Estradas viram faroeste com aumento veloz do roubo de cargas

Estradas viram faroeste com aumento veloz do roubo de cargas

O roubo de carga cresce velozmente e medicamentos têm sido muito visados. Novas medidas de segurança parecem ter, neste ano, alguns bons efeitos

DENISE BRITO, COM SAMANTHA LIMA
01/12/2017 - 17h10 - Atualizado 02/12/2017 08h58
Policial aborda caminhoneiro na Avenida Brasil no Rio (Foto:  Domingos Peixoto / Agência o Globo)
Os dois carros emparelharam com o caminhão e, de dentro deles, seis ladrões mostraram suas armas. O motorista decidiu encostar. Rendido, o condutor foi mantido refém, enquanto a quadrilha bloqueava o rastreador do caminhão, retirava-o da Rodovia Presidente Dutra e o conduzia por algumas dezenas de quilômetros. Retiraram a carga de medicamentos e se foram. Isso ocorreu na noite de 8 de outubro. “Fiquei surpreso por se tratar de uma carga perecível, vacinas, itens de vida útil curta e de difícil repasse no mercado”, diz o gerente de segurança Marcio Bueno, da IBL Transportes de Valores, com dez anos de experiência. A empresa criou uma nova divisão especializada em segurança, com caminhões blindados, para atender à nova demanda do mercado, diante dos ataques dos ladrões de carga. Medicamentos têm sido muito visados num tipo de crime que cresce rapidamente. O número de ocorrências registradas de roubo de carga em geral no país cresceu 86% em cinco anos, de acordo com um estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). O Rio é o estado mais duramente afetado. O número de ocorrências quase empata com o de São Paulo, estado com economia bem maior e bem mais populoso (leia o quadro abaixo).
Os assaltantes preferem produtos de maior valor agregado, como os indicados para tratamento de câncer e para impotência sexual. Mas não são os únicos. “Os ladrões buscam tudo que possui grande receptividade entre a população, incluindo analgésicos, antigripais, medicamentos para pressão alta e polivitamínicos”, afirma Saulo Júnior, presidente da Associação Nacional de Farmacêuticos Atuantes em Logística (Anfarlog). “Os bandidos preferem (medicamentos de) escoamento rápido. E os caminhões trafegam com cargas mistas, ou seja, são sempre visados”, afirma Michell Lugas, executivo no Grupo Golden Sat, de gerenciamento de risco.
O custo gerado pelas medidas de proteção contra roubo de carga pode levar a um custo adicional de aproximadamente 10% do preço do frete – um preço que vai encarecendo toda a cadeia e chega ao consumidor. Com o crescimento dos ataques nas rodovias, principalmente nos últimos seis anos, as seguradoras de carga elevaram o preço de suas apólices e passaram a exigir mais medidas de segurança por parte das transportadoras. Como resposta, as transportadoras criaram áreas internas específicas para tratar da segurança e novas políticas de prestação de serviços. “Cerca de 15 anos atrás, as transportadoras não adotavam as medidas de proteção disponíveis no mercado, e nós, das seguradoras, tínhamos de fazer um esforço de convencimento para isso”, diz Fernando Takezawa, diretor da corretora de seguros Trade Vale. “Hoje, com o alto risco de roubo nas estradas, isso passou a ser obrigatório.” A eficácia das medidas em andamento é bem contestável. O caminhão roubado na Dutra não era blindado, o que poderia ter evitado o roubo. Mas tinha rastreador – que foi simplesmente neutralizado pelos bandidos. “Mesmo com os equipamentos não é possível garantir 100% de segurança”, diz Bueno, da IBL.
Os produtos farmacêuticos corresponderam a 5% do total de roubos de carga registrados no estado de São Paulo de janeiro a outubro deste ano. Os outros produtos mais roubados são os de consumo de massa, como alimentos, cigarro, bebida e roupas, e os de uma outra categoria de alto valor agregado (como os medicamentos), os eletroeletrônicos, segundo um levantamento da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP). “Começamos a ver aumento dessa atividade em 2011, mas em 2016 essas ocorrências chegaram a triplicar”, afirma a deputada estadual Martha Rocha (PDT-RJ), presidente da  Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e delegada da Polícia Civil. “Ele (o ladrão) não visa mais a apenas grandes cargas, mas um produto de colocação imediata. Por isso,  as mercadorias mais visadas são medicamento, cigarro, alimentos, combustíveis.” A deputada foi uma das palestrantes no seminário Ilegal, e daí?, ocorrido na quinta-feira, dia 30, no Rio de Janeiro, promovido pelos jornais Extra O Globo. O evento, com parceria de Valor e ÉPOCA, e tem o patrocínio de Enel, Light, Sindicom e Souza Cruz.
Por se tratar de carga valiosa, o transporte de medicamentos vem recebendo mais cuidados. E alguns dos esforços em prevenção contra o roubo começam a mostrar resultados positivos, embora ainda não oficiais. Há uma percepção geral entre os profissionais do setor de que o roubo de medicamentos ainda cresce, mas em proporção bem abaixo das demais categorias de carga no país. Um levantamento informal feito pela gerenciadora de riscos Brasil Risk com seguradoras e corretoras sugere uma desaceleração dos roubos de medicamentos em relação a outros produtos. Em média, o mercado relata aumento de 22% nas ocorrências totais, enquanto os medicamentos registram alta entre 5% e 10%, comparando ocorrências do primeiro semestre de 2017 com o mesmo período de 2016. “As empresas vêm usando mais escoltas armadas, rastreadores (nos caminhões) e iscas (rastreadores no interior da carga). Esse investimento feito em segurança tem influenciado as estatísticas de roubo”, diz Cristiano Tanganelli, sócio diretor da Brasil Risk.
A evolução ainda precisa ser confirmada e não ocorre de forma homogênea no país todo. “No Brasil inteiro tenho tido notícia de que o roubo de carga de medicamentos cai, com exceção do Rio de Janeiro, onde segue com até quatro ocorrências por semana”, diz Venâncio Moura, diretor de segurança do Sindicarga, sindicato do transporte de carga e logística do Rio de Janeiro. Como no combate a toda forma de crime, a solução exigirá atuação em múltiplas frentes, do poder público e das empresas envolvidas. E precisará incluir também a ponta compradora – os varejistas e os cidadãos precisam rejeitar mercadoria de
procedência suspeita.

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