Haemagogus: O agente amarelo

Haemagogus: O agente amarelo

Esse é o Haemagogus. É o mosquito transmissor da febre amarela silvestre, a doença que se espalha pelo país e causa filas gigantescas nos postos de vacinação

SÉRGIO GARCIA
19/01/2018 - 18h10 - Atualizado 19/01/2018 18h14
haemagogus - personagem da semana (Foto: sem dados)
Por razões evidentes, vamos excluir os políticos da concorrência. De uns tempos para cá, o vilão número um do brasileiro tem nome e sobrenome familiares a todos: Aedes aegypti. Esse minúsculo voador tornou-se o principal desafio da saúde pública do país por ser vetor de moléstias que se transformaram em epidemias responsáveis pela morte de milhares de pessoas. O inimigo agora é outro. Bem parecido, mas outro. Atende por Haemagogus, como foi batizado o mosquito transmissor da febre amarela silvestre, doença que se espalha pelo país e tem levado as pessoas a formar filas gigantescas nos postos de vacinação.
Não se trata de histeria. No ano passado, foram registrados no Brasil 761 casos desse tipo de febre amarela, um número assombroso se comparado ao total de 842 notificações da doença feitas desde 1980, quando teve início a medição divulgada pelo Ministério da Saúde, até 2016. Em 2017, a doença matou 246 pessoas no Brasil. Na quinta-feira passada, a vítima foi o compositor Flávio Henrique, parceiro de Milton Nascimento e Toninho Horta, que morreu após uma semana de internação num hospital de Belo Horizonte.
Pivô de todo esse alvoroço, o Haemagogus é imperceptível quando alça voo. Mesmo parado, é preciso uma lente de aumento para vê-lo em destaque. Mas vale a pena admirar, de perto, suas particularidades estéticas. O Haemagogus ganharia com facilidade um concurso de beleza entomológico. “Ele é mais bonito que uma borboleta”, enfatiza, com boa dose de fascínio, Ricardo Lourenço de Oliveira, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, que há 37 anos estuda os mosquitos. O tórax do bichinho brilha, com escamas que podem reluzir as cores verde, violeta ou prateado. Sob uma abordagem mais ampliada, o gênero Haemagogus guarda parentesco com o Aedes aegypti. Eles têm em comum o tamanho – em média, 5 milímetros –, a expectativa de vida – em torno de 30 dias –, e a capacidade de aterrorizar. Possuem semelhanças não só morfológicas, mas também fisiológicas. Compartilham, por exemplo, a facilidade de abrigar vírus como o da febre amarela em seu organismo e transmiti-los aos humanos. Não à toa a denominação Haemagogus vem do grego, tem o mesmo radical das palavras hemograma e hemofilia e significa “condutor de sangue”.
No mais, eles são opostos em tudo. Para distinguir um do outro, a melhor maneira é atentar às patas: a do Aedes tem riscas brancas. Porém, nenhuma diferença é tão marcante quanto o hábitat de cada um deles. O Aedes vive em ambiente urbano e adora aconchegar-se em um domicílio, enquanto seu colega tem as preferências de um matuto. O Haemagogus habita florestas, matas, cerrados e regiões similares. Tem predileção especial pela copa das árvores, por razões interesseiras. Lá no alto ficam seus alvos preferidos: macacos, bugios, saguis e demais primatas que lhe podem fornecer sangue. Consegue sustentar voo por mais de 5 quilômetros. Geralmente faz isso ao entardecer, aproveitando a brisa que sopra na transição do dia para a noite. Está sempre à procura de comida e local para desovar. Seletiva, a fêmea de Haemagogus escolhe sempre o oco das árvores ou de um galho caído para a desova. Trata-se de tarefa complexa, mesmo para quem, como o Haemagogus, é capaz de percorrer grandes distâncias. Nessa busca, pode transitar de uma área de mata fechada a outra ou mesmo se bandear para as franjas de uma floresta. Essa facilidade de deslocamento e a possibilidade de voar longe estão na origem da expansão da febre amarela silvestre que agora tanto amedronta os brasileiros.
Aedes tem uma quedinha por pés e canelas. Menos exigente, o Haemagogus não escolhe partes do corpo para atacar
Por meio de estudos que calcularam as mutações no genoma do vírus, pesquisadores comprovaram que a febre amarela veio da África. A tese mais provável é que os ovos do mosquito viajaram em tonéis de água trazidos por navios que transportavam escravos. Tanto é que a doença se disseminou por toda a rota de tráfico de escravo e atingiu o Caribe e a América Latina. Há relatos de sintomas similares aos da febre amarela em tripulantes da viagem de Cristóvão Colombo ao Haiti no fim do século XV. No Brasil, a primeira epidemia de febre amarela irrompeu no Recife nos anos seiscentos. A partir de então, a doença virou um problema sanitário e, também, comercial para o país, que ganhou má fama mundo afora como um lugar perigoso para visitar. Com medo de contágio, viajantes evitavam o litoral brasileiro.
O jogo começou a virar no início do século XX, quando começou a caçada para exterminar o Aedes, descoberto alguns anos antes por um médico cubano como o vetor da doença. Com isso, as epidemias passaram a ser esporádicas por aqui. A última grande infestação numa capital do país ocorreu no Rio de Janeiro, em 1929. Na década seguinte, em paralelo à descoberta da vacina antiamarílica, foi aberto um novo campo de investigação sobre a moléstia. Cientistas descobriram numa região do Espírito Santo que o Aedes não era o único mosquito que atuava como vetor da doença. Havia macacos infectados, mas não foi detectada a presença de Aedes aegypti. Os trabalhos resultaram na revelação da febre amarela silvestre, transmitida pelo Haemagogus e, em menor escala, pelo mosquito Sabethes.
Em geral, ela vitimava moradores das florestas, das áreas de mata e quem se aventurava por elas. Endêmica na Amazônia e em partes do Centro-Oeste, a enfermidade, desde a década de 1990, veio se expandindo pelo país até que transbordou para áreas do Nordeste, do Sudeste e até do Sul. É um movimento contrário ao da febre amarela urbana, que é transmitida pelo Aedes e cujo último caso registrado no Brasil aconteceu no longínquo 1942. A questão que angustia a todos é a possibilidade de essa doença voltar a aparecer em larga escala nas cidades, como consequência direta da propagação de sua versão silvestre. “Há, sim, o risco de a febre amarela se reurbanizar e voltar a ser como no passado”, afirma o pesquisador Oliveira. “O vírus está circulando neste exato momento.”
A preocupação, que muitas vezes descamba em histeria, tem sido útil para conscientizar as pessoas da importância da prevenção para evitar um retrocesso no tempo. Vacinação em massa e combate sem tréguas ao Aedes são as medidas indicadas. Embora tenha entrado recentemente na galeria dos grandes vilões públicos, o Haemagogusnão desalojou o Aedes, que permanece como o único vetor da febre amarela nos espaços urbanizados. Como é fundamental conhecer os hábitos do inimigo para combatê-lo, aqui vão algumas curiosidades sobre o mosquito, agora na berlinda nacional. Apenas a fêmea do Haemagogus pica o indivíduo, em busca do sangue que é necessário para o processo de amadurecimento dos ovos. Seu horário preferido para agir é entre as 11 da manhã e as 3 da tarde, ou seja, no intervalo do dia quando são maiores o calor e a luminosidade. Outra característica do novo vilão alado é que não há uma parte do corpo que ele prefira cravar, ao contrário do Aedes, que, atraído pelo ácido lático do suor, tem uma quedinha por pés e canelas da vítima. Tal qual o Aedes, no entanto, o Haemagogus silvestre também consegue furar roupas finas e justas. Como se vê, é um inimigo traiçoeiro, invisível e com alto poder de aniquilação.

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