A febre amarela e o descaso com a saúde Ministério da Saúde esqueceu de combinar com os mosquitos transmissores da febre amarela o que ia declarar sobre a incidência dessa enfermidade no Brasil. Entre a nocividade do inseto e a impensada fala de autoridades está novamente o País


A febre amarela e o descaso com a saúde
Ministério da Saúde esqueceu de combinar com os mosquitos transmissores da febre amarela o que ia declarar sobre a incidência dessa enfermidade no Brasil. Entre a nocividade do inseto e a impensada fala de autoridades está novamente o País


2017 Filas intermináveis nos postos de vacinação, em São Paulo: a culpa é do governo federal (Crédito: NEWTON MENEZES/FUTURA PRESS)


por Antonio Carlos Prado27.10.17 - 18h00



O Ministério da Saúde esqueceu de combinar com os mosquitos transmissores da febre amarela o que ia declarar sobre a incidência dessa enfermidade no Brasil. Entre a nocividade do inseto e a impensada fala de autoridades está novamente o País – e, nesse momento, sobretudo o estado e a cidade de São Paulo – sob a mira de uma epidemia da doença que recidiva em nosso território após setenta e cinco anos de sua erradicação.

Há um mês, o ministro Ricardo Barros declarou que estava completamente eliminado o surto de febre amarela que se iniciara em dezembro de 2016 e deixara no Brasil o trágico registro de 777 casos relatados com 261 mortes. As provas maiores, mais triste, mais dolorosas e mais revoltantes de que aquilo que a Nação ouvira do ministro não correspondera à realidade puderam ser mensuradas na semana passada nas esticadas filas que se formaram em São Paulo, nas quais cada cidadão teve de esperar, em média, quatro horas para ser vacinado.

A razão de tanto medo da população e das providências imediatas do governo paulista e da administração municipal paulistana foi o aparecimento de macacos mortos no horto florestal e demais parques do município – pelo menos em um animal, até a quarta-feira 25, confirmou-se a infecção.

Na contramão do Ministério da Saúde, os governantes de São Paulo, estadual e municipal, priorizaram a gravidade da situação, mobilizaram-se na primeira hora para vacinar dois milhões e quinhentas mil pessoas, aumentaram diariamente o número de postos de atendimento, fecharam cerca vinte parques e não se acomodaram na conversa deletéria de que os moradores de locais urbanos não devem temer os surtos silvestres da moléstia.

Como não dá para acreditar que alguém creia que vírus saiba ler placas indicativas de cidades, e ficar, então, confinado no mato, é claro que quem errou foi o ministério a minimizar uma situação que continuava carecendo, no mínimo, de combate e controle. A responsabilidade pelo desconforto, pânico e infindáveis filas é, assim, de âmbito federal.

Diante do novo quadro da doença, o ministério declarou que de fato o recente surto se encerrara e que, agora, trata-se de um novo ciclo do vírus. Não é nada disso. Em um mês não viria novo ciclo. Mais: não dá para ficar atado à tese de que vírus silvestre não vai atacar na cidade, tanto que a OMS é clara na profilaxia: onde for encontrado um macaco morto há nas cercanias o vírus silvestre, transmitido pelos mosquitos Haemagogus e Sabeyhes. Se a vacinação for então mantida constantemente, inclusive nas áreas urbanas próximas, o vírus, que indubitavelmente contaminará tais regiões, será inofensivo (transmitido nos grandes centros pelo Aedes aegypti, o mesmo da dengue, da zika e da chikungunya).

Esse modelo preventivo, é claro, o Ministério da Saúde não colocou em prática, assim como não deu sequência na função de extermínio do inseto. Ministérios anteriores também falharam, uma vez que a política do desleixo é uma epidemia nesse setor. As campanhas de vacinação não obedecem periodicidade, as campanhas de informação são inconstantes. Isso dá no que dá, e lá vamos nós, outra vez, brigar com a febre amarela.

Falamos em desleixo na prevenção (o que é vital na saúde pública), e isso se traduz no retorno, além da febre amarela, de doenças antiquíssimas como tuberculose, gonorreia e sífilis. Para se ter uma ideia das contradições que ocorrem na atual gestão, no início desse ano, enquanto a pasta assegurava que a febre amarela estava erradicada, o seu próprio site registrava: “elevado potencial de disseminação em áreas urbanas infestadas por Aedes aegypti”.



1 de 3 1904 Charge da revista O Malho contra a vacinação instaurada por Osvaldo Cruz: salvação do Rio de Janeiro






2 de 3 1910 Osvaldo Cruz aparece como um cavaleiro medieval em charge de O Malho: se agora a febre amarela está junto com a zika, a dengue e a chikungunya, no passado ela fez parceria com a varíola e a peste bubônica






3 de 3 2017 Filas intermináveis nos postos de vacinação, em São Paulo: a culpa é do governo federal

Foto: NEWTON MENEZES/FUTURA PRESS



Um dos principais fatores que têm levado ao fracasso os gestores federais de saúde pública, com raras exceções, possui origem tão antiga como a maioria das doenças. Trata-se da politização dos cargos no Ministério na Saúde, nisso incluído, geralmente, o do próprio ministro. Deveríamos obedecer o princípio de que ciência e política são duas vocações que devem guardar total independência uma da outra.

Para ficarmos no campo da febre amarela, lutou – e sofreu – pela defesa dessa tese, no início do século passado, o sanitarista Osvaldo Cruz. Em seu tempo, corria a crença de que o Aedes aegypti era filho de fenômeno climático, só aparecia quando as chuvas de verão despencavam sem trovoadas. Com o Rio de Janeiro, então capital do País, ardendo de febre amarela (além da varíola e da peste bubônica), contra tal ignorância levantou-se Osvaldo Cruz, propondo a vacinação obrigatória e a exterminação radical do mosquito, ainda que se tivesse de entrar com força policial nas residências.

Ocupava a Presidência da República no Palácio do Catete, na época, Rodrigues Alves, e seus adversários ideológicos politizaram a questão conclamando o povo a não se vacinar, provocando a chamada Revolta da Vacina. Osvaldo Cruz manteve-se firme em sua ação e no cargo de Diretor Geral de Saúde Pública, erradicou a doença, mas o fato é que, a partir daí e graças aos que incitaram a revolta, muitos políticos aprenderam, há mais de cem anos, que a área da saúde pública rende mais como troca de favores partidários do que no trabalho de zelo pela população. Essa tradição lamentavelmente se manteve. Osvaldo Cruz separava a política da ciência. Mas assim foi ele, só.

A febre amarela voltou e há um detalhe de calendário em nada irrelevante: estamos a dois meses do verão e a quatro do carnaval, festa que congrega, em um único bloco, muita gente, muita chuva, muita bebida, muito calor e… muito Aedes aegypti. Sem pessimismo, mas também sem o otimismo fácil que nos dissocia da realidade, a enfermidade vai inevitavelmente se alastrar.

Além disso, será mais uma ao lado da dengue, da zika e da chikungunya. Nesse exato momento seria imprescindível que o engenheiro Ricardo Barros ouvisse o médico Osvaldo Cruz, que nos ensinou que, na saúde pública, a informação precisa é “exigência do rigor científico”. Ele ouvirá? Para tal questão, só o futuro tem a resposta. Por enquanto, posso dizer: leitor, nesses tristes trópicos, cuide-se.

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