Fortaleza lamenta chacina e especialistas pedem medidas para área de segurança
Fortaleza lamenta chacina e especialistas pedem medidas para área de segurança
Agência Brasil27.01.18 - 19h58
“Ato selvagem e inaceitável”, disse nas redes sociais o governador Camilo SantanaDivulgação /Sinpol/Ce
A chuva deste sábado (27) poderia ser recebida de bom grado em Fortaleza, dada a estiagem que há anos castiga o Ceará. Mas as águas assumiram outro significado. “Fortaleza chora de tristeza hoje”. A frase, replicada nas redes sociais, sintetiza o sentimento dos que veem pessoas serem assassinadas constantemente na capital cearense. O rito, de tão comum, ganha ares de rotina. Apenas neste mês, 200 homicídios já foram registrados no estado, segundo a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social.
Na madrugada de hoje, 14 pessoas foram mortas na maior chacina já registrada no estado. Uma pessoa segue internada em estado grave no Instituto Doutor José Frota. O número poderia ser maior, já que uma bomba, que não chegou a explodir, foi encontrada e retirada há pouco da casa de shows, invadida por um grupo durante a madrugada, informou à Agência Brasil o presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Ceará (Sinpol-CE), Francisco Lucas de Oliveira. Ele acompanhou a operação no local, onde também ouviu relatos de que o tiroteio contra as pessoas que estavam na festa durou pelo menos 25 minutos.
Pelas redes sociais, o governador Camilo Santana referiu-se à chacina como “ato selvagem e inaceitável”. No texto, ele afirma que convocou imediatamente o secretário de Segurança, André Costa, e a cúpula da Secretaria de Segurança, e determinou “rigor absoluto nas investigações e busca incessante dos criminosos, para que todos os envolvidos sejam identificados e presos o mais rápido possível. Não aceitaremos de forma alguma que esse tipo barbárie fique impune. Confio na nossa polícia e tenho absoluta convicção de que uma resposta será dada muito em breve”.
Até agora, uma pessoa envolvida na chacina do bairro Cajazeiras foi presa, segundo a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social. Outras pessoas já foram identificadas. A polícia trabalha para deter suspeitos, auxiliada por outros órgãos públicos.
Facções
Madre Tereza de Calcutá é o nome da rua onde está localizado o forró que sofreu o ataque. Lá, a ideia de tranquilidade, associada ao nome da religiosa, não passa de lembrança.“Eu tenho 16 anos de polícia e não me recordo de ter um procedente desse tipo, porque estão ocorrendo várias chacinas, mas nenhuma assim, em um local público, com pessoas que não fazem parte de grupo algum. Morreu um homem que vendia cachorro-quente na porta, um motorista de Uber que esperava passageiro”, lamentou Francisco Lucas de Oliveira, que teme novos atos violentos em retaliação.
Parte do medo está associado à possibilidade de o ataque ter sido promovido por uma facção criminosa chamada Guardiões do Estado. “A comunidade não fala com a polícia. As pessoas sequer saem de suas casas, a rua está vazia. Hoje, Fortaleza está vivendo um clima de bastante tensão”, relata Oliveira. Outra pessoa, que não quis se identificar e esteve no local, disse à reportagem que a comunidade será submetida a toque de recolher não oficial hoje.
O secretário de Segurança, André Costa, evitou atribuir o crime à facção, argumentando que as investigações ainda estão em curso. Em coletiva, disse tratar-se de um “evento isolado” e chegou a comparar a situação com ataques a shows nos Estados Unidos. Nas redes sociais, há fotos e vídeos do grupo Guardiões do Estado reivindicando o crime, além de postagens citando bairros que poderiam vir a sofrer novas investidas.
Saídas
Luiz Fábio Paiva, professor da Universidade Federal do Ceará e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência, disse que a situação já passou de emergência para catástrofe.”As pessoas que vivem neste estado podem ser assassinadas a qualquer momento por sujeitos que estão organizados e com disposição para matar”, afirmou. Dados da Secretaria de Segurança mostram que, em 2017, ocorreram 5.134 casos de mortes violentas no estado.
Paiva acredita ser necessário redirecionar os investimentos em segurança pública. De acordo com ele, há anos que muitos recursos têm sido investidos em policiamentos ostensivo. “Esse tipo de policiamento não resolve, não é adequado para tratar esse tipo de situação.” Para ele, o resultado desse tipo de ação tem sido a prisão das pessoas que atuam no mercado de varejo de drogas, os chamados aviões.
“Todos os países que enfrentaram situações que envolvem crime organizado resolveram a questão com trabalho de inteligência e ação rápida da Justiça para apurar e responsabilizar quem de fato controla os grupos, porque você tem que desfazer todo o sistema de financiamento deles”, acrescentou o pesquisador. Em relação à inteligência, ele detalha que o que tem sido observado é o uso de armas de grosso calibre, o que denota fragilidade na proteção das fronteiras.
Para o presidente do Sinpol, Francisco Lucas de Oliveira, a situação da área de segurança exige que políticas sejam repensadas. Ele lista quatro medidas para combater as facções criminosas, como “retomar os presídios, pois é de lá que está vindo toda essa carga de comando; bater forte no poder financeiro dessas facções; desfazer a divisão dos presídios por facções, que é como eles estão organizados hoje, e fortalecer a polícia de investigação, que hoje tem uma estrutura precária”.
A Agência Brasil procurou o secretário de Segurança sobre as políticas atualmente centradas no programa Ceará Pacífico. Até a publicação desta reportagem, contudo, não obteve retorno. Costa está acompanhando as investigações no local da chacina.
Vítimas
A Coordenadoria Especial de Políticas Públicas dos Direitos Humanos (COPDH), vinculada ao gabinete do governo do estado, informou que trabalha para acompanhar as vítimas que sobreviveram e os familiares das falecidas.
“É um processo difícil, porque envolve facções criminosas. Há uma série de delicadezas no acompanhamento dessas pessoas, como saber, por exemplo, se elas permanecem em situação de ameça”, disse o coordenador da COPDH, Demitri Cruz. De acordo com ele, diálogos com outras instituições, como a Defensoria Pública do Ceará, têm sido feitos para viabilizar esse atendimento.
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