RIO DE JANEIRO VIOLÊNCIA SEM FIM-O Rio de Janeiro tem solução?
O Rio de Janeiro tem solução?
DANIEL CERQUEIRA*
02/02/2018 - 20h25 - Atualizado 02/02/2018 20h34
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CIDADE DE DEUS
Morte de traficante provocou protestos e conflitos com a polícia em bairro símbolo da violência carioca (Foto: Ricardo Moraes)
O fato notável é que um abismo separa o ambiente antes e após a Olimpíada. Até os
Jogos, reinava um clima de otimismo econômico e uma aparente tranquilidade na segurança pública que sacramentava o virtual sucesso das UPPs e uma diminuição nas taxas de homicídio que vinha desde 2003. Mal acabou o evento e os recursos federais secaram, a crise econômico-financeira bateu forte e o ex-governador Sérgio Cabral foi preso, quando se revelou a teia criminosa que governava o estado. No rastro desses acontecimentos, a taxa de letalidade violenta veio aumentando desde 2016, o roubo de carga explodiu e os incessantes tiroteios nas comunidades voltaram a fazer parte do cotidiano do carioca: na cidade maravilhosa foram 688 trocas de tiros apenas no primeiro mês de 2018.
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Claramente, a crise econômica e o completo vácuo de liderança política foram elementos importantes para fazer eclodir a atual onda de violência. Contudo, as raízes do problema continuavam firmes há tempos: presença de facções criminosas, de narcotraficantes (que se fortalecem dentro das cadeias) e de milicianos; grande disponibilidade de armas de fogo e de munição; territórios complexos e com urbanização caótica; elevado contingente de crianças e jovens sem acesso a um desenvolvimento infantil minimamente razoável, a uma educação de qualidade e a oportunidades no mercado de trabalho; disseminada corrupção em muitos segmentos policiais; opção por um modelo de polícia falido, baseado apenas na reação, na ostensividade e na brutalidade; e falta de comprometimento com políticas a favor da vida, balizadas em método, diagnóstico, monitoramento e avaliação, e não no voluntarismo, no “achismo” e na reunião de última hora logo após a tragédia ali na esquina.
A crise econômica, além de afetar o orçamento da segurança pública, aumentou os incentivos ao crime (via desemprego) para muitos jovens que estavam no limiar entre as atividades legais e ilegais. A nulidade política à frente do estado emanou uma sinalização clara aos grupos criminosos de fora e de dentro das organizações policiais: essa é a hora de ganhar mercados e aumentar a lucratividade, pois as chances de respostas e reações significativas são residuais. De fato, não há outra área de política pública cuja liderança e cujo comprometimento do governador sejam tão importantes como a segurança.
Mesmo com todos os problemas, há sim esperança para o Rio. A condição sine qua non passa por estabelecer uma verdadeira e comprometida liderança política com a questão da preservação de vidas. Faz-se necessário trocar as reações midiáticas pelo planejamento e pelo método focado em objetivos, cujas ações devem mirar o curto, o médio e o longo prazo.
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A curto prazo, os objetivos devem pautar a retirada de armas e munições das ruas; as prisões de homicidas contumazes; e a desarticulação dos grupos criminosos que mais danos e medo causam à sociedade. Para que isso possa ser feito, há que mudar a forma de funcionamento das polícias, que deve ser orientada pela inteligência, pela informação e pelo absoluto respeito à Lei. Um sistema integrado de inteligência policial baseado em protocolos e orientado não apenas para objetivos operacionais e táticos, mas estratégicos, há que ser criado, assim como um forte trabalho de contrainteligência (com mecanismos de investigação proativa) e de investigação de homicídios deve ser prioritário. Nesse contexto, uma força-tarefa interinstitucional com a participação da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário é fundamental. Sem fazer uma intervenção profunda nas corporações a fim de extirpar a banda podre das polícias, não haverá solução.
No médio prazo, há que ter forte investimento na reordenação urbana, sobretudo em locais que o estado simplesmente abandonou e a que não tem acesso, como nos complexos do Chapadão e do Jacaré, entre outros, de modo a restringir as oportunidades e aumentar o custo para perpetrar crimes.
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Ainda que as medidas acima surtam efeito relativamente rápido, a sustentabilidade da paz social só será conseguida com ações de longo prazo focadas, sobretudo, no desenvolvimento infantil (do pré-natal aos 6 anos); oportunidades de acesso à boa educação, à cultura e a esportes para crianças e jovens; e o acesso ao mercado de trabalho para os jovens adultos. Não precisamos fazer uma revolução no Rio de Janeiro, mas mudar a realidade de alguns bairros, onde os problemas estão concentrados. Para ter uma ideia, 50% dos homicídios na cidade acontecem em apenas 17 bairros. Nessas localidades, a intervenção do estado com planejamento, método e boas políticas é capaz de evitar que a criança de hoje seja o bandido de amanhã.
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EM FUGA
Motoristas abandonaram carros com medo do tiroteio na Linha Amarela, um dos principais acessos do Rio (Foto: Antônio Scorza)
Daniel Cerqueira é pesquisador do Ipea e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
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