As instituições estão em confronto político




Entrevista


TORQUATO JARDIM

As instituições estão em confronto político

Sérgio Lima



Débora Bergamasco
Edição 23.06.2017 - nº 2480



O ministro da Justiça Torquato Jardim está prestes a completar um mês no comando do Ministério da Justiça. Ele sempre foi do tipo que fala o que pensa. Mas na última semana passou por pesado treinamento de mídia training. Pois tudo o que ele diz agora passou a ter muito mais relevância do que quando estava no comando da pasta da Transparência.

Ao ter sua nomeação para ocupar o Palácio da Justiça proferida em pleno domingo, entrou sob críticas de que teria sido escalado para atrapalhar a Lava Jato, o que o deixa irritado. Para o ministro, a “Lava Jato está consolidada, está blindada”. Não por acaso, insiste em dizer que a decisão de trocar ou manter o atual chefe da Polícia Federal (PF) não será dele, mas do presidente Michel Temer, que é “o dono da caneta”. Nesta entrevista à ISTOÉ, o ministro falou em revisar o “timing” de contingenciamento orçamentário da PF. Destacou que na denúncia sobre Temer não podem prevalecer “ilações” e falou em confronto político de instituições.


Muito se fala em crise entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário hoje no Brasil. Como o senhor vê essa situação?


A palavra crise é usada muito abusivamente. A criatividade pede crise. O poeta não escreve fora da crise. Toda criação humana pede um instante de crise e de autocrítica. Toda crise política de 1988 para cá, se passou sob a autoridade da Constituição, que não tem nem 30 anos. A questão econômica é mais preponderante que a política. Seja qual for o conflito político de partidos ou instituições, não podemos abrir mão dos esforços para melhoria da economia porque, aos 14 milhões de desempregados, não interessa o conflito político, se tal denúncia está fundamentada e contra quem.

Eles querem comida na mesa da família. Eu acho que deve-se dissociar uma coisa da outra. É preciso continuar apoiando as medidas técnicas necessárias para a recuperação da economia, ou seja, tem que fazer a reforma da Previdência, tem que modernizar a relação trabalhista. O sindicalismo tem que ficar moderno, não pode ser pelego. O empregador não pode atrasar contribuição previdenciária para jogar no mercado e ganhar juros. Temos que manter a eficácia do limite de teto de gastos. Em síntese: à despeito da questão política, há um traço fundamental do governo Temer que eu chamaria de “presidencialismo parlamentarizado”, que é conversar e dialogar.

O que fica claro é que não é o Executivo falando e o Legislativo batendo palmas. Ele manda os projetos e eles são debatidos, emendados, corrigidos. Há uma construção executiva e legislativa que não pode ser quebrada. Como raras vezes se conseguiu na história do Brasil.

O desgaste político do presidente pode comprometer sua capacidade de governar? Não há risco de essa crise levá-lo a perder o diálogo com o Executivo, não conseguindo aprovar as medidas necessárias?


Ele vai conseguir, como tem conseguido. Ele foi deputado federal 24 anos, presidente da Câmara dos Deputados três vezes, a linguagem dele é a linguagem parlamentar. E muito da opinião pública não se deu conta das consequências dessa experiência. Ele fica à vontade com parlamentar de qualquer partido. Isso não vai se perder.


Nem com uma denúncia forte, que fica como uma espada sobre a cabeça?


Não, não. Por exemplo, me lembro o desafio que viveu o ex-presidente José Sarney. Ele foi eleito por seis anos. Ele renunciou a um ano de mandato para viabilizar pontos fundamentais da constituinte. Não sei o que teria acontecido com o Brasil se ele tivesse se fixado em seis anos. Imagine todos os planos econômicos que ele teve que editar. Muita gente pediu a cabeça do Sarney.

No governo FHC houve propostas de impeachment e lembre-se do quanto ele foi atacado pelas privatizações, pelo Proer, quando foi à falência o banco da nora dele. O PT foi contra e não assinou a Lei de Responsabilidade Fiscal. E quando Lula assumiu, ele viu o quanto ela era importante e a respeitou. As pedaladas vieram depois. Quero dizer que houve presidentes em grandes dificuldades que não perderam o diálogo com o Congresso.


O clima melhora quando sair o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e entrar um substituto ou substituta indicada pelo presidente?


Eu não tenho bola de cristal.

Mas tem esperança que melhore?
Eu não tenho bola de cristal.

O ex-ministro da Justiça Alexandre de Moraes disse que o presidente Temer não precisaria escolher alguém da lista tríplice para substituir Janot. E, legalmente, não precisa mesmo. O senhor acha que Temer deveria respeitar a lista?


O direito constitucional tem três fontes: a letra da lei, o espírito da lei e a prática da lei. É isso que vai ser combinado. Vamos ver como procederá o Ministério Público Federal, o que virá. Quando vier vamos estudar a melhor solução institucional.

Seria prudente escolher alguém fora da lista?


Fora da lista? Tecnicamente é possível.

Seria prudente neste momento?


Esse é um juízo político que não me cabe. Cabe ao presidente da República.

Historicamente, os ministros da Justiça auxiliam o presidente na escolha de ministros do STF, do STJ, da PGR. Qual será seu posicionamento, como Ministro da Justiça, ao ser questionado sobre isso pelo presidente?


O presidente Temer é professor de Direito Constitucional, foi meu professor. Ele não vai me fazer essa pergunta. O que farei é analisar os nomes mais destacados e dar a ele informações. Tenho muitos amigos no Ministério Público Federal, ex-professores e ex-alunos, então essa é uma experiência que levarei até ele.

O presidente da República está sendo perseguido pelo Ministério Público?


Não. Há um confronto político de instituições, cada um fazendo a sua leitura de seu papel constitucional e o cumprindo. Enquanto cidadão, advogado e ministro da Justiça, o que espero é que se observe os mandamentos constitucionais fundamentais, que são ganhos civilizatórios, como o devido processo legal, ampla defesa e contraditório, com todos os recursos a ela inerentes, ato administrativo motivado pela lei e pelos fatos, porque quando você trata de direitos individuais e coletivos, a ilação é prejudicial à justiça, é prejudicial à relação sadia e leal entre os poderes.

Estão acontecendo ilações no caso do presidente Temer?


Não. Só fiz a proposição. Eu não sou ator nessa questão.


A capa da revista ISTOÉ da semana passada revelou um clima de caça às bruxas dentro da Procuradoria Geral da República por conta dessa disputa pelo cargo de PGR. Acha adequado um clima desses dentro do Ministério Público?


Não cabe a mim, como ministro da Justiça, comentar as questões internas do Ministério Público Federal. E não adianta você me perguntar isso de outro jeito porque eu vou te dar a mesma resposta. Até porque, eu não gosto de bananas. Pode jogar as cascas que for que eu pulo por cima de todas.

Sobre a Polícia Federal, o senhor pretende tirar o diretor-geral, Leandro Daiello, do comando da corporação?


Tenho ótima convivência pessoal e profissional com o delegado Daiello e estamos estudando o que é melhor para a Polícia Federal.

O senhor detectou algo que indique que essa mudança é necessária? Dizem que em time que está ganhando não se mexe, não sei como está agora no seu Flamengo.
No Flamengo precisa mexer muito, porque não está ganhando nada (risos). O que a Polícia Federal precisa são de meios operacionais modernos, equipamento, uma revisão do contingenciamento – que não é corte – o timing desse contingenciamento, para que ela possa com igual eficácia cuidar das suas tarefas. O que é importante destacar para a Polícia Federal é que não é só Lava Jato. Ela tem 473 operações demandadas pela Justiça Federal e/ou Ministério Público, tem uma imensa tarefa de polícia de fronteira, tem a cooperação internacional, com adidos mundo afora. A Lava Jato tem a sua proeminência, está consolidada, está blindada. Meu desafio é, junto com a corporação, estabelecer prioridades nesse quadro.

Essa revisão de meios operacionais, de timing de contingenciamento, passa pela mudança do comando da PF?


Não necessariamente.

Quando assumiu a pasta, o senhor disse que iria avaliar e consultar o presidente Temer sobre a necessidade de mudança no comando da PF. Em conversa com a ISTOÉ, o presidente disse que, embora chancelada por ele, era uma decisão sua. Quem vai decidir isso, o senhor ou ele?


Ele. É ele, claro que é ele. A caneta é dele. Ainda que eu leve emprestada, a caneta é dele.

Parlamentares estão interferindo em nomeações do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Não caracteriza uma nomeação política e não técnica, como deveria ser?


Foram todas feitas antes de eu chegar. Não participei de nenhuma delas. Mas claro que tem, cabe ao Senado aprovar. E qualquer indicação que passe pelo Senado terá sempre um tom de política para qualquer cargo daqueles muitos elencados na Constituição. Inclusive ministros do Supremo, que é uma corte política. Todo tribunal constitucional é uma corte política.

Qual será a contribuição do Ministério da Justiça para a questão do crack?


Se eu tivesse a solução para isso eu ia ganhar o Oscar, o Grammy, o Tony, Cezar, o Nobel da Paz e da Química. Mas parte do estudo é feito aqui na Secretaria de Políticas Antidrogas. Eu acho admirável o trabalho do prefeito de São Paulo, João Doria. Ousado, alguém tinha que tomar uma atitude ostensiva de tentar controlar a situação. Eu espero que seja a melhor solução. Se não for, certamente, buscará outra. Mas o trabalho é notável e será referencial para o Brasil.

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