BRASIL REFÉM DE UMA QUADRILHA DE POLÍTICOS E EMPRESÁRIOS


As armações dos irmãos Batista
Como os donos da JBS gravaram meia República, se aproximaram do procurador-geral, urdiram um plano quase perfeito, mas foram abatidos quando ousaram imaginar que estavam acima da lei


A LEI É PARA TODOS Depois de afirmar que não seria preso, Joesley se entregou à PF ao ter prisão decretada pelo STF (Crédito: Adriano Machado)


Ary Filgueira15.09.17 - 18h00

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A carreira de delator do empresário Joesley Batista, dono da JBS, um império que chegou a faturar R$ 170 bilhões por ano, é o que podemos chamar de meteórica. Em apenas três meses, Joesley foi do céu ao inferno na velocidade de uma flecha – artefato este que ficou na moda após ser usado simbolicamente nas declarações do procurador-geral Rodrigo Janot. O plano urdido com a colaboração dos membros graduados da Procuradoria-Geral da República, como o próprio procurador-geral e seu braço direito Marcello Miller, acabou fracassando, levando à prisão Joesley, seu irmão Wesley e o executivo Ricardo Saud. Em maio, eles posaram de malfeitores arrependidos que gravaram o presidente da República confessando crimes, um ex-deputado correndo pelas ruas com uma mala de R$ 500 mil e que delataram mais de 1.800 políticos por terem recebido dinheiro sujo da empresa que administram. Pretendiam sair como heróis, mas agora estão atrás das grades como dezenas de outros empresários réus da Lava Jato. Amargam o encarceramento numa cela com 9 metros quadrados, sem janelas, sem chuveiro quente ou vaso sanitário, precisando fazer as necessidades num buraco no chão chamado, ironicamente, de “boi”. Na verdade, a vaca foi para o brejo.SE DEU MAL O empresário Wesley Batista foi preso sob acusação de ter manipulado o mercado financeiro (Crédito:Divulgação)

Durante o tempo em que Joesley permaneceu sob a salvaguarda da Procuradoria-Geral da República, o País foi sacudido por uma hecatombe. Munido de um gravador, como se agisse como um araponga, prestou-se a gravar a República. Os áudios abalaram o governo, e, por último, jogaram por terra a credibilidade do principal órgão acusador, no caso, a PGR. No meio do caminho, houve a tentativa de tentar abalar a imagem da Suprema Corte do país, sugerindo entre um gole e outro de bebida que tinha na mão ministros do colegiado mais prestigiado do Poder Judiciário brasileiro. Outro grampeado foi o ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Tudo isso porque os Batista foram visitados pelo temor da prisão. Mas o perigo não o deteve. Numa jogada de mestre, um dia antes da divulgação da delação, em 16 de maio, vendeu na alta ações de seu grupo de empresas do ramo de alimentos.O COMPLÔ Além de Temer, Joesley teria gravado também o ministro do STF Gilmar Mendes (esq.). Ao gravar o ex-ministro José Eduardo Cardozo (dir.), o ex-procurador Marcello Miller (no meio) advertiu que isso daria cadeia

A Carne Fraca levou a JBS para dentro da Lava Jato e, por isso, a irritação de Joesley fica clara no diálogo entre ele e Saud. “Eu queria estar em frente do Janot e falar: ‘Janot, para. Isso é coisa de menino. Uma operação idiota dessa”’, desabafou Joesley ao amigo e funcionário. Fica claro que era uma farsa apresentar sua delação como espontânea.O diálogo entre Josley e Saud foi gravado no mesmo dia em que a Polícia Federal colocou na rua a Operação. No meio do tilintar provocado pelo gelo no copo cheio de bebida, Josley prometia a todo momento a Saud que ninguém seria preso. Até então, estava certo. Mais tarde se verificou que sua confiança tinha o respaldo de autoridades do Ministério Público Federal. O plano de Joesley teve início e consentimento da Procuradoria-Geral da República. Na última semana, a PF concluiu que Rodrigo Janot não só sabia que o ex-procurador Marcelo Miller trabalhava para a JBS como tinha conhecimento que ele atuava no acordo de delação premiada. Os indícios são mensagens trocadas por Miller com os principais dirigentes da JBS. O ex-procurador participava de um grupo de WhatsApp com os Batista e diretores da JBS.

Os irmãos Batista amargam o cárcere numa cela com 9 metros quadrados, sem janelas, sem chuveiro quente ou vaso sanitário

R$ 4,2 milhões para Miller

Uma das mensagens mais eloquentes foi enviada pelo ex-procurador na quarta-feira 5 de abril. Aquele era o último dia de Miller no Ministério Público Federal. Com sua demissão já registrada no Diário Oficial, ele só precisava cumprir um período de férias atrasadas. Apesar disso, de acordo com a PF, Miller já estava obedecendo às conveniências da JBS há tempos. As trocas de mensagens revelam um Miller que ditava o ritmo e a melhor maneira de os irmãos Batista se moverem nas tratativas com o gabinete do procurador-geral da República, a fim de celebrar a delação.

Para atrair Marcelo Miller, Joesley lhe ofereceu ganhos que jamais o procurador da República teria na carreira. Logo de início, a banca de advogados para a qual Miller trabalharia quando se desligasse do MPF – após a celebração do acordo de colaboração de Joesley e demais – ofereceu a ele R$ 4,2 milhões em 36 parcelas de aproximadamente R$ 110 mil. O acordo bem-sucedido da JBS com o Ministério Público Federal renderia ao escritório de Marcelo Miller R$ 27 milhões. Trench, Rossi e Watanabe nega que isso tenha ocorrido.

Na segunda-feira 4, o procurador Rodrigo Janot deu o braço a torcer. De forma comedida e econômica nas explicações, apresentou em coletiva os motivos de mandar investigar se havia indícios de omissão de informações dos irmãos Batista. Ao fazer isso, Janot se antecedeu à Polícia Federal, que detinha em seu acervo de provas a gravação do diálogo regado à bebida entre Joesley e Ricardo Saud, chamado carinhosamente de Ricardinho, em que Joesley relata que Janot sabia da armação orquestrada por seu companheiro de MPF Marcelo Miller. Janot sentiu na pele o significado da frase bíblica: maldito é o homem que confia no outro.

Os movimentos de Joesley

1 Ao perceber que a ameaça de cadeia era real, Joesley Batista faz contatos com o procurador Marcello Miller para orientá-lo sobre como seduzir Rodrigo Janot a fechar o acordo de delação
2 Com um gravador escondido, Joesley grava o presidente Michel Temer em conversa no Palácio do Jaburu na noite do dia 17 de março
3 Joesley vende ações da JBS um dia antes da divulgação do áudio e do conhecimento público do fechamento de sua delação, quando a cotação dos papéis da empresa estavam em alta. As gravações foram tornadas públicas no dia 18 de maio. No dia seguinte, as ações desabaram. Paralelamente, ele compra US$ 1 bilhão no mercado e lucra 9% da noite para o dia
4 Em outra frente, o empresário grava a entrega de uma mala com R$ 500 mil para o assessor da Presidência da República, Rodrigo Rocha Loures. O dinheiro seria para Temer. Mas nunca chegou ao presidente
5 Joesley implicou o presidente do PSDB, senador Aécio Neves, ao gravá-lo lhe pedindo R$ 2 milhões. O dinheiro foi entregue a um primo do senador, numa cena filmada pela PF. A grana foi depositada numa empresa do senador Zezé Perrella

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