DR.João Costa: eleição direta com desincompatibilização de 6 meses e respeito à janela partidária







João Costa
Política
João Costa: eleição direta com desincompatibilização de 6 meses e respeito à janela partidária
Por Redação última atualização 26 mar, 2018 às 6:41


Eleição suplementar no Estado do Tocantins

Resumo: Eleição suplementar no estado do Tocantins. Forma de eleição: direta ou indireta. Prazo de filiação para detentores de mandato eletivo, em face da justa causa criada por lei. Prazo de desincompatibilização para Prefeitos que queiram concorrer, sob pena de serem atingidos pela inelegibilidade funcional constitucional. Interpretação dada ao art. 6º, § 1º, da Resolução nº 007/2017 (TRE/AM).
INTRODUÇÃO

Ao julgar o RO nº 0001220-86.2014.6.27.0000 na manhã de 22 março de 2018, quinta-feira, referente à impugnação das eleições de 2014 para governo do Tocantins, o Tribunal Superior Eleitoral cassou o mandato do governador e da vice-governadora, respectivamente, Marcelo de Carvalho Miranda e Cláudia Telles de Menezes Pries Marins Lélis.

Considerando as condições exigidas em lei para o resgistro de candidaturas e, consequentemente, início do respectivo processo eleitoral, essa cassação faz emergir quatro questionamentos que exigem decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins e do Tribunal Superior Eleitoral: 1) A nova eleição será direta ou indireta? 2) Qual será o prazo de filiação partidária exigido dos candidatos? 3) E qual será o prazo para a desincompatibilização prevista no art. 14, § 6º da Constituição Federal para os candidatos que, ocupantes do cargo de prefeito, desejarem participar da nova eleição? 4) A que se refere a desincompatibilização prevista no art. 6º, § 1º da Resolução nº 007, de 2017, editada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas?



Tais questões encontram sua justificativa nos seguintes argumentos que também servem de sustentação:
FORMA DA ELEIÇÃO SUPLEMENTAR NO TOCANTINS

A referida cassação implica a realização de uma eleição suplementar. Essa eleição deve ser direta. O caso não comporta eleição indireta (por Deputados da Assembléia Legislativa). Isso porque, à luz do disposto no artigo 224, §§ 3º e 4º, inciso II, do Código Eleitoral, o Tribunal marcará eleição direta no prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.

Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.

[…]
3oA decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados.
4o A eleição a que se refere o § 3ocorrerá a expensas da Justiça Eleitoral e será:

I – indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato;

II – direta, nos demais casos. (g.n.)

No caso, o governador Marcelo Miranda e a vice-governadora Cláudia Lélis foram eleitos no primeiro turno, e a votação de ambos atingiu mais da metade dos votos do estado. Com a efetividade da decisão do Tribunal Superior Eleitoral, a vacância também se dará faltando mais de seis meses para o final dos respectivos mandatos.

No julgamento do RO nº 2246-61.2014.6.04.0000/AM, ao examinar matéria semelhante, o Tribunal Superior Eleitoral entendeu que a eleição, nesse contexto, deveria ser direta, conforme descrito na ementa a seguir:

Ementa

[…]
Determinação de realização de novas eleições diretas para governador do Amazonas, na forma do art. 224, § 3º e 4º, do Código Eleitoral e dos precedentes desta Corte (ED-REspe 139-25).

Em 8 de março de 2018, ao julgar a ADI nº 5525, relatada pelo Ministro Roberto Barroso, a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade da expressão “após o trânsito em julgado” constante do art. 224, § 3º Código Eleitoral, bem como conferiu interpretação conforme a Constituição ao § 4º do mesmo artigo, de modo a afastar de seu âmbito de incidência, tão somente, as situações de vacância nos cargos de presidente e vice-presidente da República. A decisão do julgamento dessa ADI foi:

Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou parcialmente procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da locução “após o trânsito em julgado”, prevista no § 3º do art. 224 do Código Eleitoral, e para conferir interpretação conforme a Constituição ao § 4º do mesmo artigo, de modo a afastar do seu âmbito de incidência as situações de vacância nos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, bem como no de Senador da República. Vencido, em parte, o Ministro Alexandre de Moraes, nos termos de seu voto. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 8.3.2018.

As razões referidas permitem a conclusão de que, no caso concreto do Tocantins, a eleição deve ser direta, uma vez que a vacância dos cargos de governador e de vice-governador ocorreu quando ainda faltavam mais de seis meses para o final do mandato.
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DA FILIAÇÃO PARTIDÁRIA

A filiação partidária como condição de elegibilidade encontra-se prevista no art. 14, § 3º V da Constituição Federal.
3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:

(…)

V – a filiação partidária;

Tratando-se de norma constitucional de eficácia limitada, o prazo de seis meses, destinado à filiação partidária, foi fixado no art. 9º da Lei nº 9.504, de 1997 (Lei das Eleições), e pode ser alterado por Resolução da Justiça Eleitoral.

Art. 9º Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de seis meses e estar com a filiação deferida pelo partido no mesmo prazo.

Pelos termos desse artigo, 7 de abril de 2018 representa a data limite para a filiação partidária dos que – sendo detentores de mandato eletivo – pretendem concorrer às eleições ordinárias que se realizarão em 7 de outubro próximo.

No caso de eleições suplementares, no julgamento dos Mandados de Segurança nºs 3327, 3387 e 3709, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que o prazo de filiação definido em lei ordinária deve ser mantido, ou seja, atualmente 6 meses.

Embora o caso enfocado revele particularidades que não foram objeto de exame nos precedentes citados, na linha da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, elas ensejam o reconhecimento de uma situação jurídica excepcional que se configurou na data da cassação realizada por esse Tribunal, qual seja, a justa causa decorrente da aplicação do art. 22-A, III, da Lei 9.096, de 1995 (Lei dos Partidos).

Isso porque, da Resolução nº 21.093 (PA 18.793), relatada pelo Ministro Sepúlveda Pertence, que orientou os julgamentos dos mandados de seguranças referidos, constou, expressamente, a ressalva de que a elegibilidade ou não dos candidatos seria “decidida à vista da situação existente na data do pleito anulado”. A propósito, leia-se o voto do eminente Relator.
I) Na hipótese de renovação da eleição conforme o art. 224 do Código Eleitoral, a elegibilidade ou não dos candidatos será decidida à vista da situação existente na data do pleito anulado. (g.n.)

Vê-se que, à época dos julgamentos dos citados Mandados de Seguranças, não havia lei estabelecendo determinada justa causa legitimadora da troca de partidos, a exemplo do que ocorre atualmente. No julgamento do RO nº 2246-61.2014.6.04.0000/AM, também não havia dita exceção.

Na espécie, a cassação dos mandatos se deu em 22 de março de 2018, em plena vigência do prazo da justa causa que permitiu a troca de partidos, a teor do disposto no art. 22-A, III, da Lei 9.096, de 1995, com início em 7 de março e término em 7 de abril de 2018.

Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito.

Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses:

[…]

III – mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.

Note-se que não perderá o mandato aquele que, estando amparado pela justa causa referida, tenha deixado um partido por qualquer motivo e se refiliado a outro no período entre 7 de março e 7 de abril de 2018.

Pelo mesmo fundamento jurídico, também não perderá sua elegibilidade aquele que tiver trocado de partido no mesmo período, para eleição suplementar que ocorrer antes dos 6 (seis) meses previstos no art. 9º da Lei nº 9.504, de 1997. O motivo dessa conclusão é simples: se a desfiliação de um partido por detentor de mandato eletivo e sua refiliação a outro não atinge seu mandato e, por conseguinte, sua elegibilidade ao tempo de sua última eleição, pelo mesmo motivo também não pode atingir sua elegibilidade com relação à eleição suplementar.

Do contrário, haverá uma contraditio in terminis e um inaceitável casuísmo, ou seja, todos os candidatos que trocaram de partidos por acreditarem estar amparados pela justa causa não podem participar da eleição suplementar.

No caso concreto, o processo que deu origem à cassação do governador e da vice-governadora do Tocantins foi distribuído à Ministra Luciana Lóssio em 22 de outubro de 2015, tendo sido incluído em pauta para julgamento em 16 de fevereiro de 2017. Em razão de pedido de vista, foi enviado ao gabinete do Ministro Luiz Fux em 17 de agosto de 2017 e reincluído em pauta de julgamento em 15 de março de 2018. Verifique-se que transcorreram quase dois anos e meio entre a distribuição dos autos do processo ao Tribunal Superior Eleitoral e o final de seu julgamento.

Na espécie, eventual atraso na prestação jurisdicional não pode prejudicar os jurisdicionados que pretendem concorrer à eleição suplementar. Se o julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral tivesse ocorrido mais brevemente e fora do prazo da exceção prevista no art. 22-A, III, da Lei 9.096/95, poder-se-ia aceitar a anterior orientação jurisprudencial desse Tribunal, quanto à exigência de seis meses de filiação partidária para concorrer à eleição suplementar. Todavia, isso não ocorreu.

A situação jurídica sofreu alteração, e os jurisdicionados acreditaram – e acreditam – na força normativa dessa lei. Em um Estado Democrático de Direito, não é legítimo o prejuízo imposto a alguém que, simplesmente, decidiu seguir e cumprir a lei.

A aplicação do art. 22-A, III da Lei 9.096, de 1995, ao caso concreto deve ser vista como um instrumento de tutela da segurança jurídica e da confiança, como princípio da boa-fé objetiva, como fator de proteção da igualdade perante a jurisdição do Estado e, ainda, como elemento de coerência do ordenamento jurídico.

Sabe-se que a segurança jurídica é uma faceta intrínseca ao Estado de Direito. Dela decorre a vedação a decisões surpresa (Verbot von Überraschungsentscheidungen)[2] e a obrigação estatal de estabelecer regras de transição quando da mudança abrupta de regimes jurídicos ou da superveniência de fatos que alterem drasticamente a situação jurídica de um indivíduo, tal como a permissão de troca de partido no período de 7 de março a 7 de abril de 2018.

Somente sem decisões surpresa e com regras de transição objetivas e bem delimitadas pode-se assegurar a tutela da confiança(Vertrauensschutz), que implica a proteção da legítima expectativa suscitada pelo Estado nos cidadãos.[3]

No caso concreto, a criação de uma justa causa por lei – doutrinariamente chamada de “janela partidária”, por permitir que detentores de mandatos eletivos troquem de partidos – suscitou uma legítima expectativa nos agentes políticos: a previsão legal de que poderiam mudar ou permanecer sem partido sem serem prejudicados. A exigência de filiação política anterior a uma eleição inesperada viola a confiança que a “janela partidária” suscitou/suscita nos agentes políticos.

Acresça-se que, embora a filiação partidária seja condição constitucional de elegibilidade, o prazo de 6 meses, estabelecido para tal, decorre de lei ordinária que, como já dito, é ato normativo abaixo da Constituição; logo, pode ser alterado por Resolução da Justiça Eleitoral.

Além disso, a aplicação desse prazo de 6 meses (por força da Lei nº 9.504, de 1997) a uma eleição surpresa, surgida logo após outra lei ter autorizado a mudança de partido (Lei nº 9.096, de 1995) contraria a segurança jurídica assegurada na Constituição Federal e inerente ao Estado de Direito Democrático, conforme seu art. 1º, caput.

Por fim, tendo a cassação dos mandatos, foco deste estudo, ocorrido no período da justa causa fixada por lei, a Resolução nº 21.093 (PA 18.793), do Tribunal Superior Eleitoral, recomenda a fixação de uma nova orientação jurisprudencial, considerando a singularidade do caso.

Contudo, o anterior entendimento do Superior Tribunal de Justiça, continua sendo válido para os candidatos que não sejam detentores de mandato eletivo, uma vez que a justa causa mencionada alcança apenas os agentes políticos que estejam exercendo mandatos eletivos.

Conclui-se que deverão ser admitidas as filiações partidárias, de detentores de mandatos eletivos, realizadas no período de 7 de março a 7 de abril de 2018, para fim de participação dos filiados na eleição suplementar, independente do motivo da desfiliação do partido anterior.
DA DESINCOMPATIBILIZAÇÃO

A aplicação da incompatibilidade, prevista no art. 14, § 6º da Constituição Federal, traduz uma inelegibilidade funcional.

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

[…]
6º Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.

O § 6º do art. 14 da Constituição Federal impede que o presidente da república, os governadores de estado e do Distrito Federal e os prefeitos concorram a outros cargos sem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito. Isso significa que, no exercício do cargo, eles podem concorrer, apenas, à reeleição para um único período subsequente (CF, art. 14, § 5º).

Não tendo a Constituinte de 1988 feito qualquer distinção entre eleições ordinárias e eleições suplementares, para fim de aplicação do dispositivo constitucional citado, não é certo nem justo que uma Resolução da Justiça Eleitoral possa fazê-lo.

Esse dispositivo constitucional (art. 14, § 5º da CF), de aplicação imediata, busca proteger o patrimônio e o bem público, além da preservar a moralidade administrativa e o equilíbrio em todo o processo eleitoral. Busca também afastar o gestor por determinado período e, com isso, evitar o desequilíbrio e a violação do princípio da igualdade nesse processo.

A incompatibilidade prevista no art. 14, § 6º da Carta Magna tem o desiderato ético, político e social de prevenir uma possível utilização indevida da estrutura administrativa. Trata-se de hipótese constitucional de incompatibilidade e, como tal, insuscetível de mitigação em favor de seus destinatários.

A inteligência normativa do Constituinte de 1988 considerou, entre outros fatores, que constituiria interferência e violação à isonomia entre os candidatos permitir que um prefeito participasse de uma eleição no mesmo estado, sem ter renunciado a seu mandato com, no mínimo, 6 meses de antecedência ao pleito.

Não há dúvida de que, antes desse prazo, um prefeito, na condição de maior gestor municipal – não se trata de um simples servidor público –, terá significativa vantagem em relação aos demais candidatos, no que tange à visibilidade proporcionada pela prática de atos administrativos naturaisem sua gestão, como inaugurações, abertura e encerramento de processos licitatórios, contratações de empresas, nomeações e contratações de servidores, entre outros.

Isso sem falar, também, na afinidade e no nível de influência que o prefeito afastado pode manter com seu vice-prefeito no prazo dos seis meses que seguem o afastamento.

A propósito, é o magistério do Prof. José Afonso da Silva, citado pelo Ministro Celso de Mello, no julgamento do RE 758.461, e pelo Ministro Teori Zavascki, no RE 843.455:[4]

As inelegibilidades têm por objeto proteger a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta (art. 14, § 9º). Elas possuem, assim, um fundamento ético evidente, tornando-se ilegítimas quando estabelecidas com fundamento político ou para assegurarem o domínio do poder por um grupo que o venha detendo, como ocorreu no sistema constitucional revogado. Demais, seu sentido ético correlaciona-se com a democracia, não podendo ser entendido como um moralismo desgarrado da base democrática do regime que se instaure. Legitimar-se o controle monopolístico do poder, por núcleos de pessoas unidas por vínculos de ordem familiar , equivaleria , em última análise, a ensejar o domínio do próprio aparelho de Estado por grupos privados. Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a questão do Estado é, por essência, a questão do poder. A patrimonialização do poder, vale dizer , a ilegítima apropriação da res publica por núcleos estamentais ou por grupos familiares, alternando-se em verdadeiras sucessões dinásticas, constitui situação de inquestionável anomalia, a que esta Suprema Corte não pode permanecer indiferente. A consagração de práticas hegemônicas na esfera institucional do poder político conduzirá o processo de governo a verdadeiro retrocesso histórico, o que constituirá, na perspectiva da atualização e modernização do aparelho de Estado, situação de todo inaceitável.

Ao julgar matéria semelhante, o Supremo Tribunal Federal aplicou a inelegibilidade prevista no § 7º do art. 14 da Constituição Federal com idêntico prazo às eleições suplementares (RE nº 843.455/DF).

Ementa

[…]
As hipóteses de inelegibilidade previstas no art. 14, § 7º, da Constituição Federal, inclusive quanto ao prazo de seis meses, são aplicáveis às eleições suplementares. Eleição suplementar marcada para menos de seis meses do afastamento do prefeito por irregularidades.

O Estado de Direito caracteriza-se pela instituição de mecanismos que coíbem o abuso de poder. Dois dos principais instrumentos de controle nesse sentido são: a separação de poderes e o pacto federativo.[5] Na situação em comento, se o Poder Judiciário permitir que um prefeito se candidate a outro cargo antes dos seis meses previstos em Constituição Federal para sua desincompatibilização, ele dará causa à violação desses instrumentos, em um descumprimento cabal das autonomias de entes federados distintos.

Nesse sentido, é crucial estabelecer limites entre a atuação dos diferentes entes federativos e os diferentes agentes públicos. Ao redor do mundo, criaram-se diferentes arranjos institucionais para impedir o abuso de poder praticado por agentes políticos e por entes federativos distintos.

Em alguns sistemas parlamentares, por exemplo, a Constituição delimita as áreas de atuação do Executivo e do Legislativo, de modo a não haver uma indevida interferência de um sobre o outro.[6] Em um sistema presidencialista – sobretudo como o brasileiro –, a necessidade de limites é ainda maior. Isso porque o uso da máquina pública para favorecer grupos políticos ou para a perpetuação de pessoas no poder ameaça a renovação dos agentes públicos e a escolha esclarecida por parte do eleitor.

Dessa forma, o § 6º do art. 14 da Carta Magna zela pela liberdade do eleitor e pelos princípios da moralidade e da impessoalidade. Da mesma forma que um indivíduo pode celebrar um contrato sem vontade esclarecida, a população de um ente federativo pode ser manipulada por meio de manobras espúrias, levadas a cabo, por exemplo, por ex-prefeitos que, ao saberem de uma eleição suplementar, deixariam seus cargos imediatamente.

Não se pode admitir, por exemplo, que um ex-prefeito seja candidato a governador sem deixar seu cargo no prazo previsto no art. 14, § 6º da Carta Republicana. Como já dito, no exerício do cargo, ele pode concorrer apenas à reeleição.

O constituinte brasileiro, assim como os constituintes de outras grandes constituições, sabia que o poder tende a corromper. E o melhor antídoto contra o abuso de poder é instituir limitações constitucionais que proíbam certas condutas.

Do contrário, a máquina pública tenderá a ser usada para favorecer interesses pessoais. Estado e município são entes diversos, e seus interesses, por vezes, são antagônicos. Só pode atuar como chefe do executivo municipal um agente que saiba, ao menos em tese, defender os interesses do município. A Constituição Federal criou, portanto, uma presunção absoluta de que aquele que não deixou o cargo até 6 meses antes de ser candidato a outro cargo não é capaz de diferenciar o público do privado ou diferenciar, em suas magnitudes, questões municipais de questões estaduais.

Essa norma constitucional encerra uma escolha popular fundamental, que visa a salvaguardar a higidez do voto e a evitar o uso da máquina pública para interesses pessoais. Protege, ademais, o fair play democrático e a igualdade de chances. Mesmo que se entenda que a máquina pública não foi usada de maneira imoral, o chefe do Poder Executivo municipal goza de visibilidade ímpar, e seu comando sobre a administração é vasto.

Permitir que um prefeito – sobretudo de capital – concorra ao cargo de governador sem deixar o cargo com a antecedência devida é, manifestamente, inconstitucional. Não apenas se vulnera o § 6º do art. 14 da CF, como também se compromete o fair play democrático. Sem que o prefeito deixe o cargo tempestivamente, não há igualdade de chances entre os concorrentes ao pleito. Os demais candidatos participarão de uma corrida injusta, semelhante à disputada entre uma lebre e uma tartaruga.

A propósito, John Rawls já advertia que as desigualdades só se justificam quando estão a serviço de todos. Não se pode privilegiar determinados indivíduos ou conferir-lhes uma prerrogativa, a não ser como forma de beneficiar aqueles que não detêm tais privilégios ou prerrogativas.[7]Admitir que o chefe do Executivo concorra a outro cargo sem renunciar ao mandato vigente dentro do prazo previsto significa dar-lhe uma margem de vitória que prejudica os demais candidatos e obnubila a vontade do eleitor. É assim que se criam castas políticas.
DA DESINCOMPATIBILIZAÇÃO PREVISTA NA RESOLUÇÃO Nº 007/2017, EDITADA PELO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO AMAZONAS

De acordo com o artigo 6º, § 1º, da Resolução nº 007/2017, editada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas para disciplinar a eleição suplementar de 2017 nesse estado, o candidato deve desincompatibilizar-se até 24 (vinte e quatro) horas após sua escolha em convenção.

Art. 6º.
1°. O candidato deverá desincompatibilizar-se até 24 (vinte e quatro) horas após sua escolha em convenção.

Tem sido divulgado pela imprensa, ao tratar da eleição suplementar no Tocantins, que o dispositivo referido autoriza a candidatura de dois prefeitos que acenam com uma renúncia até o próximo dia 7 de abril, com o fito de disputarem a eleição suplementar para os cargos de governador e de vice-governador desse estado.

O art. 6º, § 6º da Resolução nº 007/2017 (TRE/AM), contudo, não detém a elasticidade que estão pretendendo dar a ele. A desincompatiblização ali referida diz respeito às inelegibilidades funcionais de servidores públicos, descritas na Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar 64/90), de maneira especial no artigo 1º, incisos II e III.

Nesse ponto específico, a inelegilidade funcional de presidentes, governadores e prefeitos têm um regramento próprio e status constitucional. Nessa condição, recebem tratamento normativo específico no art. 14, § 6º da Constituição Republicana.
CONCLUSÃO

No Tocantins, a eleição suplementar deve ser direta, no prazo de 20 a 40 dias, contados da data de declaração da vacância dos cargos e da publicação do acórdão do TSE. Preenchidos os requisitos inerentes ao ius honorum (direito de votar), essa eleição, como qualquer eleição direta, deve contar com a possibilidade de ampla participação popular.

Podem ser candidatos todos os detentores de mandatos eletivos que, estando desfiliados por qualquer motivo, se refiliarem no período de 7 de março a 7 de abril de 2017, em face da justa causa criada pelo artigo 22-A, III, da Lei 9.096, de 1995 (Lei dos Partidos).

Para concorrerem à eleição suplementar, os candidatos, que não estiverem exercendo mandatos eletivos, deverão estar filiados, no mesmo partido, a, no mínimo, seis meses antes da eleição, uma vez que não são alcançados pela justa causa que autoriza a troca de partidos.

Somente podem participar dessa eleição suplementar no Tocantins os prefeitos que tiverem renunciado a seus cargos até seis meses antes da eleição suplementar, sob pena de estarem funcionalmente inelegíveis.

Por fim, a desincompabilização, disciplinada no art. 6º, § 1º da Resolução nº 007/2017 (TRE/AM), não se aplica ao presidente, aos prefeitos e governadores, uma vez que esses possuem regramento específico na própria Constituição Republicana de 1988, cujo texto não pode ser alterado por Resolução da Justiça Eleitoral.

NOTAS
João Costa é mestre em Dogmática Jurídica pela Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi aluno do doutorado em Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UnB). Especialista em Direito Processual Civil. Pós-Graduado pela Escola Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Ex-Secretário de Segurança Pública do Tocantins e atual suplente de Senador da República por Tocantins (2010-2019). Professor Universitário. Advogado.
RZEPKA, Dorothea. Zur Fairness im deutschen Strafverfahren. In: Juristische Abhandlungen Bd. 37, Frankfurt am Main 1998/1999, Vittorio Klostermann Verlag, p. 168.
KLOEPFER, Michael. München: C.H. Beck, Band I, 2011, pp. 329 ss.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 5ª ed. São Paulo: RT, 1989, p. 334/335.
STERN, Klaus. Das Staatsrecht der Budnesrepublik Deutschland: Staatsorgane, Staatsfunktionen, Finanz- und Haushaltsverfassung, Notstandsverfassung. München: C.H. Beck, Band II, pp. 513 ss.
SAJÓ, András; UITZ, Renáta. The Constitution of Freedom: An Introduction to Legal Constitutionalism. Oxford: Oxford University Press, 2018, pp. 242 ss.
RAWLS, John. A Theory of Justice. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1999, p. 60.

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