XENOFOBIA RACISMO-Charlottesville pode ser a gota d’água

Charlottesville pode ser a gota d’água

por Antonio Luiz M. C. Costa — publicado 20/08/2017 00h30, última modificação 18/08/2017 18h12
Ato supremacista pode ter iniciado o rompimento de políticos e empresários com o governo Trump e seus entusiastas de ultradireita
Zach D Robert/Nurphoto/Zumapress/Fotoarena
Unir a Direita
Símbolos da KKK, Alt-Right, confederados e nazistas misturaram-se sem pudor no evento "Unir a Direita"
O autor da manifestação que pode ter marcado o começo do fim de Donald Trump foi Jason Kessler, agitador racista e integrante do grupo Proud Boys, xenófobo, antifeminista e pró-Trump.
Em novembro, logo após a vitória de seu ídolo, iniciou um movimento pela destituição de Wes Bellamy, vice-prefeito negro de Charlottesville que queria mudar o nome do Parque Lee e remover de lá as estátuas dos generais confederados Robert Lee e Stonewall Jackson, proposta aprovada pela Câmara em fevereiro.
O local foi renomeado Parque da Emancipação (a abolição da escravatura por Lincoln), mas a remoção das estátuas contestada nos tribunais por tradicionalistas e um juiz a suspendeu por seis meses até o julgamento da causa.
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A disputa entusiasmou figuras mais conhecidas, como Richard Spencer, fundador da Alt-Right, Matthew Heimbach, cuja Rede da Juventude Tradicionalista prega um país separado para os brancos, Mike Enoch, propagandista racista e antissemita dono de um podcast chamado The Daily Shoah (Holocausto Diário), e Michael Hill, líder da Liga do Sul, organização cuja aspiração é refundar os Estados Confederados.
O Limite
/indignado com a atitude de Trump, Kenneth Frazier, presidente de Merck, iniciou a ruptura dos grandes empresários com o governo (Nicholas Kamm/AFP)
Esses e outros grupos decidiram unir forças em um evento de impacto nacional chamado Unite the Right (Unir a Direita). A manifestação começou na noite da sexta-feira 11 com uma marcha pelo campus da Universidade da Virgínia à luz de tochas ao estilo do Klan, brados nazistas de “Sangue e Solo” e braços esticados.
No dia seguinte, contramanifestantes bloquearam a entrada do parque e iniciou-se o confronto. A cidade declarou um estado de emergência e proibiu o comício. Ambos os lados se retiravam quando James Alex Fields Jr., do grupo fascista National Vanguard, jogou seu carro contra um grupo de antirracistas, matou a manifestante Heather Heyer e feriu mais 19 pessoas, 6 com gravidade.
Partidários e adversários concordam em considerar essa a maior manifestação da ultradireita dos EUA em décadas, mas o número de 500 a mil participantes – confrontados por duas vezes mais contramanifestantes antifascistas, antirracistas, socialistas, anarquistas e religiosos – impressionou menos do que a mistura sem pudores das simbologias confederada, Ku Klux Klan, neonazista e Alt-Right, dos pôsteres de divulgação às palavras de ordem.
O Estopim
Ao fazer a estátua de Lee um cavalho de batalha, o insignificante Jason Kessler, fã de Trump, uniu grande parte do país contra o presidente (Shay Horse/Nurphoto/Zumapress/Fotoarena)
Muitos simpatizantes da Alt-Right preferiam apresentá-la como um protesto irônico contra os “excessos” de negros, feministas, gays e “politicamente corretos”. O culto dos sulistas brancos aos separatistas da Guerra Civil era disfarçado como comemoração da história regional e de valores supostamente constitucionalistas, à maneira da celebração dos farroupilhas no Rio Grande do Sul ou dos “revolucionários de 1932” em São Paulo.
Essas ficções ficaram mais difíceis de sustentar ante bandeiras confederadas e nazistas empunhadas lado a lado por gurus da Alt-Right. Caíram as máscaras: é tudo pelo despotismo do homem branco.
Caiu mal o silêncio de Trump, sempre rápido a comentar atentados (às vezes imaginários) na Europa.
Pressionado a dizer algo, limitou-se a condenar “esta exibição flagrante de ódio, intolerância e violência por muitos lados, por muitos lados”, repetiu enfaticamente. Para alguns de seus colaboradores foi a gota d’água. Na segunda-feira 14, o presidente da Merck, que é negro, renunciou a seu posto no Conselho Industrial de Donald Trump.
Uma hora depois, o presidente o ameaçou pelo Twitter: “Agora que o Ken Frazier se demitiu, ele vai ter mais tempo para baixar os preços extorsivos dos medicamentos. Merck Pharma lidera a alta de preços dos remédios e tira empregos dos EUA”.

Entretanto, logo seguiram o mesmo caminho os presidentes da microeletrônica Intel e da fabricante de artigos esportivos Under Armour.
As empresas de internet GoDaddy e Google cassaram o domínio na internet do portal neonazista Daily Stormer – após este pedir a partidários para sabotar o funeral de Heather Heyer e justificar sua morte como “gorda inútil e peso para a sociedade” – e as redes Reddit, Facebook e Twitter baniram grupos de ultradireita violenta ligados ao Unite the Right após anos de omissão.
O presidente pareceu ceder a essas críticas e a conservadores como Marco Rubio e John McCain: “0 racismo é maligno e quem pratica a violência em seu nome é criminoso, inclusive a KKK, os neonazistas e os supremacistas brancos”, consentiu em declarar.
A Vítima
Assistente jurídica, Heather Heyer pagou com a vida sua disposição de defender a igualdade racial
Mas os ultradireitistas o atacaram como traidor nas redes sociais e na terça-feira Trump retornou ao tom com o qual se sente mais confortável. “Há entre eles pessoas muito ruins, mas também muito boas. George Washington foi senhor de escravos, vamos derrubar suas estátuas? E a Alt-Left, não tem culpa?” E, para não ser mais embaraçado por renúncias de empresários, extinguiu os dois conselhos que criara.
Enquanto o rótulo Alt-Right é reivindicado por Spencer e seguidores, Alt-Left foi inventado por conservadores durante a campanha republicana para se referir ao “radicalismo” do social-democrata Bernie Sanders. Nesse caso, porém, Donald Trump referiu-se a democratas liberais tradicionais e igualou nazistas a defensores de direitos civis e igualdade social.
Não poucos entre supostos progressistas e liberais também responsabilizaram a ação afirmativa e demais “políticas identitárias” e os “justiceiros sociais” (social justice warriors) que as defendem pela ascensão do neonazismo.
Caso mereçam o benefício da dúvida sobre suas boas intenções, é ingenuidade gêmea da crença de liberais desde o século XVIII de que é inexorável o progresso das Luzes e da liberdade e basta a liberdade de expressão e empresa para extinguir conflitos e preconceitos e nos encaminhar a um radioso “fim da história”.
A Dialética do Esclarecimento, de Theodor Adorno e Max Horkheimer, publicada logo após o horror nazista, deveria ter acabado com esse mito, mas, evidentemente, não foi o caso.
Longe de ser decadente, a escravidão estava em plena expansão nos EUA de 1860. O número de pessoas escravizadas aumentara de 1 milhão no início do século XIX, quando o tráfico foi proibido, para cerca de 4 milhões, e seu valor total se multiplicara por 12.
Isso era metade da riqueza dos senhores do Sul e 50 anos de arrecadação federal. Não havia como extinguir a escravatura por persuasão ou meios legais. A Guerra Civil começou não porque Abraham Lincoln quisesse aboli-la no Sul, mas por se recusar a caçar escravos fugidos e a apoiar a implantação de fazendas escravistas nos territórios do Oeste conquistados ao México. Não há como imaginar a Emancipação sem a guerra.
Wes Ballamy
Wes Ballamy, vice-prefeito de Charlottesville, atraiu o ódio ao querer se desfazer da estátua do general escravista
A atual Ku Klux Klan tampouco é um resíduo do passado. O Klan original foi esmagado nos anos 1870 e, pouco depois, cessou a ocupação militar e a intervenção política do Norte que fora sua razão de ser. Os estados do Sul puderam cassar o direito de voto dos negros recém-libertados e impor a segregação racial sem serem incomodados.
O Klan dos capuzes brancos, tochas e cruzes de fogo surgiu em 1915 da romantização do racismo pelo filme O Nascimento de uma Nação, de D. W. Griffith, promovido pelo presidente sulista e racista Woodrow Wilson. Essa KKK foi a ponta de lança de um racismo “científico” e moderno fundado em eugenia, produtividade e seleção racial de imigrantes.
Nos anos 1920 chegou a ter 6 milhões de filiados, grande parte deles em cidades do Norte industrial, e entusiasmou de Adolf Hitler a Monteiro Lobato. Nesses mesmos anos, erguer monumentos aos Confederados e seus generais – inclusive aqueles de Charlottesville – virou moda no Sul.
O racismo explícito sofreu um revés com a derrota do nazismo e outro com a Guerra Fria, na qual a segregação se tornou um calcanhar de aquiles da propaganda do “mundo livre”. Lyndon Johnson acabou por atender ao movimento por direitos civis, porém, mais uma vez, não bastou a persuasão.
Além de uma guerra mundial e de décadas de terror nuclear, foram necessárias tropas federais para impor o fim da segregação legal. E esta foi sucedida por barreiras sociais invisíveis sustentadas pela cumplicidade de brancos privilegiados com as grades físicas do encarceramento em massa a pretexto da “guerra às drogas” iniciada por Richard Nixon.
Diferente tanto da escravidão do século XIX quanto da segregação do início do século XX, essa nova forma de racismo exige novas formas de luta, protesto e conscientização e novas reivindicações, que incluem as tais políticas identitárias e a crítica aberta de pensamentos, símbolos e comportamentos racistas (ou machistas, homofóbicos, xenofóbicos e assim por diante) antes aceitos como normais.
Também incluiu o movimento Black Lives Matter, deflagrado em 2013 ante a evidência de que a reeleição de um presidente negro não impedia a execução arbitrária de negros pela polícia. Os protestos pela retirada de bandeiras e monumentos confederados foram um desdobramento dessas manifestações.
Talvez não houvesse neonazistas em Charlottesville se ninguém protestasse contra a estátua de Lee e as execuções arbitrárias, se não tivesse sido permitido a Barack Obama se eleger presidente e se os verdadeiros liberais e progressistas não combatessem o racismo no cotidiano.
Talvez também não tivesse existido o nazismo original se os judeus não tivessem tentado se integrar à sociedade europeia e se a escravidão tivesse sido mantida. Mas é certo que o desejo de manter os privilégios não cede ao debate racional, toma novas formas à medida que avançam a ciência e a tecnologia e só recua ante o enfrentamento.

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