Da Constituinte à "cura gay", embate entre evangélicos e LGBTs avança

Da Constituinte à "cura gay", embate entre evangélicos e LGBTs avança

por Beatriz Drague Ramos — publicado 24/09/2017 08h04
Mestra em ciência da religião investiga a relação conflituosa a partir dos discursos da bancada religiosa
Lula Marques/AGPT/Fotos Públicas
Protesto da bancada evangélica
Protesto de parlamentares cristãos contra a Parada Gay em 2015, no plenário da Câmara dos Deputados
A discussão sobre a “cura gay” voltou a circular após a decisão liminar do juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho, que era favorável aos psicólogos estudarem e oferecerem tratamento de reorientação sexual.
A deliberação veio após uma ação popular movida pela psicóloga Rozangela Justino, que trabalha no gabinete de um deputado da bancada evangélica e já foi vista realizando cultos na Câmara.
Controversa e questionada por outros psicólogos e ativistas LGBTs, a questão é mais um capítulo no delicado embate público e político entre setores conservadores evangélicos e o movimento LGBT.
Autora da dissertação de mestrado Evangélicos e Movimento LGBT na esfera pública: a “Cura Gay” trazendo novas perspectivas, Marselha Evangelista de Souza, mediadora judicial e mestra em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2016), analisa a trajetória conflituosa entre parcelas do movimento evangélico e os LGBTs.
A discussão parte dos debates da Constituinte, em 1987, passa pelo casamento homoafetivo, pelo caso do kit anti-homofobia proposto em 2011 para desembocar no debate sobre atual sobre terapias de reversão sexual. 

Confira a entrevista:
CartaCapital: Recentemente, uma decisão judicial revogou parcialmente resolução do Conselho Federal de Psicologia que proibia terapias de "reversão sexual", suscitando o debate sobre a chamada "cura gay". No entanto, a senhora localiza o início dessa disputa entre parte dos evangélicos e os LGBTs na discussão da Constituinte. Como isso se deu?
Marselha Evangelista de Souza: Durante a Constituinte, o debate deu-se em torno da questão do casamento, já que a Constituição coloca que o casamento é somente entre homem e mulher. Naquele momento, isso foi levantado como uma questão pelo movimento LGBT e acabou que o discurso dos evangélicos naquele momento tornou-se eminentemente religioso. Os evangélicos estavam dentro da constituinte enquanto políticos eleitos, já o movimento LGBT participava dos debates enquanto sociedade civil. Haviam políticos que defendiam as pretensões do movimento, mas a representatividade política dos evangélicos era mais expressiva.
CC: Como o conflito entre parcelas dos evangélicos e LGBTs se dá na discussão política atualmente?
MES: A Frente Parlamentar Evangélica (FPE) atualmente constituída é bem aguerrida na defesa de um posicionamento conservador, por exemplo, quando se fala do Estatuto da Família (PL 6583/2013), da questão dos projetos de lei de "Cura Gay", a frente quer que a família seja constituída por homem e mulher.
Quando se fala da resolução 01/1990 do Conselho Federal de Psicologia, a frente é contrária a essa resolução, mas dentro do movimento evangélico existem pessoas que não concordam com os posicionamentos da FPE. A bancada parlamentar religiosa não representa os evangélicos como um todo, só uma parcela.
CC: Apesar do assunto já ter sido debatido no caso do kit anti-homofobia (em 2011) e nas discussões sobre o casamento homoafetivo, a senhora localizou uma mudança na postura discursiva nos evangélicos no caso da “cura gay”. Qual foi ela?
MES: Os evangélicos conservadores têm tentado se distanciar um pouco da narrativa de “estamos aqui para defender a Igreja”. Agora, argumentam que a homossexualidade não é doença, mas uma orientação transitória. Na verdade, eles vêm dizendo que não há nada de biológico na questão da homossexualidade e que, portanto, uma pessoa pode mudar o seu comportamento. Eles ressaltam muito no discurso a questão da minoria de orientação sexual os "ex-gays".
Eles se embasam inclusive na resolução do Conselho Mundial de Saúde (OMS) da década de 90 que desqualifica a patologização da homossexualidade. Por fim, creem no direito a ajuda psicológica para quem quer vivenciar a vida fora da homossexualidade.
CC: Desde 1990 a OMS não considera mais a homossexualidade como uma doença. Pensando em um percurso histórico, em que momento a busca por uma “cura gay” - passou a ser utilizada discursivamente por religiosos identificados como evangélicos no Brasil?
MES: Esse debate da “cura gay” surge na segunda década dos anos 2000, o primeiro projeto é de 2011(Projeto de Decreto Legislativo 234/2011), o mais recente é de 2016 (PL 4931/2016), nota-se que é um projeto recorrente e vem com o fortalecimento da bancada evangélica.
Mas a ideia de que a homossexualidade é um pecado ou uma doença está na crença de um comportamento não aceito por Deus. Os evangélicos acreditam na condenação bíblica desse comportamento e aí as práticas de cura são conhecidas e divulgadas por meio de canais de televisão, congressos, encontros cristãos, entre outros.
Mas, neste momento, os parlamentares evangélicos se descolam desse discurso e tentam aproximá-lo do teor de liberdade sexual e da mudança de orientação, já que do ponto de vista deles isso não é biologicamente determinado.
CC: No caso da "cura gay", a senhora destaca também o papel dos "ex-gays", isto é, pessoas que se dizem "curadas" da homossexualidade. Qual foi este papel, do ponto de vista político?
MES: Quando os “ex-gays” realizaram uma audiência pública em 2015, a fim de se apresentarem para a sociedade alegaram a carência de reconhecimento e argumentaram a presença do mesmos na religião por ausência de apoio psicológico buscado no Conselho Federal de Psicologia. Eles pensam que não tinham que se aceitar e acabavam tendo a religião como uma segunda opção.
Nesta apresentação eles não se manifestavam como divulgadores de uma religião, mas como pessoas infelizes e estavam ali lutando para que outras pessoas tivessem a ajuda psicológica que os mesmos não tiveram, é um debate delicado, até porque da forma como é colocado pelos “ex-gays” são duas minorias requerendo direitos.
CC: O Brasil elegeu a maior bancada evangélica em 2014, a Frente Parlamentar Evangélica já conta com mais de 150 parlamentares. Quais desafios a atuação e presença crescente dos evangélicos na política estabelecem para a sociedade?
MES: Acho que o desafio é encarar a FPE não como uma coisa simplesmente religiosa. Ela é conservadora e está vendo nos evangélicos e nos “ex-gays” uma forma de se expressar eficientemente. Se existe esse tipo de decisão é porque há alguma demanda e tal demanda encontra abrigo em pessoas com poder decisório.
Então, ela deve ser discutida da maneira mais democrática possível para que as injustiças não aconteçam, para que o movimento LGBT em sua luta por direitos consiga obter esse reconhecimento e essa parcela da população (os “ex-gays”) querendo seu espaço também possa ser ouvida. Devemos trazer o debate da forma mais transparente possível para que as pessoas possam ser ouvidas sem alimentar a intolerância o ódio e a violência.
O que eu posso dizer em relação a pesquisa é que os movimentos, seja evangélico seja LGBT não são uníssonos, eles não tem um bloco homogêneo de pensamentos, por isso o debate é importante, porque você não pode tomar todos eles como conservadores nem todos os gays como liberais.
CC: Muitas vezes, a questão é apresentada pela mídia como uma “disputa” entre dois setores da sociedade. No entanto, por um lado, os evangélicos contam com um aparato midiático, político e financeiro forte, mas o mesmo não pode ser dito dos LGBTs. Como a senhora vê essa correlação de forças? 

MES: No embate do cenário político atual, a FPE tem muito mais poder, já que tem o Estado [ao seu lado] e está institucionalmente no poder. 
Os evangélicos são muito diversos, mas a expressão que ganha mais atenção da mídia e do parlamento hoje é a mais conservadora. Então, o discurso conservador tem tido maior alcance. Os evangélicos que não são conservadores não tem tanta voz.
Dentro da tese de democracia agonística, o conflito é permitido e a hegemonia de pensamento é algo ruim. A visão democrática é a da diversidade e não do inimigo a ser eliminado. No entanto, hoje, o cenário político vivenciar o discurso de eliminação da diferença é muito mais forte do que o de uma disputa política natural.

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