Marcos Troyjo: Tensão Trump-Kim perturba sossego da China A elevação da temperatura entre Washington e Pyongyang é atiçada por declarações inflamadas de ambas partes


Marcos Troyjo: Tensão Trump-Kim perturba sossego da China
A elevação da temperatura entre Washington e Pyongyang é atiçada por declarações inflamadas de ambas partes
Por Augusto Nunes
access_time19 ago 2017, 23h41more_horiz


11 de abril: O ditador norte-coreano Kim Jong-Un (KCNA/AFP)

Na frase que talvez melhor ilustre a estratégia de ascensão chinesa à constelação das grandes potências, Deng Xiaoping indicava: “esconda sua força; ganhe tempo”. Classicamente, argumenta-se que as relações internacionais se desenrolam em três terrenos fundamentais: o político-militar, o da prosperidade e o campo do prestígio, dos valores (o conhecido “soft power“).

Nenhuma aplicação de estratégia de Nação-Comerciante traz exemplo tão eloquente quanto o chinês. Nesse esquema, desde que a China passou a promover reformas econômicas pragmáticas —”não importando a cor do gato, desde que ele apanhe o rato”, em outra famosa formulação de Deng — a China jogou tudo na esfera econômica. E, mais especificamente, no âmbito comercial.

Nos últimos 40 anos, a China apenas cumpriu tabela no campo político-militar e no dos valores. Buscou não se envolver em guerras de terceiros e pouco fez no âmbito das operações de paz determinadas pelo Conselho de Segurança da ONU.

Hoje, com a tensão na península coreana exacerbada pelas personalidades mercuriais de Donald Trump e Kim Jong-un, a China vê-se forçada a abandonar sua inércia em áreas outras que não a economia. Isso causa desgaste — e desgosto — em Pequim. As lideranças chinesas veem-se compelidas a ter de desempenhar um papel de intermediação em que seu país mais evita perdas do que acumula ganhos.

Há pouco que possa desagradar mais os chineses do que ter de investir ativos político-diplomáticos em algo que não lhes renderá crescimento econômico real— é o caso da Coreia do Norte como fonte de dores de cabeça geopolíticas. A elevação da temperatura entre Washington e Pyongyang é atiçada por declarações inflamadas de ambas partes.

E mais: o cenário crescentemente plausível de que talvez os norte-coreanos tenham de fato mísseis capazes de carregar explosivos nucleares até domínios americanos — seja Guam ou o Estado do Alasca faz com que os chineses sejam os “corretores indispensáveis da paz”. Trata-se de função que a China preferiria não exercer.

As reais prioridades chinesas não estão no campo militar-estratégico. Residem na sua continuada extroversão econômica para além do comércio. Convém lembrar que desde 2012 a soma de suas cifras nominais de exportação e importação fazem dela a maior Nação-Comerciante do planeta.

Muitos enxergam nessas prioridades, como é o caso do ‘OBOR’ (sigla em inglês de “One Belt, One Road”, o gigantesco projeto de infraestrutura liderado pela China na Eurásia), motivações geoestratégicas. Mas talvez aqui, ou noutras iniciativas como a constituição de um banco asiático para infraestrutura, a principal motivação seja a abertura de novos campos de atuação para empresas chinesas. Algo portanto distante de objetivos mais imediatamente político-militares.

O problema é que agora há algo além do próprio hipertrofiado peso relativo da China nas relações internacionais a conclamar-lhe papel mais ativo. O tremendo risco na sua vizinhança representado pela Coreia do Norte em eventual conflito militar com a maior potência mundial impede a confortável inércia geopolítica que tem tradicionalmente caracterizado a política externa chinesa.

Se a China não falar duro com Kim, abrem-se flancos para que os EUA multipliquem seus questionamentos comerciais junto aos chineses. Caso a China nada faça e comece um conflito em sua vizinhança, toda a economia global vai pisar no freio, o que seguramente Pequim não deseja. E, se assistir passiva a uma projeção militar norte-americana sobre o bizarro regime de Pyongyang, a China passa recibo de indiferença e inação numa região em que Pequim considera sua inquestionável esfera de influência.

Em sua irresistível arremetida das últimas quatro décadas, evitar a função de protagonista em embates no nível do “hard power” conferiu à China atmosfera propícia para privilegiar seu crescimento econômico. Agora, com a nevralgia entre o esdrúxulo vizinho geográfico (a Coreia do Norte) e seu principal parceiro comercial e destino de investimentos (os EUA), tal sossego acabou.

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