Adotar hábitos saudáveis reduz em 40% a incidência de câncer
Entrevista
SÉRGIO SIMON
Adotar hábitos saudáveis reduz em 40% a incidência de câncer
Gabriel Reis
Cilene Pereira
Edição 02.02.2018 - nº 2511
O médico Sérgio Simon tem 68 anos, 38 deles dedicados ao tratamento de pacientes com câncer. Agora à frente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, entidade que reúne 1,4 mil especialistas brasileiros, Simon tem pela frente o desafio de ajudar a tornar mais acessíveis os recursos modernos contra a doença, que já chegou à marca de 600 mil novos casos por ano no País. Entre eles, os medicamentos imunoterápicos, hoje considerados uma das principais armas para reduzir ou curar tumores por agirem de forma muito mais precisa e menos danosa às células saudáveis em comparação à quimioterapia convencional. Outras urgências são oferecer mais opções para a aplicação de radioterapia, bastante usada para bloquear o crescimento dos tumores de forma não invasiva, e ampliar a rede de centros cirúrgicos. “Um dos problemas é que a marcação da consulta para as cirurgias já demora até três meses”, disse o médico nessa entrevista à ISTOÉ, na qual também fala do papel da fé e da importância do estilo saudável de vida no combate à enfermidade.
Com tantas prioridades no tratamento do câncer no Brasil, quais serão as suas metas à frente da Sociedade?
Vou trabalhar para melhorar o acesso à terapia oncológica no sistema público. Um dos passos é manter a interlocução com o Ministério da Saúde, sugerindo a introdução de novas tecnologias e medicamentos na lista dos recursos disponíveis no Sistema Único de Saúde. Há várias patologias contra as quais o SUS ainda está defasado em relação ao que é oferecido pela saúde complementar.
A lista de remédios disponíveis está muito desatualizada?
Sim. Embora, para surpresa nossa, o governo tenha aprovado no ano passado um tratamento bem atual para o câncer de mama HER2 positivo (constitui cerca de 20% dos casos). Não estávamos esperando por isso. As drogas agora disponíveis na rede pública fazem muita diferença para essas pacientes. A sobrevida delas fica muito maior quando são utilizadas. Isso merece destaque. Por outro lado, há muitas outras opções de remédios, para diversos tumores, que ainda não chegaram ao SUS. Queremos auxiliar o ministério a encontrar soluções junto com as companhias farmacêuticas para que fiquem disponíveis.
O que é mais urgente para ser incorporado?
Um exemplo são opções contra o câncer de pulmão com mutação em EGFR (tipo que atinge até 60% dos casos em não fumantes). Hoje há um tratamento por via oral, bem melhor para o paciente, mas que não está disponível no sistema público. Em vez de tomarem um comprimido por dia apenas, os pacientes são submetidos à quimioterapia. O resultado do tratamento é inferior e a toxicidade, maior.
A espera por radioterapia pode chegar a seis meses. Nesse tempo, você pode perder a chance de curar um paciente
E quanto à lista de espera para a realização de cirurgias ou de tratamentos como a radioterapia? Uma lei federal determina que o início do tratamento ocorra dois meses após o diagnóstico, mas dificilmente é o que acontece.
As duas coisas são os grandes gargalos do sistema. É preciso que seja feita uma ampliação da rede e no parque de radioterapia. Em seu governo, a ex-presidente Dilma Rousseff se dispôs a comprar oitenta aparelhos, o que diminuiria a fila de espera para radioterapia. Isso foi em 2012 e aparentemente só um deles foi instalado. A espera por esse tipo de tratamento pode chegar a seis meses. Nesse tempo, dependendo do tipo de tumor, você pode perder a chance de curar um paciente.
O problema está somente na disponibilização de máquinas?
Não. Um avanço importante nos últimos anos foi o de fazer o tratamento radioterápico mais rapidamente. Mas essa técnica não pegou muito porque o reembolso da radioterapia é feito pelo número de sessões às quais o paciente é submetido. Para tratar uma metástase óssea (quando o tumor expande-se do local original e chega aos ossos), o tratamento clássico determina que as aplicações sejam realizadas em vinte dias. O pagamento por cada uma delas equivale a vinte frações. No entanto, hoje algumas metástases ósseas podem ser combatidas em uma única aplicação, de dose alta. Isso desocuparia o aparelho para outras dezenove sessões. Porém, o reembolso dessa única sessão equivale somente a uma fração. Então, ninguém quer fazer.
Como alterar isso?
A ideia é mudar o sistema de pagamento pelo processo de atendimento. Para o tratamento de uma metástase óssea, independentemente de ser feito em um, cinco, dez ou vinte dias, o reembolso seria o mesmo. Seria uma maneira inteligente de desafogar as filas e fazer os pacientes receberem a ajuda da qual necessitam. O câncer de mama, por exemplo, normalmente é tratado em 25 ou 30 frações, o que dá uma média de cinco a seis semanas de tratamento. Mas várias pacientes podem ser auxiliadas com um protocolo de dezesseis sessões. Ou seja, na metade do tempo.
O que é possível fazer em relação à espera cirúrgica?
Temos muito pouco a oferecer. Existe a necessidade de se ampliar a rede hospitalar e seus centros cirúrgicos. Um dos problemas, no entanto, é que a marcação de consulta para a cirurgia, o ponto inicial do processo todo, já demora de dois a três meses. Às vezes mais do que isso. Em instituições menores e mais distantes dos grandes centros a situação é ainda pior.
Como o governo reage às colocações da entidade?
Minha gestão começou recentemente, mas nas interlocuções anteriores já havia uma conversa melhor do que a que tínhamos na administração da ex-presidente Dilma. O que desejamos é ser parceiro do governo, mas muitas vezes eles tratam a sociedade com um certo antagonismo, algo desnecessário que não interessa a ninguém.
Como o sr. compara a assistência pública oferecida no Brasil em relação a de outros países?
O atendimento no sistema público do mundo inteiro é difícil. O lugar onde talvez a questão tenha sido melhor equacionada seja a Europa. Nos Estados Unidos, os pacientes sem planos de saúde são tratados de maneira pouco eficiente. Estive recentemente no Nepal. Fiquei lá quinze dias trabalhando como voluntário pela Sociedade Americana de Oncologia Clínica. Nos hospitais públicos, o paciente não tem nenhum apoio. Tudo lá é pago. Mas a população é muito pobre. As pessoas, a maioria miseráveis, ou pagam ou simplesmente não têm acesso aos tratamentos. Porém, em muitos casos elas conseguem opções muito mais baratas, como os remédios genéricos fabricados na Índia. A experiência me mostrou que temos muito o que aprender. Eles acabam dando soluções como essa. No Brasil, o custo do tratamento de pacientes com câncer de pulmão com mutação em EGRF é de R$ 4 mil por mês. Lá, o genérico do remédio custa US$ 60 dólares por mês (cerca de R$ 190).
E a eficácia?
Deve ser equivalente. Vi os mesmos efeitos que estou acostumado a observar no Brasil. Os efeitos sobre o tumor são muito parecidos. Isso quer dizer que a droga funciona.
O que justificaria uma diferença de preço tão grande entre medicamentos de igual eficácia?
A Índia não tem lei de patentes. Eles podem copiar tudo. Portanto, não há o gasto para desenvolver drogas, algo realmente gigantesco. Mas, mesmo assim, há uma gordura grande no preço cobrado pelas indústrias farmacêuticas. Cabe ao governo sentar com as companhias e oferecer contrapartidas para a comercialização dos medicamentos que passem por um preço muito diferenciado para o Estado. Nesse ano, espera-se a chegada ao País dos biossimilares (produtos muito semelhantes aos medicamentos biológicos, produzidos a partir de um organismo vivo). Talvez isso force os preços para baixo. O Ministério da Saúde deve se aproveitar disso e disponibilizar o que for possível na rede pública.
Uma pesquisa da Sociedade de Oncologia Clínica mostrou que quatro em cada dez entrevistados admitem ter conhecimento apenas mediano sobre o câncer. Como o sr. explica isso?
A mensagem certa não está sendo passada. Falta campanha educativa continuada. A informação não pode ser dada uma vez e nunca mais. Assim como o médico deve continuar se atualizando, o público leigo também tem que ser relembrado de manter hábitos saudáveis. Poucos brasileiros sabem, por exemplo, que o álcool contribui para vários tipos de câncer, como o de cabeça e pescoco, de esôfago e de fígado. Também hoje é consenso que o câncer de mama é bem mais frequente em mulheres que bebem regularmente.
Qual o peso dos hábitos de vida no desenvolvimento da enfermidade?
Obesidade, exposição à luz do sol sem proteção, sedentarismo e dieta pobre em fibras e rica em gordura e frituras, por exemplo, podem diretamente influenciar no desenvolvimento da doença. Adotar hábitos saudáveis de vida reduz a incidência de câncer em 40%, o que é um número muito grande. Apenas cessar o tabagismo baixaria 30% dessa taxa. E não estamos falando de nada de outro mundo. Basta adotar uma dieta mais saudável, controlar o peso, fazer exercício, não fumar e beber apenas socialmente.
Marcelo Rezende teve uma atitude desesperada e ganhou uma sobrevida muito curta
O brasileiro continua a associar o câncer ao medo?
O estigma tem diminuído. Em 1980, quando cheguei dos Estados Unidos depois de concluir minha formação, ninguém nem falava a palavra câncer. Fui aconselhado a não ter a descrição “oncologista” no meu cartão. Hoje fala-se na doença abertamente.
O mesmo levantamento realizado pela Sociedade demonstrou que 78% dos participantes acreditam no poder da fé para curar o câncer. Por que esse índice é tão alto?
A fé é um componente auxiliar no tratamento. Ela dá força para que os pacientes enfrentem a enfermidade e sigam com o tratamento corretamente. O que ela não pode fazer é induzir o indivíduo a substituir as orientações médicas por terapias alternativas sem fundamento científico. Muita gente se aproveita da situação do paciente e vende esse tipo de coisa. É criminoso.
O jornalista Marcelo Rezende, vítima de câncer de pâncreas, abandonou a quimioterapia para seguir uma dieta que supostamente mataria o tumor e morreu meses depois. Qual sua opinião?
Ele teve uma atitude desesperada e acabou ganhando uma sobrevida muito curta. Ficou muito claro que não houve qualquer beneficio.
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