As voltas que a Justiça dá

Carlos José Marques


16.mar.18 - 18h00
As voltas que a Justiça dá

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Não tem sido fácil para a ministra Cármen Lúcia manter o mínimo de dignidade e liturgia institucional no Supremo. As pressões são enormes, como ela mesma admite. As injunções e incursões de figuras alheias ao funcionamento da Alta Corte, que trafegam pelos corredores do STF e tomam as salas dos excelentíssimos ministros como se fossem donos do pedaço, são de estarrecer qualquer guardião da lei e da ordem comprometido com o princípio de que a Constituição tem de valer e ser seguida à risca por todos os homens – sem acertos de última hora ou ajustes para acomodar eventuais inconvenientes que atinjam esse ou aquele dignitário cidadão da República. Querem, a qualquer custo, quebrar com esse pilar de civilidade. Legisladores, advogados, juízes, aliados, a corriola de adoradores e bajuladores do ex-presidente Lula avançam em romaria em direção ao Supremo na busca do casuísmo que livre o líder petista da cadeia. Nunca se viu nada parecido. Os poderosos, de maneira geral, habitam um mundo onde a influência, o “sabe com quem está falando?”, conta muito, especialmente em republiquetas das bananas, como o Brasil invariavelmente, em ocasiões do tipo, costuma se portar. Trata-se de uma estranha patologia nacional, está de bater à porta de meia dúzia de notáveis, toda vez que, para o bem ou para o mal, um desejo fora do convencional e do que manda a regra é gestado por essa turma. Agora acorre-se ao doutor Sepúlveda Pertence, juiz aposentado do STF, imbuído às pressas do papel de defensor de Lula, para polir a imagem dele nos tribunais que o condenam. E o togado Pertence, investido de seu sacrossanto saber jurídico e acolitado por arcanjos do Congresso, pontifica sobre o insustentável: revisitar a lei a fim de modificá-la para barrar a execução de pena em segunda instância que empurra Lula, inevitavelmente, para as grades. Ou, por atalhos ainda mais tortuosos, busca um habeas corpus redentor, um quase indulto a ferir frontalmente a lei em vigor. De uma maneira ou de outra, não são nada republicanas as gestões em curso. E a razão dessas manobras é, ao menos em parte, a abertura concedida pelos senhores magistrados para tal. Assiste-se, assim, ao trêfego debruçar de representantes legais em discussões de apelo forense nos gabinetes dos ministros do STF que, de sua parte, avaliam e reavaliam alternativas, serzem e descosturam artigos constitucionais de maneira a oferecer interpretações passíveis de atender aos interesses demandados. A propensão nesses casos é a dos senhores magistrados frequentarem os enganos mais redondos. Virou corriqueiro, de uns tempos para cá, amarrotar a Carta Magna, com a complacência dos tribunais. O que está em jogo nessa pajelança legal é a credibilidade do Judiciário e do sistema de leis que regem suas decisões. Na Alta Corte é flagrante a fragilidade nas convicções jurídicas de alguns membros. O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, já foi favorável ao cumprimento da pena na condenação em segunda instância. Votou nesse sentido na última sessão do colegiado que deliberou a questão. Agora pensa em voltar atrás. Na semana passada, livrou quatro condenados da prisão que se encontravam nessas circunstâncias. O decano Celso de Mello, por sua vez, com a toga sempre polida e barrete peremptório, tenta empreender uma cruzada deveras constrangedora: liderar os colegas para o retrocesso, provocando mais uma vez a discussão com o objetivo de rever entendimentos anteriores para, claramente, favorecer Lula. Mello, cujo aplomb jurídico é respeitado por seus pares, trata de enriquecer a coreografia de suas últimas aparições públicas com uma profusão garbosa de argumentos sobre liberdade individual, presunção de inocência e quetais para tratar do que realmente interessa. Curiosamente outros quatro mil processos, em condições semelhantes ao de Lula, não tiveram tamanho engajamento lá atrás nem invocação dos riscos de injustiça, como é feito agora. Decerto choca o País o sobranceiro atrevimento com que alguns magistrados advogam ao sabor das circunstâncias. As idas e vindas nas deliberações funcionam como verdadeiros agentes de instabilidade no sistema judicial. Mendes, com seus ralos cabelos, meticulosamente penteados para trás, cada fio em seu lugar, como convém a um restaurador da ordem, está sorvendo com prazer e vagar os resultados de suas falas, que parecem convencer cada vez mais convivas. Na outra ponta, opositora de calibre e resistência, Cármen Lúcia desponta como fiapo de esperança da legalidade brasileira. A Ópera dos Embusteiros do PT seguiria seu curso se uma juíza de verdade não atravessasse a partitura com a protofonia da Constituição e os acordes do Código Penal. Designada presidente do Supremo, Cármen Lúcia limitou-se a cumprir seu dever. Enxergou as coisas como elas são, eviscerou o esquema criminoso e, amparada na lei, deixou claro que corrupção dá cadeia.

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