Familiares cobram por tour nos imóveis de Pablo Escobar Como é o passeio turístico pelos bairros de Medellín frequentados por Pablo Escobar — o maior traficante de todos os tempos —, guiado por seu irmão e até por um ex‑assassino
Familiares cobram por tour nos imóveis de Pablo Escobar
Como é o passeio turístico pelos bairros de Medellín frequentados por Pablo Escobar — o maior traficante de todos os tempos —, guiado por seu irmão e até por um ex‑assassino
RODRIGO PEDROSO| DE MEDELLÍN
20/03/2018 - 08h02 - Atualizado 20/03/2018 08h02
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Caminhonete com a qual Pablo Escobar protagonizou fuga espetacular é atração do tour em Medellín (Foto: Rodrigo Pedroso)
Em uma manhã de março, uma tumba no sul de Medellín exibia dois ramos de margaridas brancas e lilases murchas. Cinco estrangeiros anônimos de dois continentes visitavam o lugar no qual o rapper americano Wiz Khalifa havia deixado flores um ano antes. De mundos e universos distintos, todos foram conduzidos àquele lugar montanhoso pela mesma fascinação por um personagem, Pablo Escobar. A visita à tumba do maior traficante da Colômbia — e um dos maiores do mundo — faz parte do tour oferecido pelo único irmão vivo de Pablo, Roberto Escobar, e sua sobrinha, Laura Escobar. Pelo equivalente a R$ 100 por pessoa, eles oferecem um “passeio oficial” por locais simbólicos, como o cemitério Montesacro, o edifício Mónaco e uma das casas construídas por Pablo, na qual hoje moram Roberto e Laura. Assim como a morte de Escobar não diminuiu a demanda por cocaína, sua queda não amainou o interesse por sua figura.
Pululam em Medellín, segunda maior cidade colombiana, tours que oferecem versões da história e passeios por lugares ditos icônicos da vida do narcotraficante, que chegou a ser um dos homens mais ricos do mundo, com fortuna estimada em cerca de US$ 30 bilhões, um dos mais poderosos da Colômbia, mandante de milhares de assassinatos, e que morreu baleado em 1993. Trata‑se de um revival da narcocultura em primeira mão, com personagens que foram condenados pela Justiça, cumpriram sentenças e hoje ganham dinheiro explorando seu lado da história — e deixando de lado outros mais incômodos.
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Roberto Escobar esteve 14 anos na prisão e desde 2006 fez da única casa da família não confiscada pelo Estado colombiano um museu em homenagem ao irmão. O tour vendido a turistas começa pelo cemitério Montesacro, onde Pablo, seus familiares e amigos estão enterrados. A tumba, bem cuidada, está ao lado de uma capela rodeada de grama verde. Roger Martinez, um dos guias bilíngues contratados por Roberto, narrou com pressa o destino dos que estão ali: a mãe, o pai, tios e um guarda‑costas de Escobar. “A história não é como a contam em Narcos. Essa série é 80% mentira”, disse, e prosseguiu dando uma versão mais escabrosa do assassinato de um dos tios do que a mostrada na série. O grupo guiado por Roger — formado por um alemão, um holandês, um inglês e um casal de peruanos — não mostrou interesse pelos relatos. “Agora tirem fotos para mostrar em casa”, ordena o guia.
Quinze minutos depois, a caravana, em dois carros comuns, seguiu para o edifício Mónaco, uma sisuda construção de luxo em concreto, com seis andares, piscina e quadra de futebol, erguida por Pablo nos anos 1980 para abrigar sua família em segurança. A casa foi confiscada em 2002 como forma de reparar seus crimes. Roger explicou que não se pode entrar no local, pois a prefeitura mantém dois policiais 24 horas por dia para evitar visitas a um ícone da biografia do traficante. Em 1988, três pessoas morreram e dez ficaram feridas quando rivais do Cartel de Cali explodiram um carro‑bomba com 80 quilos de dinamite na entrada da casa. Começava ali uma guerra entre os dois cartéis, o de Cali e o de Medellín, pelo domínio do tráfico, no período mais sangrento da história recente do país.
O destino do edifício Mónaco ainda tramita nos tribunais. Enquanto o prefeito Federico Gutierrez quer demolir o local e recrimina esse tipo de turismo — qualificou o rapper Wiz Khalifa de “sem‑vergonha” após a visita —, a família Escobar procura reaver a propriedade. Outra parte da sociedade colombiana, no entanto, pleiteia a construção no local de um museu de memória às vítimas do narcotraficante. Não há previsão de desfecho para a situação. Mais fotos da fachada do Mónaco, desta vez de longe, e Tim Wendt, um paramédico alemão de 21 anos que visitava a Colômbia pela primeira vez, resmungou antes de voltar para o carro rumo à casa de Pablo, a atração principal. “Nada demais isso. Meio sem graça, na verdade.”
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A casa de Pablo, onde hoje vive seu irmão e serve de museu, fica no meio de uma montanha que rodeia Medellín e conta com acesso único por meio de uma estrada de pedregulhos de mão única. A construção é simples, de tijolos pintados de branco e de teto baixo. Um segundo guia, William Caballero, recebeu os visitantes recém‑chegados e começou o passeio. Entusiasmado, ele contou piadas e tentou animar os turistas depois de mostrar uma mesa com fundo falso onde o traficante podia esconder até US$ 10 milhões: “Olhem que esperto. Quem não queria ser ele?”, disse. Os turistas se apertavam e ouviam mais histórias enquanto William passeava pelos apertados cômodos: como Roberto Escobar, apelidado de Osito (Ursinho), era um ciclista proeminente; como Pablo era esperto e escapou da polícia fingindo‑se policial; como ele dava dinheiro aos pobres, que o ajudavam com informações para escapar da lei. “Pablo queria livrar a Colômbia da corrupção, por isso entrou para a política. Esse foi seu maior erro”, disse o guia colombiano. Uma parte do grupo riu da versão um tanto rósea da história.
O guia mostrou mesa com fundo falsoonde Escobar podia esconder
até US$ 10 milhões. “Olha que esperto. Quem não queria ser ele?”, indagou
Na parte de fora da casa, na entrada, há uma foto ampliada de Escobar na prisão Catedral. Ele foi para a Catedral em 1991, após um acordo com o então presidente da Colômbia, César Gaviria, para evitar ser extraditado para os Estados Unidos. Da penitenciária, como fazem os traficantes brasileiros, Pablo Escobar comandava a criminalidade — até que cansou e se mandou, um ano depois. Ao lado da foto há um jet ski, que os guias dizem ter sido usado pelo ator Roger Moore num dos filmes da série do agente James Bond. Na garagem, há uma velha caminhonete utilizada em uma fuga; dentro da casa, abundam fotos e relíquias religiosas da família. Uma tampa de um jipe blindado cravada de balas é exposta como troféu no quintal. Depois de narrar outra “espetacular” escapada do “patrón”, William aponta para o horizonte, onde se vê toda a extensão da pista de pouso do aeroporto Olaya Herrera. “Ele construiu esta casa para observar os aviões que voltavam com os dólares dos Estados Unidos”, afirmou. “Vamos, tirem fotos.”
Roberto Escobar, irmão de Pablo, lidera o culto à memória do narcotraficante oferecendo acesso a bens como o jet ski do 007 e à carcaça de caminhonete atingida por balas (Foto: Fabiola Ferrero/Bloomberg / Getty Images | Rodrigo Pedroso | Rodrigo Pedroso)
Depois de ver pôsteres de Pablo e uma sala onde há uma parede falsa como esconderijo, o médico Giuliano Ruffo e a enfermeira Jaqueline Santoro, ambos brasileiros, comentaram que agendaram o tour motivados pela história a que assistiram em Narcos e pelo fato de que não haviam escutado dos colombianos comentários sobre o personagem e o tráfico desde que chegaram ao país. “Não dá para saber o que é real nessas histórias. A meu ver, Escobar era alguém perigoso e violento”, disse Jaqueline. “Minha impressão é que no museu tentam desconstruir essa imagem dele.”
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A motivação dos brasileiros foi a mesma de Tim, o alemão, que estava fazendo mochilão pela América do Sul. Nos últimos quatro anos, Hollywood lançou “filmes Escobar” com atores de renome: Paraíso perdido (com Benício del Toro), Conexão Escobar (Bryan Cranston, protagonista de Breaking bad) e, mais recentemente, Loving Pablo (Javier Bardem e Penélope Cruz). Séries como Narcos ePatrón del mal, da Netflix, também voltaram a exportar para o mundo a imagem de um homem carismático que, apesar de cometer atrocidades e crimes em série, leva o espectador a sentir de alguma forma uma conexão com sua história. “Pablo é irresistível como personagem, tem muitas contradições, sobretudo para quem não conhece o lado de suas vítimas”, ponderou Mauricio Builes, professor da Universidade de Medellín. No ano passado, ele montou com seus alunos o projeto NarcoTour, uma tentativa de oferecer à cidade uma contranarrativa a partir das vítimas do narcotráfico.
Builes afirmou que na pesquisa para o projeto chamou sua atenção o fato de sete de cada dez turistas hospedados em hostels em Medellín procurarem esse tipo de passeio. “Claro que essas produções motivam esse redescobrimento. Mas a questão é que não há um cuidado institucional com a memória. Conversei com o prefeito Gutierrez, e ele me disse que não há um plano formalizado, que a estratégia para lidar com o tema está em sua cabeça. Ou seja, não se sabe direito o que fazer com essa onda de turistas que querem ver a história de Pablo”, disse, acrescentando que a demanda gera um vale‑tudo para contar a história segundo interesses próprios. “Cada grupo oferece (o tour) por sua conta. Desde o Roberto até taxistas que viveram na cidade nessa época e levam estrangeiros a lugares como o cemitério e o edifício Mónaco”, afirmou.
Ao fim da visita dos turistas, são oferecidos suvenires com o rosto e slogans do “patrón”, como camisetas, chaveiros, canecas, café em pó, pôsteres e livros biográficos (Foto: Rodrigo Pedroso)
Um dos roteiros paralelos é oferecido por John Jairo Velazquez, o Popeye, tido como principal matador de aluguel de Pablo Escobar e que proclama ter participado de — ou ordenado — mais de 3 mil assassinatos. Depois de sair da cadeia, em 2014, Popeye vive de explorar seu passado: livros autobiográficos e um canal no YouTube o tornaram popular. No dia do tour, no trajeto entre o cemitério e o edifício Mónaco, o guia Roger disse que poderia arranjar um almoço com ele. “O Popeye fala tudo, não deixa uma pergunta sem resposta”, garantiu. O evento custaria o equivalente a R$ 200 por pessoa.
No final da visita à casa de Roberto e Laura Escobar foram oferecidos suvenires com o rosto e slogans do “patrón”, como camisetas, chaveiros, canecas, café em pó, pôsteres e livros biográficos. William, o guia entusiasmado, trabalha há cinco meses no lugar. Ofereceu, por R$ 60, uma foto autografada com Roberto e apontou para uma escrivaninha. “Podem depositar dinheiro nesse fundo falso se quiserem. As pessoas costumam fazer isso para dar sorte, porque diziam que Escobar triplicava dinheiro. Por isso é que chegou a ter uma fortuna de bilhões de dólares”, disse. Ninguém depositou cédulas no móvel. Em média, 50 pessoas visitam a casa‑museu por dia. William, no entanto, não comentou em momento algum as cerca de 20 mil mortes causadas diretamente por ações de Pablo, segundo o professor Builes — não há números precisos sobre o número real de vítimas.
Depois de o casal de peruanos ter comprado um par de canecas com a foto de Pablo com a frase “Plata o plomo”, William guiou os estrangeiros de volta à entrada da casa, onde Roberto Escobar apareceu pela primeira vez, sentado numa mesa, usando roupas simples, ao lado de sua filha Laura. Era o fim do passeio e Roberto autografou os suvenires comprados e perguntou se alguém queria tirar fotos. Alguns turistas se apresentaram. Ele respondeu secamente a algumas perguntas e contou que hoje vive de seu negócio de cavalos de raça. Citou que ficara 14 anos preso, mas não se aprofundou. Aos 71 anos, é cego do olho direito, tem pouca visão do outro e também é surdo de um dos ouvidos. São sequelas da explosão de uma carta‑bomba enviada por rivais do Cartel de Cali a Pablo quando os dois estavam presos. “Ele não falou muito. Não houve uma palavra de arrependimento, nada”, comentou Tim após Roberto despedir‑se dos visitantes e voltar para seu quarto na casa. “O tour glorifica a figura de Pablo, esperava algo mais imparcial.” O alemão entrou no táxi e começou a descer a montanha rumo ao centro da cidade — murcho como as margaridas da tumba que visitara naquela manhã.
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