Produto granulado de Doria fere Direito Humano à Alimentação Adequada, diz Conselho Regional de Nutrição







ANTONIO GUIMARAES










Produto granulado de Doria fere Direito Humano à Alimentação Adequada, diz Conselho Regional de Nutrição

Em nota, entidade afirma ser contra proposta da Prefeitura de distribuir composto para famílias em situação de carência alimentar na cidade.




Por G1, São Paulo

13/10/2017 16h20 Atualizado há 22 horas




Granulado e biscoitos feitos a base de Farinata (Foto: Rosanna Perroti/Divulgação)



O Conselho Regional de Nutrição se manifestou contrário à proposta da gestão João Doria (PSDB), que vai distribuir um composto para famílias em situação de carência alimentar e que procurem os equipamentos sociais da cidade de São Paulo.


Em nota, a entidade afirma que a ação fere os princípios do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e vai contra os avanços em políticas públicas de combate à fome a desnutrição.


"O Conselho Regional de Nutrição se manifesta contrário à proposta, pois contraria os princípios do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), bem como do Guia alimentar para a população brasileira, em total desrespeito aos avanços obtidos nas últimas décadas no campo da segurança alimentar e no que tange as políticas públicas sobre as ações de combate à fome e desnutrição", diz o texto.


O produto em formato granulado será doado pela empresa Plataforma Sinergia, que fabrica o composto a partir de alimentos que estão perto da data de vencimento e fora do padrão de venda em supermercados.




Comida de astronauta?




Diretamente de Milão, na Itália, João Doria (PSDB) rebateu nesta quinta-feira (12) as críticas. Para o prefeito, o produto, que chegou a ser comparado com "ração", é consumido por astronautas.


Segundo Doria, o alimento "foi desenvolvido por cientistas, trabalho de anos, elaborado com enorme cuidado e foi submetido à Prefeitura de São Paulo com todos os respaldos de universidades, cientistas, uma elaboração correta. O alimento utilizado dura anos, o alimento utilizado é o mesmo que os astronautas consomem quando vão em missões espaciais”.


O argumento, entretanto, contradiz o que informa a Nasa em seu site oficial. De fato, comer no espaço exige adaptações de preparo e estocagem. Mas a comida precisa ser, além de rica em nutrientes, minimamente gostosa.


A gravidade reduzida faz os alimentos flutuarem - justamente por isso, temperos e condimentos são consumidos em forma líquida. Entretanto, frutas, legumes e carnes estão liberadas em sua forma natural.



"Os astronautas podem escolher entre vários tipos de comida, entre elas frutas, castanhas, frango, carne, frutos do mar, balas, chocolates. As bebidas incluem café, chá, suco de laranja e limonada", diz o texto.




Embate




Como o G1 mostrou, a ação faz parte da Política Municipal de Erradicação da Fome, lançada pelo prefeito nesta semana. A distribuição será feita nos centros de assistência social e em cestas básicas para as famílias carentes. Especialistas ouvidos pelo G1 divergem sobre a medida. Parte deles faz ressalvas ou mesmo critica o uso do produto em vez de alimentos tradicionais.


De acordo com o prefeito, o alimento é rico em proteínas, vitaminas e sais minerais. “É bom, eu experimentei, comi, não tem nenhum problema, tem vários sabores inclusive. O alimento ali utilizado é o que o Exército utiliza em situações de emergência em lugares inóspitos, onda há dificuldade de alimentação. Esse tipo de alimento é o que nutre em proteínas, vitaminas e sais minerais", disse.


Quando apresentou o programa Alimento para Todos, Doria explicou que a distribuição começará em outubro, será gradual, por meio de igrejas e da sociedade civl organizada. "[Começará] em São Paulo, inicialmente, e depois em todo o Brasil. É um produto abençoado", disse.


Na ocasião, o prefeito distribuiu o produto em um pote com uma imagem de Nossa Senhora Aparecida e disse que ele se parecia com biscoito de polvilho.


O nutricionista Daniel Bandoni, pesquisador da Unifesp, comparou o produto a uma "ração" sem sabor. "Isso descontextualiza totalmente o caráter do que é comer. Comer é um ato que vai além de suprir nutrientes", afirma. "A gente não coloca só a comida na boca, mastiga e engole."


Ele explica que a alimentação precisa trabalhar os sentidos e que é uma prática também ligada à cultura. Para Bandoni, o uso de granulados pode afetar a autoestima da população submetida a esse tipo de alimento. Ele defende o uso apenas em casos emergenciais, quando não for possível adotar outras políticas de acesso a alimentos.



Ainda segundo o especialista, bancos de doações de alimentos já fazem trabalhos de limpeza e corte de itens que estão por vencer e fazem a distribuição sem descaracterizar os produtos. Empresas em São Paulo já doam alimentos perto da data de vencimento. A novidade é o formato granulado.


A nutriocionista Roseli Ueno afirma que a opção pelo granulado é válida e que esse tipo de alimento garante bom aporte nutricional. "É uma forma de agregar alimentos e fornecer nutrientes para aqueles que têm pouco acesso ou vivem em situação de fome". Ela opina que "jogar fora alimentos, quando há pessoas passando fome, não faz o menor sentido".


Roseli defende que o fornecimento do alimento deve ser acompanhado de uma fiscalização para garantir que ele chegue à população em boas condições de consumo. "É preciso ter qualidade, segurança, boa prática de fabricação e vigilância de fato, para saber se os nutrientes estão realmente presentes, sejam eles carboidrato, proteína, gordura, fibra, vitaminas ou minerai.” Sobre a aparência, Ueno diz considerar importante e ressalta que o granulado pode ser usado de base para fabricar outros alimentos.


Para a nutricionista Natália Soares, o cidadão tem o direito de se alimentar com comida na sua "forma natural". "Acho que está sendo feito um produto para suprir uma necessidade que não sabemos se de fato está sendo suprida e esquecendo o direito do cidadão de ter uma alimentação da forma natural através de frutas, legumes e verduras", afirma.


Também nutricionista, Andrea Marim opinou que o uso de granulado deve ocorrer apenas de forma emergencial, e não de maneira permanente e institucionalizada. "Deve-se dar preferência aos alimentos tradicionais", resume.


Em sua página no Facebook, a vereadora Sâmia Bomfim (PSOL) afirmou que protocolou um requerimento nas secretarias envolvidas para buscar mais detalhes sobre a fabricação e a distribuição do alimento.



"É curioso a gestão Doria propor essa política depois de alegar que reduziu itens da merenda escolar para combater a obesidade. Assim como diminuiu a aquisição de produtos orgânicos distribuídos nas escolas. Segundo dados do Ministério da Saúde e do Inquérito de Saúde da Capital (ISA Capital), não há prevalência de desnutrição em São Paulo", diz.




Produtos




A empresa Plataforma Sinergia defende que o produto pode servir para fabricar alimentos, pães, snacks, bolos, massas e sopas, entre outros. O granulado será feito a partir de alimentos como batata e banana, segundo a empresa.


De acordo com Rosanna Perroti, presidente da Plataforma Sinergia, os alimentos serão processados com um produto granulado chamado pela empresa de Farinata. Ele será distribuído em pó, mas também poderá ser combinado com outros ingredientes, de acordo com a necessidade de um grupo específico ao qual será direcionado. "Então teremos um estoque de carboidratos e um estoque de fibra. Se o público for de criança, produziremos um alimento final que seja apetitoso e nutritivo a elas", disse.


Procurada, a Prefeitura de São Paulo disse que a política de distribuição dos alimentos ainda está "sendo elaborada" e "seguirá as necessidades e os anseios da população". A princípio, não há possibilidade de o produto ser distribuído em escolas e creches como merenda escolar.

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