Monitoramento das mídias sociais revela alto engajamento dos conservadores Um ano de monitoramento das redes sociais mostra que o movimento conservador tem alto engajamento e seu racha é iminente
Monitoramento das mídias sociais revela alto engajamento dos conservadores
Um ano de monitoramento das redes sociais mostra que o movimento conservador tem alto engajamento e seu racha é iminente
PEDRO BURGOS
22/02/2018 - 08h00 - Atualizado 22/02/2018 15h54
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Acompanhar o Carnaval virou uma experiência bastante peculiar com os comentários ao vivo nas redes sociais. E neste ano não foi apenas pelos memes no Twitter e pelas fantasias engraçadas no Instagram, mas sim pelas discussões acaloradas sobre o conteúdo político de algumas escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro. Enquanto os blogs de esquerda reclamavam do 2º lugar da Paraíso do Tuiuti – denunciando o que seria um novo “golpe” contra a escola, que trouxe críticas ao governo Temer –, a página do Facebook do Movimento Brasil Livre (MBL) lembrava que os carnavalescos que chamaram a reforma trabalhista de “nova escravidão” só empregam três pessoas em regime celetista.
Essa última informação não saiu em lugar algum nos principais veículos de imprensa, mas teve ampla repercussão na ala mais liberal da direita na internet, em seus veículos próprios. Esse, porém, não foi o único assunto da movimentada Quarta-Feira de Cinzas: em outro canto da direitosfera, viralizava um vídeo de uma enorme carreata pró-Bolsonaro em Quixadá, no Ceará. Outro braço, com o apoio de articulistas conservadores, compartilhava um vídeo de “polonesas contra o feminismo”.
Desde que comecei a monitorar as discussões sobre política nas redes sociais, em janeiro de 2017, me surpreendeu não apenas a predominância das páginas mais à direita no espectro político no topo do ranking de engajamento no Facebook, como também a relativa diversidade de pautas – e ocasional discordância – entre elas.
Isso não deveria ser surpresa, já que reconhecemos e estudamos a pluralidade dentro da esquerda, de sindicalistas a ecologistas – mas não é incomum ver “a direita” sendo agrupada de maneira mais ou menos amorfa, sem muita nuance, entre analistas políticos brasileiros. Ao falar do “avanço do conservadorismo”, por exemplo, Dilma Rousseff coloca Donald Trump, o prefeito João Doria e o presidenciável Jair Bolsonaro no mesmo balaio. Para a filósofa Marcia Tiburi, nomes como Kim Kataguiri, do MBL, e Alexandre Frota, ator que virou ativista, representam a mesma coisa – um novo “fascismo”. Perde-se a nuance, perde-se inteligência sobre o que se passa na cabeça de uma vasta parcela da população brasileira, que é bastante barulhenta on-line.
LINHA DURA Vídeos, depoimentos e posts contra “bandidagem e pessoal dos direitos humanos” atraem seguidores para Jair Bolsonaro (Foto: Leonardo Benassatto/Reuters)
Há, é claro, pautas em comum: navegando pelas páginas à direita, o antipetismo segue sendo um tema forte, ainda que sem o mesmo fôlego de antes. O que é natural: afinal, foi a mobilização pelo impeachment de Dilma Rousseff que catapultou a presença virtual de grupos como MBL, Vem pra Rua e Movimento Contra a Corrupção (MCC) – hoje a maior página de direita no Facebook brasileiro em compartilhamentos de postagem. Essas mantêm um discurso anticorrupção, moralizante, forte, mas com o inimigo favorito, Lula, perdendo espaço, às vezes falta assunto.
A direita lamenta repasse de dinheiro público a escolas de samba e gasto com bêbados e valentões
Há outros temas que rendem cliques no seu lugar. Alguns influenciadores da direita, como a família Bolsonaro e as páginas adjacentes, focam especialmente na segurança pública. O vídeo de um policial militar discursando contra leis brandas para assaltantes – e recebendo aplausos de populares –, por exemplo, teve centenas de milhares de visualizações na página do deputado carioca durante o Carnaval. Vídeos, depoimentos e posts indignados contra a “bandidagem” e o “pessoal dos direitos humanos” que a protege são sempre um hit também.
O discurso contra subvenções estatais a ricos, artistas ou “esquerdistas” em geral também vem sendo um tema favorito de muitos nas redes sociais. E nem Luciano Huck e seu jatinho com financiamento a taxas atrativas pelo BNDES escapam à ira das páginas de direita. Durante a festa de Momo, a direitosfera fazia questão de lamentar o financiamento dos cofres públicos a cada uma das escolas de samba ou as “ambulâncias disponibilizadas para atender bêbados de plantão e valentões”, nas palavras de Rachel Sheherazade. A frase da jornalista virou uma imagem com letras garrafais (um meme) nas mãos da Folha Política – uma página conservadora que tinha pelo menos cinco vezes mais engajamento que a página da Folha de S.Paulo antes de esta anunciar sua saída do Facebook. Foi a recordista de compartilhamentos no Carnaval.
CONFUSÃO IDEOLÓGICA Militantes de direita criticam o tucano João Doria por improvável inclinação à esquerda (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress)
Como em tudo na política, porém, os diferentes grupos brigam por espaço e por isso precisam deixar suas diferenças visíveis. Isso foi evidente no início do ano, quando uma série de reportagens da Folha de S.Paulo lembrou que Jair Bolsonaro s usufrui de auxílio-moradia mesmo tendo imóveis em Brasília. Grupos mais liberais, como o MBL e o Instituto Liberal de São Paulo – think tank com forte presença na rede –, foram rápidos em atacar o deputado, assim como articulistas da mídia mainstream associados à direita. A dúbia posição da família Bolsonaro sobre a reforma da Previdência o afastou ainda mais dos liberais, que dão cada vez mais espaço a Flávio Rocha, dono da Riachuelo. Até segunda ordem – ou o segundo turno, pelo menos –, há um claro racha na direita por causa da figura polarizadora do populista carioca.
Ele não é o único que sofre. Do outro lado, há meses o PSDB – e João Doria mais especificamente – recebe ataques de dentro da direita. Por ser “de esquerda demais”, de acordo com seus críticos de lá. Um post intitulado “8 pontos que mostram que João Doria não é de direita, e sim socialista fabiano” teve mais de 15 mil compartilhamentos no Facebook. “Fabiano”, no caso, é uma alusão aos membros da Fabian Society, ingleses que defendiam, na década de 1930, a revolução socialista por meio de lentas reformas no governo, dentro da democracia. Hoje os fabianos da Inglaterra são trabalhistas moderados – mas isso não impediu o filósofo Olavo de Carvalho de martelar o rótulo e popularizar seu uso para que seus seguidores temessem “lobos na pele de cordeiro”.
Postagens mostram fragmentação
de grupos de direita que deve se
refletir na disputa eleitoral de 2018
Graças a Olavo de Carvalho e intelectuais associados, ao longo de 2017 o PSDB virou, para muitos da direitosfera – bolsonaristas e fãs de Trump, especialmente –, tão esquerdista quanto o PT. Verdade seja dita, meses depois, Olavo de Carvalho se arrependeu, tuitando: “Por que, c*, por que fui ensinar à garotada o que era socialismo fabiano? Agora eles enxergam socialismo fabiano até em barraquinhas de cachorro-quente”.
O MENTOR O filósofo Olavo de Carvalho arrependeu-se de ensinar seus seguidores a identificar “lobos em pele de cordeiro” (Foto: Vivi Zanatta/Folhapress)
Ao vermos o movimento da direita brasileira nas redes sociais com uma lupa, temos uma amostra de quão fragmentadas podem ser as eleições. Mas não apenas isso. Ver o que é discutido nessas páginas dá uma ideia de quantos assuntos que interessam bastante a uma parcela expressiva da população escapam à cobertura da mídia tradicional. Não parece haver espaço nos sites de notícias para mostrar o 8º Batalhão de Engenharia de Construção fazendo estradas em Mato Grosso, mas o militarismo nacionalista interessa aos seguidores de Jair Bolsonaro, que curtem e compartilham uma foto dos militares com orgulho. Enquanto um jornal do Pará noticia como positivo o fato de um detento passar em 1º lugar no vestibular por meio do Sisu, o perfil do Twitter da “Caneta Desesquerdizadora” destaca que o rapaz estava condenado por estuprar três crianças. Se a métrica é engajamento nas redes sociais, o punitivismo costuma ganhar das histórias de redenção.
As pessoas mais sagazes da direitosfera sabem que muito do que é mostrado ali não tem qualquer reverberação nos jornais, nas revistas e nos telejornais. Críticos que não conhecem muito bem o que é publicado nesses espaços vão dizer que o jornalismo profissional não reverbera a direita das mídias sociais porque há muitas fake news. É claro que há uma boa dose de notícias falsas, exageros ou simplificações nessas páginas – como há em qualquer extremo dos espectros políticos. A verdade é que esse discurso interessa aos diversos matizes da direita. A mídia tradicional, dos grandes veículos, está aos poucos se tornando – talvez inconscientemente – o grande antagonista da direita brasileira, ainda mais agora com Lula provavelmente fora do páreo. A estratégia de deslegitimar o que a imprensa fala sobre a direita teve algum sucesso com Trump, que teve eleitores inoculados contra ataques (uma enorme parte justificados) que ele sofreu da mídia.
O bordão “a mídia não mostra” é usado à direita e à esquerda como estratégia para deslegitimar a imprensa
É curioso ver, em 2018, muitas das postagens das páginas de direita acompanhadas da mensagem “Isso a mídia não mostra”. Um bordão que era usado por petistas até ontem. Tão importante quanto ter seguidores é ter inimigos bem definidos.
Pedro Burgos é consultor de mídia e pesquisador visitante na BricLab, Escola de Relações Públicas Internacionais da Universidade de Columbia, em Nova York. Lançou, em fevereiro, o Burgos Media Watch, observatório de mídia brasileira focado no Facebook
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