injeção de us$ 5 milhões de dólares. Acreditando que a campanha estava perdendo força, Mercer e sua filha Rebekah pegaram um helicóptero em sua propriedade de Long Island e compareceram a um evento de captação de recursos — com outros potenciais doadores abandonando o barco a cada segundo — na residência de veraneio de Woody Johnson, dono do New York Jets e herdeiro da Johnson & Johnson, nos Hamptons.

Trump não tinha nenhuma relação com Bob Mercer ou com Rebekah. Tivera poucas conversas com Bob, que era quase sempre monossilábico, e todo o contato com Rebekah se resumia a uma selfie com ela, tirada na Trump Tower. Ainda assim, quando os Mercer apresentaram seu plano de assumir a campanha e instalar seus prepostos Steve Bannon e Kellyanne Conway, Trump não ofereceu resistência. Só demonstrou não entender em absoluto por que alguém poderia querer fazer algo assim. “Já está tudo ferrado”, disse ele aos Mercer.

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Qualquer indicador confiável atestaria que algo ainda maior do que fracasso assombrava a campanha que Steve Bannon chamou de “aleijada”— havia uma total impossibilidade estrutural.
O genro, a filha e o pai: relações mais do que incestuosas (Foto: Katherine Frey /Getty Images)
Ivanka, filha de Trump, deixou o marido, Jared Kushner, brilhar durante a campanha. Com indisfarçável antipatia pela madrasta, ela debochou:
“Melania acha que, se meu pai concorrer, ele com certeza ganha”

O candidato que se anunciava bilionário — multibilionário — se recusava a investir o próprio dinheiro na campanha. Quando Bannon assumiu a campanha, disse a Jared Kushner — que à época passava férias na Croácia com sua mulher e David Geffen, inimigo de Trump — que depois do primeiro debate, em setembro, precisariam de uma verba adicional de us$ 50 milhões para conseguirem chegar ao dia da eleição.

“Não há como conseguir 50 milhões, a menos que possamos garantir a vitória”, comentou Kushner, com lucidez.

“Vinte e cinco milhões?”, arriscou Bannon.

“Só se pudermos dizer que a vitória é mais que provável.”

No final, o melhor que Trump fez foi emprestar us$ 10 milhões à campanha, que seriam devolvidos assim que conseguissem levantar o dinheiro em outra frente (Steve Mnuchin, então tesoureiro da campanha, foi pegar o empréstimo com as instruções de depósito já redigidas, pois assim Trump não poderia se “esquecer” de mandar o dinheiro.)

Na realidade, não havia uma campanha de verdade porque não havia uma organização de verdade. No máximo, havia uma organização singularmente disfuncional. Roger Stone, o antigo diretor de fato da campanha, pediu demissão ou foi demitido por Trump — ambos diziam publicamente que tinham esbofeteado o outro. Sam Nunberg, assessor de Trump que trabalhara para Stone, foi ruidosamente despachado por Lewandowski, e Trump depois contribuiu bastante para aumentar a lavagem de roupa suja processando Nunberg. Lewandowski e Hope Hicks, a assessora do Partido Republicano levada à campanha por Ivanka Trump, tiveram um caso que acabou em briga pública na rua — incidente citado por Nunberg no processo movido por Trump. Estava na cara que a campanha não tinha sido pensada para ganhar nada.

Nem mesmo a eliminação dos outros 16 pré-candidatos republicanos, por mais improvável que tenha sido, tornava menos disparatado o objetivo final de conquistar a Presidência dos Estados Unidos.

E se durante o outono a vitória parecera um pouquinho mais plausível, a esperança foi por água abaixo depois do caso Billy Bush. “Sou automaticamente atraído por mulheres bonitas. Simplesmente começo a beijá-las”, disse Trump ao apresentador da nbc Billy Bush em microfone aberto, em meio ao debate sobre assédio sexual no país. “É como um ímã. Vou e beijo. Nem espero. E quando você é um astro, elas deixam. Você pode fazer o que quiser… Pegar elas pela... Você pode fazer o que quiser.”

Consertar aquilo foi um problema sério. O acontecimento foi tão estarrecedor que quando Reince Priebus, líder do Comitê Nacional Republicano, foi chamado a Nova York para uma reunião de emergência na Trump Tower, quase não teve coragem para sair da Penn Station. Do outro lado da cidade, a equipe de Trump levou duas horas para convencê-lo.

“Pode ser que a gente nunca mais se veja depois disso”, disse Bannon, desesperado, bajulando Priebus pelo telefone, “mas você precisa vir a este edifício e tem que entrar pela porta da frente.”

O lado bom da humilhação que Melania Trump precisou suportar depois da história com Billy Bush foi que agora não havia possibilidade de seu marido se tornar presidente.

O casamento de Donald Trump causava perplexidade a quase todos os que o rodeavam — ou pelo menos aos que não tinham jatinhos privados nem uma porção de casas. Melania e ele passavam relativamente pouco tempo juntos e ficavam dias sem manter contato, mesmo quando os dois estavam na Trump Tower. Muitas vezes ela nem sabia por onde ele andava ou nem dava muita atenção a isso. Seu marido se deslocava entre suas residências como quem muda de sala. Além de pouco saber sobre o paradeiro dele, ela também pouco sabia sobre os negócios e quase não se interessava por eles. Pai ausente para seus quatro primeiros filhos, Trump foi ainda mais ausente para o quinto, Barron, que teve com Melania. Nesse seu terceiro casamento, ele dizia aos amigos que finalmente tinha aperfeiçoado sua arte: viver e deixar viver — “Faça o que você quiser”.

Trump era um notório mulherengo, e durante a campanha se tornou talvez o mais famoso conquistador do mundo. Embora ninguém nunca tenha elogiado a sensibilidade de Trump em relação a mulheres, ele se gabava de ter muitas opiniões sobre como se dar bem com elas, inclusive uma teoria de que, quanto maior a diferença de idade entre um homem mais velho e uma mulher, menos esta levava os chifres para o lado pessoal.

No entanto, a ideia de que seu casamento era apenas uma formalidade estava longe da verdade. Ele falava muito de Melania quando ela não estava presente. Adorava elogiar sua aparência — muitas vezes na presença de outros, para constrangimento dela. Como ele dizia a todo mundo, com orgulho e sem qualquer ironia, ela era uma “esposa-troféu”. E apesar de não compartilhar muitos momentos com ela, dividia alegremente seu butim. “Uma mulher feliz é uma vida feliz”, dizia ele, repetindo um lugar-comum bem conhecido entre homens ricos.

Ele também buscava a aprovação de Melania. (Buscava, na verdade, de todas as mulheres à sua volta, que sabiamente aprovavam.) Em 2014, quando começou a pensar seriamente em se candidatar a presidente, Melania foi uma das poucas pessoas que acharam que ele podia ganhar. Foi o fim da linha para sua filha, Ivanka, que teve o cuidado de se manter distante da campanha. Com indisfarçável antipatia pela madrasta, Ivanka diria a amigos: “Tudo o que você precisa saber sobre Melania é que ela acha que, se ele concorrer, ele com certeza ganha.”

Apesar de sua convicção, a perspectiva de ver o marido presidente horrorizava Melania. Ela acreditava que isso destruiria sua vida protegida — protegida também, cabe lembrar, da própria família de Trump —, quase totalmente centrada em seu filho pequeno. “Não ponha o carro na frente dos bois”, brincava seu marido, mesmo quando passava todos os dias em campanha, dominando o noticiário. Mas o terror e o tormento de Melania aumentavam.

Como soube por amigos, em Manhattan corria na surdina uma campanha contra ela, cruel e engraçada em suas insinuações. Sua carreira de modelo foi revirada de ponta a ponta. Na Eslovênia, onde nasceu e passou a infância, uma revista de celebridades, Suzy, publicou boatos sobre ela depois da indicação de Trump. Mais tarde, como um aperitivo desagradável do que estava por vir, o Daily Mail espalhou a história mundo afora.

O New York Post pôs as garras em sobras de um ensaio fotográfico do começo de sua carreira de modelo, com fotos de Melania nua — um vazamento que qualquer pessoa que não Melania poderia atribuir ao próprio Trump.

Inconsolável, ela enfrentou o marido. O futuro vai ser assim? Ela disse que não seria capaz de suportar. Trump respondeu à sua maneira: “Vamos processar!”, e arranjou advogados. Mas também estava muito arrependido. “Falta pouco”, disse a ela. “Tudo vai acabar em novembro.” E deu à sua mulher uma solene garantia: simplesmente não havia como ele ganhar. E ainda que fosse um infiel crônico — ele diria irremediável —, essa era uma promessa que parecia ter certeza de poder cumprir.
Trump e Conway: “fatos alternativos” para justificar as mentiras do presidente eleito (Foto: Mandel NGAN/AFP)
Kellyanne Conway, que nunca
tinha participado de uma campanha nacional e dirigia uma pequena empresa de pesquisa de opinião, imaginava que trabalharia na tv após derrota de Trump

A campanha de Trump tinha, e talvez de propósito, reproduzido o esquema do filme Os produtores, de Mel Brooks. Nesse clássico, Max Bialystock e Leo Bloom, os heróis desonestos e burros de Brooks, decidem vender além de 100% das cotas de um musical da Broadway que estão produzindo. Como só seriam descobertos se o espetáculo fosse um sucesso, eles fazem de tudo para que o musical fracasse. Para isso, criam um espetáculo tão estranho que acaba fazendo sucesso, o que termina mal para os heróis.

Levados pela soberba, pelo narcisismo ou por uma fé sobrenatural no destino, na maioria das vezes os candidatos vitoriosos à Presidência dedicam grande parte da carreira, quando não da vida, desde a adolescência, a se preparar para o papel. Sobem um a um os degraus dos cargos eletivos, aperfeiçoam a imagem pública, criam e ampliam sua rede de contatos, já que o êxito na política depende muito dos aliados. Trabalhar sem trégua. (Até mesmo um desinteressado como George W. Bush se valeu dos homens de confiança de seu pai para trabalhar por ele.) E apagam seus rastros — ou, pelo menos, tomam todo o cuidado para encobri-los. Eles se preparam para ganhar e governar.

Os cálculos de Trump, bastante conscientes, seguiam outra linha. O candidato e seus principais auxiliares acreditavam que podiam usufruir de todas as vantagens de quase se tornar presidente sem, para isso, ter que mudar um milímetro de seu comportamento ou de sua visão de mundo: não temos que ser nada além do que somos, porque, é claro, não vamos ganhar.

Muitos candidatos à Presidência dos Estados Unidos transformaram em virtude o fato de serem forasteiros em Washington. Na prática, essa estratégia favorece apenas candidatos a governador e senador. Todo candidato sério, por mais que faça pouco-caso de Washington, busca habitués do establishment para orientação e apoio. No entanto, no caso de Trump, praticamente ninguém em seu círculo mais estreito tinha trabalhado em política em âmbito nacional: seus conselheiros mais próximos não tinham trabalhado em política alguma. Durante toda a vida, Trump teve poucos amigos chegados de qualquer área, mas no início da campanha para presidente não tinha quase nenhum na política. Os únicos políticos de verdade próximos de Trump eram Rudy Giuliani e Chris Christie, os dois à sua própria maneira peculiares e isolados. E seria um elogio dizer que Trump não sabia nada — absolutamente nada — sobre os fundamentos essenciais do cargo. No começo da campanha, em uma cena digna de Os produtores, Sam Nunberg foi designado para explicar a Constituição ao candidato: “Cheguei até a Quarta Emenda antes que ele começasse a apertar o lábio com o dedo e revirar os olhos”.

Quase todos na equipe de Trump vinham acompanhados de problemas obscuros que podiam constranger um presidente ou seus assessores. Mike Flynn, futuro conselheiro de Segurança Nacional que abria os comícios de campanha de Trump e divertia o candidato reclamando da cia e da falta de sorte dos espiões norte-americanos, ouviu dizer por amigos que não tinha sido uma boa ideia receber us$ 45 mil dos russos por uma palestra. “Bem, isso só será um problema se ganharmos”, ele tranquilizou os interlocutores, sabendo que, portanto, não haveria problema.

Paul Manafort, o lobista internacional e consultor político que Trump nomeou para comandar sua campanha depois da demissão de Lewandowski — e que concordou em não ser pago pelo serviço, suscitando desconfiança quanto a uma possível troca de favores —, tinha passado 30 anos representando ditadores e tiranos corruptos, faturando milhões de dólares em uma sucessão de operações financeiras que havia muito chamavam a atenção dos investigadores nos Estados Unidos. Mais ainda: quando aderiu à campanha, estava sendo processado — tendo todas as suas operações financeiras documentadas — pelo bilionário oligarca russo Oleg Deripaska, que o acusava do roubo de us$ 17 milhões em um negócio imobiliário fraudulento e jurava uma vingança sanguinária.

Por motivos óbvios, poucos políticos — e nenhum presidente antes de Trump — vinham do ramo imobiliário: um mercado pouco regulamentado, baseado em elevado endividamento e exposto a frequentes flutuações, sempre dependendo do favor de governantes e moeda de troca preferencial para solucionar problemas de caixa: lavagem de dinheiro. O genro de Trump, Jared Kushner; o pai deste, Charlie; os filhos de Trump, Don Jr., Eric e Ivanka, assim como o próprio Trump, todos eles basearam seus empreendimentos comerciais, em maior ou menor grau, no limbo duvidoso do fluxo internacional de caixa dos ativos e no dinheiro proveniente da sonegação de impostos. Charlie Kushner — cujas operações imobiliárias estavam estreitamente ligadas ao filho, que era genro e principal assessor de Trump — já tinha passado uma temporada em uma prisão federal por sonegação de impostos, suborno de testemunhas e doações ilegais para campanhas.

Os políticos modernos e suas equipes investigam os próprios rastros com mais rigor que a oposição. Se a equipe de Trump tivesse avaliado seu candidato, teria concluído com sensatez que estaria em apuros caso um minucioso exame ético fosse realizado. Mas Trump evidentemente não se deu a esse trabalho. Roger Stone, antigo conselheiro político de Trump, explicou a Steve Bannon que a estrutura psíquica de Trump impedia que ele se enxergasse com clareza. Porém, Trump não aceitaria que outra pessoa ficasse sabendo tantas coisas sobre ele — logo, que fosse em certo sentido superior a ele. Seja como for, para que se submeter a esse olhar tão aprofundado e potencialmente perigoso se não há chance de vitória?

Trump não só ignorou os conflitos potenciais de seus negócios e empresas imobiliárias, como, audaciosamente, se negou a divulgar sua declaração de Imposto de Renda. Por que faria isso se não ia mesmo ganhar?
Bannon: notícias falsas produzidas pela direita radical permearam a campanha eleitoral (Foto: Nicholas Kamm/AFP)



Apenas Steve Bannon, cheio de si, insistia que os números virariam
a favor de Trump. internamente,
ele era tratado como “Steve maluco”. Foi demitido depois de oito meses no governo

Mais ainda: Trump se recusou a dedicar algum tempo a analisar, ainda que hipoteticamente, questões referentes à transição, dizendo que isso “dava azar”, mas querendo dizer na verdade que seria uma perda de tempo. Nem ele contemplaria, ainda que remotamente, a questão de suas empresas e conflitos.

Ele não ia ganhar! Ou perder seria ganhar.

Trump seria o homem mais famoso do mundo — um mártir da inescrupulosa Hillary Clinton.

Sua filha Ivanka e o genro Jared passariam de meninos ricos mais ou menos à sombra a celebridades internacionais e embaixadores de marcas comerciais. Steve Bannon se tornaria o líder de fato do Tea Party.

Kellyanne Conway seria uma estrela dos canais de notícias.

Reince Priebus e Katie Walsh teriam seu Partido Republicano de volta. Melania Trump poderia voltar a almoçar sem ser notada.

Esse era o desfecho sem contratempos que eles esperavam em 8 de novembro de 2016. A derrota faria bem para todos. Pouco depois das 8 da noite, quando a possibilidade inesperada — Trump realmente poderia vencer — estava prestes a se confirmar, Don Jr. disse a um amigo que seu pai, ou djt, como ele o chamava, parecia ter visto um fantasma. Melania, a quem Donald Trump tinha dado sua solene garantia, não parava de chorar — e não eram lágrimas de alegria.

Em um intervalo de pouco mais de uma hora, na observação jocosa de Steve Bannon, um Trump atordoado se metamorfoseou em um Trump descrente e logo em um Trump apavorado. Mas a transformação final ainda estava por vir: de repente, Donald Trump se tornou um homem convencido de que merecia ser presidente dos Estados Unidos e de que era plenamente capaz de exercer o cargo.
Trump e Priebus: ninguém esperava a vitória do candidato (Foto: Saul Loeb/Afp)

Reince Priebus, líder do Comitê
Nacional Republicano, foi chamado a Nova York para uma reunião de emergência na Trump Tower, mas quase não teve coragem para sair da Penn Station

A falta de escrúpulos foi uma característica de presidentes anteriores dos Estados Unidos. O que realmente confundia muitas pessoas que conheciam Trump muito bem era que ele tivesse conseguido ganhar a eleição e realizar essa proeza apesar de lhe faltar algo que, em um sentido óbvio, é o principal requisito para o cargo: o que os neurocientistas chamam de função executiva. Ele tinha conseguido vencer a corrida pela Presidência, mas seu cérebro se mostrava incapaz de desempenhar tarefas essenciais do novo cargo. Trump não tinha a capacidade de planejar, organizar, prestar atenção e mudar de foco: nunca tinha sido capaz de ajustar seu comportamento aos objetivos do momento. Em um nível mais básico, simplesmente não conseguia relacionar causa e efeito.

A acusação de que Trump tinha se aliado com os russos para ganhar a eleição, da qual fazia pouco-caso, foi para alguns de seus amigos um exemplo perfeito de sua incapacidade de ligar os pontos. Mesmo que ele não tenha conspirado pessoalmente com os russos para fraudar a eleição, as iniciativas que tomou para cair nas graças de Vladimir Putin, sobretudo, deixaram sem dúvida um rastro de palavras e atos alarmantes, que provavelmente cobrariam um enorme custo político.

Pouco depois da eleição, seu amigo Roger Ailes lhe disse, em tom de urgência: “Agora você tem que tratar da Rússia”. Mesmo exilado da Fox News, Ailes mantinha uma fantástica rede de informantes. Preveniu Trump sobre o material potencialmente prejudicial que poderia estourar. “Você precisa levar isso a sério, Donald.”

“Jared já fez isso”, disse Trump, em tom alegre. “Está tudo acertado.”
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