STF mantém regras para demarcação de quilombos e rejeita 'marco temporal'
STF mantém regras para demarcação de quilombos e rejeita 'marco temporal'
João Fellet - @joaofelletDa BBC Brasil em Brasília
8 fevereiro 2018
Image captionRepresentantes de quilombolas defendem que titulação de terras é importante para garantir segurança e acesso a políticas públicas | Foto: Ag. Brasil
O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou nesta quinta-feira que o decreto presidencial que define os ritos para demarcações de terras quilombolas é constitucional, rejeitando uma ação do antigo PFL (atual Partido Democratas) que pedia a revisão das regras e podia paralisar cerca de 1,5 mil processos.
Dez ministros votaram pela constitucionalidade do decreto, e apenas um - o relator Cesar Peluzo, que deixou a corte em 2012, quando começou o julgamento - votou contra.
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A decisão foi considerada "histórica" por quilombolas. "O Estado brasileiro deu um passo à frente no processo de reparação a tudo o que aconteceu ao nosso povo", disse à BBC Brasil Demildo "Biko" Rodrigues, membro da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
Ele disse que o placar folgado da votação surpreendeu as comunidades "devido ao tempo sombrio que vivemos".
O STF também rejeitou uma proposição do ministro Dias Toffoli para que fosse estabelecido um "marco temporal" para todas as demarcações de áreas quilombolas e indígenas.
Segundo o princípio, só teriam direito a reivindicar terras os indígenas e quilombolas que as ocupassem quando a Constituição de 1988 foi promulgada. A adoção do conceito do marco temporal é defendida pela bancada ruralista no Congresso, mas combatida por indígenas e quilombolas, muitos dos quais dizem ter sido expulsos de seus territórios originais antes de 1988.Image captionPartido que questionou regras de demarcação de terras quilombolas chegou a mudar de opinião e dizer que ação foi erro | Foto: Ag. Pará
Segundo Toffoli, a falta de um "marco temporal" tem travado as demarcações, ao torná-las mais complexas. Ele disse que o princípio só não deve ser observado nos casos em que as comunidades tenham sido apartadas das terras ancestrais por "ato ilícito".
O ministro Edson Fachin afirmou, no entanto, que muitas comunidades teriam dificuldade em comprovar a posse das terras antes de 1988, já que "as realidades quilombolas eram absolutamente invisíveis até pouco tempo". A postura foi endossada pela maioria dos colegas.
"Equívoco"
A Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.239 - levada ao STF quando o DEM ainda se chamava PFL, em 2003 - questionava a validade de um decreto presidencial que define os critérios para a demarcação dessas áreas.
Na terça-feira, o atual presidente do DEM, senador José Agripino Maia, disse à BBC Brasil que o partido havia mudado sua postura em relação ao tema e que a sigla cometera um "equívoco" ao propor a ação. Como o julgamento já havia começado, porém, não era mais possível retirá-la.
Juristas avaliavam que, se o decreto fosse derrubado, as demarcações seriam paralisadas até o estabelecimento de novas regras, o que não teria prazo para ocorrer.Image captionDisputa entre quilombolas e ruralistas expõe divergências quanto à interpretação legal do conceito de quilombo | Foto: Imprensa MG
Segundo o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), 220 territórios quilombolas já foram titulados no país, e outros 1,5 mil estão em processo de regularização. Vários processos se arrastam há mais de uma década.
Autoidentificação
A ação proposta pelo PFL dizia, entre outros pontos, que demarcações de quilombos não poderiam ter sido regulamentadas pela Presidência, e sim pelo Congresso.
O decreto que regula o tema foi assinado em 2003 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e mudou os trâmites da demarcação, tornando-a uma competência do Incra. Até então, o papel cabia à Fundação Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura.
A ação também questionava a possibilidade de que os quilombos se autoidentificassem. Para o PFL, apenas comunidades fundadas por escravos fugidos poderiam ser consideradas quilombolas e reivindicar terras.
O STF decidiu, porém, que a autodeclaração é legítima.
Nas últimas décadas, tem prevalecido entre os quilombolas o entendimento da Associação Brasileira de Antropologia (Aba) segundo o qual o termo quilombo se aplica a comunidades negras "que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar", não necessariamente fundadas por ex-escravos.
Para Demildo "Biko" Rodrigues, da Conaq, a decisão do STF "é um primeiro passo, mas ainda há um longo caminho para assegurar que nossos direitos sejam efetivados".
Ele disse que o principal desafio das comunidades agora é "dialogar com o Executivo para que sejam mobilizados recursos para acelerar os processos" de demarcação.
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