Biografia traz pistas sobre o enigma Belchior
“Belchior nem existia. Morreu como? Como se pode saber que alguém que está desaparecido morreu?”. Esses foram os primeiros pensamentos de Jotabê Medeiros, biógrafo do cantor e compositor cearense Antônio Carlos Belchior, ao receber a notícia da sua morte, em 30 de abril deste ano. À época, o jornalista já havia terminado o livro sobre a vida do músico e se preparava para o xeque-mate: voar até o Rio Grande do Sul e seguir um endereço que conseguira para encontrar e ouvir seu personagem, até então com paradeiro desconhecido pelo público.
O tempo foi curto. Jotabê perdeu um dos irmãos e passou alguns dias recluso. Ao voltar à ativa, teve que mudar seu destino e desembarcar em Fortaleza. Engolir a expectativa de falar com o autor de Anunciação e enfrentar a dura atmosfera de mais um funeral. Belchior: Apenas um Rapaz Latino-Americano(Todavia, 240 páginas, R$ 49,90), ganhou, por isso, um último capítulo: Inmemorial.
A obra traz para os fãs órfãos um resgate biográfico que não chega a explicar o motivo pelo qual Belchior deixou tudo para trás, mas pode dar pequenas pistas. O livro começa com os primeiros anos da sua formação intelectual, no Seminário de Guaramiranga. Belchior estudava para ser frade. “Ficou claro, para mim, que tudo que ele se tornou – um cara que sabia latim, italiano, filosofia, que lia muitos autores clássicos como Dante Alighieri – veio do seminário”, relata Jotabê.
Para o jornalista, Belchior parecia ter criado o próprio verbete da Wikipedia em uma entrevista para O Pasquim, em 1978. “A partir dali, ele passou a reproduzir histórias suas e os jornais, também”, conta Medeiros. A reconstituição dos passos e rupturas do músico cearense ao longo da carreira pinta um artista generoso, um compositor invariavelmente aplaudido e outras facetas menos conhecidas, como o gosto pela pintura e a vida amorosa “muito prolixa”, como define o biógrafo.
Para explicar o sumiço do cantor, que esvaneceu em 2007, existem várias especulações, mas nenhuma delas aparece no livro. Fato é que não há exatamente como saber por que Belchior deixou para trás a família com os filhos, os amigos e os fãs. Alguns apontam Edna Prometheu, sua última mulher, como o principal motivo do afastamento. Enquanto outros apostam que o cearense mostrou um descontentamento e uma sabedoria muito lúcida em suas obras, já deixando claro uma sensibilidade incomum que poderia impor a ele, como destino, o exílio.
Mesmo sem decifrar o mistério Belchior, o livro passa por toda a carreira do músico que chegou a dormir em uma construção por falta de dinheiro e a pedir um prato de comida para Elis Regina, que gravaria em seguida algumas de suas canções mais famosas, jogando luz sobre um dos grandes compositores da música brasileira. Além de contar alguns saborosos encontros na vida do cantor, como com seu ídolo, Bob Dylan, em 1990, e também com Zeca Baleiro, que aconteceu já longe dos holofotes, em março de 2014.
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