Políticos brasileiros se rendem à vendeta e ao populismo


Políticos brasileiros se rendem à vendeta e ao populismo
Sergio Lima/Folhapress





MARCOS LISBOA
SAMUEL PESSÔA
COLUNISTAS DA FOLHA02/12/2017 02h00
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Vendeta trata-se de uma vingança continuada. Após alguns confrontos acidentais, dois grupos, em geral duas famílias como em "Abril Despedaçado" de Ismael Kadare, iniciam um conflito com retaliações sucessivas, que passa a ter vida própria. O resultado costuma ser poucos sobreviventes lamentando muitas vítimas.

A política brasileira tem vivido a sua vendeta.

O PT iniciou a provocação, afinal era um pequeno partido que desafiava a ordem e precisava construir a sua identidade. Assim, justificou ser contra o Plano Real; a renegociação das dívidas dos Estados; a Lei de Responsabilidade Fiscal; o Fundef; qualquer reforma da Previdência; medidas de melhoria da eficiência da gestão de pessoal no setor público etc.

A Lusitana roda e Lula ganhou. Em um primeiro momento, o PSDB rejeitou a lógica da vendeta.

Lembrou que o seu programa e o bem-estar da sociedade estavam acima dos interesses da disputa miúda da política e apoiou a minirreforma tributária; a reforma da Previdência de Lula; a Lei do Bem; a Lei da Inovação; o Fundeb; o Prouni; além de todo o pacote de reformas no mercado de crédito que Palocci enviou ao Congresso, como a Lei de Falências, o crédito consignado, o aperfeiçoamento da alienação fiduciária para veículos automotivos e as novas regras para o financiamento de imóveis, entre muitas outras.

Nos 12 anos seguintes, porém, os conflitos entre PT e PSDB se exacerbaram e o que era conflito se transformou em vendeta.

Na última campanha eleitoral, a opção foi por desqualificar os adversários –basta lembrarmos como foram tratados Marina Silva e Armínio Fraga– e se mentiu à larga. Pior, todos os grupos políticos evitaram debater, por incompetência ou por oportunismo, a grave crise que se aproximava. O resultado foi a vitória petista por exígua vantagem, sem legitimidade para enfrentar os problemas.

Todos se acreditam com razão. O PSDB avaliou que a política de boa vizinhança e o apoio das medidas para o bem do país somente havia beneficiado o outro lado. Contra o seu legado, aprovou a regra 85/95 que, na prática, eliminou o fator previdenciário, e se recusou a negociar com Dilma o ajuste fiscal de Levy. Além do cansaço produzido pela falta de reciprocidade do PT, havia a amargura da campanha e o medo do futuro: "a gente arruma a casa, o país retoma o crescimento e teremos Lula em 18? Vamos virar Venezuela".

POROROCA

Por sua vez, o PT continuou a desqualificar o PSDB para preservar a sua agenda de poder, em meio à percepção de que o establishment o tratava pior do que aos antigos donos do poder. Para agravar, o governo Dilma Rousseff tinha pouca convicção no ajuste fiscal.

Para o PT, o passado era passado. Os primeiros anos foram de construção do partido, por isso o seu populismo irresponsável. Não se esperava que os tucanos se revelassem igualmente populistas depois da última eleição. A responsabilidade fiscal não era o legado do segundo FHC? Que negócio foi esse de pauta bomba e apostar no quanto pior melhor?

João Santana tentou se explicar: "Cachorro que ladra não morde. (...) A campanha eleitoral americana é muito mais violenta do que a brasileira". Infelizmente ele, o petismo e, mais recentemente, os tucanos não entenderam as sutilezas. O nosso presidencialismo multipartidário é distante do presidencialismo bipartidário americano. Por aqui, o presidente pode ser eleito tendo apenas 18% do Congresso Nacional.

O quadro fica ainda mais difícil se lembrarmos que temos uma extensa Constituição que acaba obrigando uma extensa maioria no Congresso para viabilizar ajustes comezinhos na gestão pública.

Desde 1989, foram aprovadas mais do que 100 emendas constitucionais. Média de 3,5 por ano, o que requer mobilizar 60% das duas casas em dois turnos.

A crise política, a incapacidade de Dilma em reconstruir a sua base parlamentar após o estelionato eleitoral (ganhou perdendo, como disse Marina Silva), as pedaladas fiscais e a percepção de que o petismo nos transformaria na Venezuela desaguaram no impedimento da presidente. Mais um round da vendeta em que os tucanos foram sócios do baixo clero.

Como sempre, todos procuram argumentar que têm razão nessa tragédia e utilizam o lustro das regras para justificar o impedimento ou denunciá-lo como golpe.

A crise econômica –resultado de muitos erros de política econômica– foi agravada pela vendeta e desaguou, qual pororoca, em uma das duas maiores perdas da renda por habitante dos últimos 120 anos. Estamos diante de um buraco fiscal imenso que demandará ajuste –queda de gasto e aumento de receita– de 6 pontos percentuais do PIB, o equivalente a criar 5 novas CPMFs.

O primeiro passo para o ajuste fiscal foi dado com a PEC do gasto. O segundo e, certamente o mais importante, é a reforma da Previdência. O governo apresentou um projeto bem menos ambicioso do que o do início do ano.

ICEBERG

Não há técnico dos dois lados da vendeta que apresente problemas relevantes na atual proposta. O PT se opõe à reforma da Previdência apesar dos seus intelectuais, como Nelson Barbosa e Celso de Barros, além de Marina Silva, a reconhecerem como necessária. O Titanic navega célere em direção ao iceberg.

A aprovação da minirreforma da Previdência é um passo importante para evitar a retomada da crise, como ocorreu em 2015.

A bola está com o Congresso. Seremos todos naufragados por um novo round que combina vendeta com populismo?

Os cabeças pretas bloqueiam o projeto em meio à surpreendente defesa das corporações de servidores públicos que, como mostra o recente relatório do Banco Mundial, têm remuneração 67% maior do que os empregados do setor privado com a mesma qualificação.

A vendeta parece culminar em uma nota patética. Os jovens do PSDB lembram o PT dos anos 1990 e jogam para a plateia. Irresponsavelmente, se pretendem defensores do bem comum ao manter o navio em rumo ao iceberg.

O resultado pode ser uma grave crise nos próximos meses. Quem mesmo vai ser eleito em 2018?

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