Wesley e Joesley Batista: a dupla que sacode o Brasil
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Wesley e Joesley Batista: a dupla que sacode o Brasil
Wesley encara uma prisão inédita na seara dos crimes financeiros. Joesley se entrega e perde sua delação premiada. Os irmãos Batista continuam a surpreender
SAMANTHA LIMA
15/09/2017 - 20h32 - Atualizado 15/09/2017 21h00
“Nós não vai ser preso.” Carregada de sotaque interiorano, a frase do empresário Joesley Batista, um dos donos do J&F, controlador do frigorífico JBS, foi captada pelo interlocutor – e executivo do grupo –, Ricardo Saud, e por um gravador (até onde se sabe, ligado inadvertidamente). Era março, e ambos estavam no desenrolar da negociação da delação premiada que levaria o nome do presidente Michel Temer para o oceano de lama revirado pela Operação Lava Jato. Sob efeito de álcool, não perceberam que o equipamento registraria não apenas a frase, mas provas que derrubariam a delação. Wesley Batista, irmão de Joesley, não se atrapalhou com gravador e álcool, mas também acaba de entrar para a história. Uma investigação da Polícia Federal encontrou indícios de que ele, com o irmão, negociou nos mercados de ações e câmbio às vésperas da revelação do acordo que fizeram com o Ministério Público. Era esperado que sua publicidade derrubasse a Bolsa e fizesse o dólar disparar na quinta-feira dia 18 de maio, o que, de fato, ocorreu. Comprando e vendendo na hora certa, a dupla obteve resultado de R$ 240 milhões, segundo a Polícia Federal. Nesta semana, os irmãos foram presos – Joesley no domingo, dia 10, e Wesley na quarta-feira, dia 13. Nos dias seguintes, Joesley se tornou caso de estudo, por perder os benefícios que havia conseguido na delação premiada. Wesley foi o primeiro preso no Brasil acusado de negociar com informação privilegiada no mercado financeiro.
Trata-se de um cenário completamente diferente daquele 17 de maio, em que se tornou pública a delação do grupo. Fazia parte do rol de revelações o estarrecedor áudio da conversa entre Joesley e o presidente Michel Temer, gravada em março – aquela em que o presidente o ouvia relatar o pagamento de propina ao ex-deputado Eduardo Cunha e ao operador Lúcio Funaro, réus na Lava Jato, e respondia “tem que manter isso”. Nos três meses seguintes, pareceu que nada os levaria à cadeia.
Com cerca de quatro horas de duração, o novo áudio chegou à Procuradoria-Geral da República no último dia de agosto e desmentiu Joesley. Na conversa, além da frase do início deste texto, a ferir o decoro e a concordância verbal, Joesley falava com desdém do então procurador-geral, Rodrigo Janot, dava indícios de ter cooptado um ex-assessor dele, o ex-procurador Marcello Miller, para auxiliá-lo na formatação da delação (a defesa do ex-procurador nega as acusações), e dizia ter na mão integrantes do Supremo Tribunal Federal. Levou a Corte Suprema à loucura. Sua presidente, a discreta ministra Cármen Lúcia, gravou vídeo defendendo a Casa. Seu colega Luiz Fux decretou que o empresário deveria ser obrigado a trocar Nova York – onde foi se refugiar quando a delação se tornou pública – pelo presídio da Papuda, em Brasília.
Encorajado pela reação do STF, Janot viu na bazófia de Joesley a chance de revidar as críticas que sofrera pelos benefícios que dera ao grupo na delação. Pelo acordo, nenhum deles poderia ser denunciado à Justiça pelos crimes que confessaram e estavam livres para sair do país. Os passeios de Joesley e família por Nova York tornaram-se a síntese de que o crime podia compensar. Então, a dez dias de deixar o cargo, Janot primeiro pediu a prisão temporária (ou seja, por cinco dias prorrogáveis por mais cinco) de Joesley e de Saud. O pedido foi acolhido pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF. Os dois se entregaram no domingo, dia 10. Quando analisou os depoimentos que Joesley, Saud e Miller foram chamados a dar, após a revelação do áudio, Janot decidiu pedir que as prisões fossem convertidas em preventivas, por tempo indeterminado, e propor a rescisão dos benefícios dados à dupla, coisa rara na Lava Jato. Alegou que o grupo omitira as tratativas com Miller, a existência do áudio e o fato de outros áudios terem sido enviados para o exterior. Concluiu, por fim, que a nova gravação, antes omitida, só foi entregue porque os delatores desconfiaram que a PF já sabia de sua existência.
Durante uma década, os irmãos Batista acumularam proezas empresariais. Nesse período, tornaram o frigorífico criado pelo pai, José Batista Sobrinho, um colosso global de processamento de carnes, com a aquisição de concorrentes no Brasil e no mundo. Do BNDES, conseguiram primeiro empréstimos. Depois, investimento e sociedade. Colhiam os dividendos por sua competência no agronegócio e por ter sido escolhidos, pelo governo petista, como campeões nacionais no setor de carnes. Há dois anos, porém, a dupla começou a acumular feitos em outra esfera, a criminal.
O Ministério Público Federal e a Polícia Federal passaram a investigar empresas e sócios do grupo por suspeitas de corrupção ligadas a empréstimos que haviam obtido na Caixa Econômica e no BNDES. Entre março e abril, pressionada pelas apurações, a dupla admitiu, na mais bombástica das delações, ter corrompido autoridades e políticos.
Joesley deu ao procurador Janot a chance de revidar as críticas de que o acordo de delação havia sido generoso demais
Nos anos de bonança, o J&F se tornou um colosso com receita líquida de R$ 174 bilhões e presença em mais de 30 países. Atuava no setor de energia, bancário, de celulose e na indústria de bens de consumo – de roupas e sapatos a itens de limpeza e laticínios. A principal empresa do grupo, a JBS, com a providencial ajuda do BNDES, expandiu negócios para 30 países, onde mantém 265 mil funcionários.
Depois da delação, a má vontade estatal com o grupo cresceu. A Petrobras cancelou contrato para vender gás a uma usina do grupo. As duas partes brigavam no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) pelo preço do gás. Uma gravação entregue durante a delação mostrava Joesley negociando com o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, próximo a Temer, apoio nas demandas junto ao Cade. Rocha Loures está preso após ter sido filmado com uma mala com R$ 500 mil, recebida de um representante do J&F. O BNDES trabalha para remover Wesley de vez da presidência do frigorífico (Joesley era presidente do Conselho). Não conseguiu ainda, e a família Batista quer resolver o confronto por meio de arbitragem.
As dívidas do grupo somam R$ 70 bilhões. Antes consideradas administráveis, agora causam desconfiança no mercado, sob o peso da delação e da multa que se comprometeu a pagar no acordo de leniência, de R$ 10,5 bilhões. Ativos estão sendo negociados. No início do mês, acertou-se a venda da Eldorado Celulose, por R$ 15 bilhões, para a holandesa Paper Excellence. Em julho, o controle da Alpargatas foi vendido por R$ 3,5 bilhões para Itaúsa, Cambuhy e BW. A JBS quer levantar outros R$ 6 bilhões com a venda de unidades mundo afora. Em julho, acertou com credores suspender dívidas de R$ 20,5 bilhões por um ano. Agora, discute-se um nome para comandar a empresa, na ausência de Wesley. A família Batista e seus aliados no Conselho vêm resistindo a tomar essa decisão. Procurada, a JBS não comentou. Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advogado dos Batistas, criticou a rescisão da delação e acusou Janot de querer criar um gran finale para sua saída da PGR. A saída de Wesley da cadeia depende de julgamento de habeas corpus. O destino de Joesley depende do ministro Fachin. Seja qual for a resolução jurídica do caso, sobrou pouco da imagem arrojada dos irmãos que pareciam destinados a conquistar o mundo.
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