“Tentaram jogar por terra a minha reputação”, diz ex-diretor do Instituto Butantan

“Tentaram jogar por terra a minha reputação”, diz ex-diretor do Instituto Butantan

Jorge Kalil – um dos cientistas mais influentes do país – dirigiu a instituição por seis anos. Acusado de irregularidades administrativas, foi demitido por telefone na segunda-feira (20)

RAFAEL CISCATI
23/02/2017 - 19h35 - Atualizado 23/02/2017 23h46
O ex-diretor do Instituto Butantan, Jorge Kalil. Ele diz que foi alvo de uma campanha de difamação (Foto: Victor Affaro/ Editora Globo)
O cientista Jorge Kalil estava em Paris quando soube, por telefone, que perdera o emprego. Kalil dirigiu por seis anos o Instituto Butantan, um instituto de pesquisa e fabricação de vacinas ligado ao governo do estado de São Paulo. Entre 2012 e 2015, foi também presidente da Fundação Butantan, uma instituição privada responsável por administrar as finanças do Instituto. Naquela segunda-feira (20), a conversa que teve com o secretário de Saúde de São Paulo, David Uip, tinha um fim previsível. Sua saída ocorria em meio a uma série de farpas trocadas entre ele e André Franco Montoro Filho, o economista que o substitui na presidência da Fundação e que acusava o antecessor de irregularidades administrativas. Montoro pediu demissão no começo de fevereiro, depois de se desentender com o Conselho Curador da instituição. Saiu do cargo fazendo barulho: segundo ele, o relatório de uma auditoria, concluída em 2015, demonstrava que Kalil usara o cartão corporativo para bancar despesas durante as férias. Que fizera contratações de emergência sem necessidade comprovada e pagamentos sem contrato assinado. “Recusei seguir tais práticas”, disse Montoro em uma carta ao se demitir. “O secretário de Saúde me disse que, por causa das questões apontadas na imprensa, teria de me afastar da direção”, diz Kalil.

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Nesta entrevista a ÉPOCA, Kalil defende que seu afastamento é resultado de velhas rusgas cultivadas entre ele, Montoro e David Uip. Segundo o cientista, os três discordavam quanto a qual deveria ser o papel da Fundação Butantan. Montoro, diz o cientista, queria ter maior poder de decisão sobre as finanças da instituição. Kalil defendia que a Fundação não deveria interferir em certas decisões da alçada do Instituto e que careciam de conhecimento técnico. Como a contratação de novos pesquisadores ou a compra de equipamentos: “Montoro era economista, não tinha nenhum conhecimento técnico”, diz Kalil. “Ele achava que mandaria no Butantan. Mas não podia fazer isso. A fundação privada de apoio não pode mandar no Instituto.” As acusações que Montoro fez ao se demitir, diz Kalil, resultaram da mágoa acumulada em anos de desavenças. “E o secretário aproveitou a oportunidade. Há muito tempo queria me retirar, porque não foi ele quem me indicou ao cargo.”

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Funcionários do Instituto Butantan, em São Paulo. Eles se vestiram de preto para se opor à demissão do diretor Jorge Kalil (Foto: Jorge Kalil)
Segundo Kalil, as irregularidades apontadas pela auditoria, a cujos resultados Montoro teve acesso ainda em 2015, já haviam sido justificadas. As viagens pagas com cartão corporativo, por exemplo, foram feitas para que ele comparecesse a compromissos de trabalho. Diz que foi vítima de uma campanha de difamação: “Houve gente que agiu de má-fé. Pessoas que tentaram jogar por terra a reputação de um cientista de fama internacional. Que devotou seis anos de sua vida à direção do Instituto Butantan”. Na manhã desta quinta-feira (23), aniversário do Instituto, ele foi homenageado pelos funcionários da instituição. Vestidos de preto, em um auditório lotado, eles aplaudiram o ex-diretor.

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ÉPOCA – Como o senhor foi avisado da demissão?
Jorge Kalil –  
Havia uma discordância entre o secretário de Saúde e eu, de como deveria ser conduzido o Instituto Butantan e sua Fundação de apoio. Foi quando começou uma campanha de difamação contra mim, a partir daquilo que o André Franco Montoro Filho disse ao se demitir. O objetivo claro era me difamar, para depois ter uma justificativa para me demitir. Um coisa absolutamente terrível, horrível. Eu estava na França, representando o Butantan, numa reunião de uma coalizão formada para discutir as epidemias que ameaçam o mundo. O presidente francês estava presente. O secretário de Saúde, David Uip, me telefonou na segunda-feira e me disse que, por causa das questões apontadas na imprensa, ele teria de me afastar da direção. Mas que eu era bem-vindo a continuar a fazer pesquisas no Instituto. Seria incongruente. A ciência é a procura constante da verdade. Eu não poderia continuar.
ÉPOCA – O secretário de Saúde poderia simplesmente demiti-lo. Qual o interesse em propagar supostas mentiras?
Kalil – 
O professor Montoro saiu um pouco magoado do Instituto. Nós o tiramos de uma posição de prestígio. O Butantan tem muito prestígio, e o Montoro já estava aposentado quando assumiu a presidência da Fundação. Ele achava que mandaria no Butantan. Mas não podia fazer isso. A fundação privada de apoio não pode mandar no Instituto. Ela tem de seguir as regras de uma fundação, que são muito bem estabelecidas pelo Tribunal de Contas, e cuidar para que as coisas sejam bem executadas. Mas quem dirige é o Conselho. Não só eu, como todos os meus diretores. Ele saiu com raiva e me difamou. O secretário aproveitou a oportunidade. Há muito tempo David Uip queria me retirar, porque não foi ele quem me indicou.
ÉPOCA – Quais eram suas discordâncias com o secretário de Saúde?
Kalil –
 Nós temos visões diferentes de saúde pública, temos visões diferentes de gestão. Agora, ele poderia ter me demitido sem vazar para a imprensa, ele e o Montoro, coisas que me desabonassem. E que são meias verdades.
ÉPOCA – O senhor, e também parte dos funcionários do Butantan, afirma que sua demissão foi reflexo de uma disputa política pelo controle da Fundação Butantan, que cuida das finanças do Instituto. Como assim?
Kalil –
 Em todos os investimentos, a Fundação tem de seguir as diretrizes do Instituto. Por isso eu era partidário, assim como todo o Conselho, de que a mesma pessoa que dirigisse o Instituto deveria dirigir também a Fundação. [Kalil acumulou os dois cargos entre 2012 e 2015.] Porque a Fundação nada mais é que um braço administrativo e financeiro a serviço do Instituto. Quando o secretário de Saúde [David Uip] pediu para eu dividir a direção do Instituto e da Fundação, convidei o doutor Montoro. No começo, ele seguiu as diretrizes do Instituto. Depois – não sei bem o que aconteceu, se foi por ordem do secretário ou não –, ele começou a tomar atitudes que não estavam de acordo com essas diretrizes. O Conselho curador o advertiu.
ÉPOCA – Como ele se desviava dos objetivos do Instituto?
Kalil – 
Por exemplo – nós tínhamos recursos e eu tinha decidido que deveríamos aumentar a quantidade de funcionários envolvidos na produção dos lotes-piloto da vacina da dengue. Ele discordou. Mas ele é economista, não tem conhecimento técnico nenhum. O gasto seria pequeno, e ele tinha de seguir as diretrizes do Instituto. Demorou meses para contratar novos funcionários, e isso vai ter desdobramentos no desenvolvimento da vacina. Outra coisa que eu acho gravíssima: nós havíamos conseguido R$ 25 milhões do governo federal para investir na fábrica de vacina contra difteria, cujas atividades estavam paralisadas. Ela estava parada porque a Anvisa exigia que fizéssemos readequações, o que era muito custoso. Conseguimos esse dinheiro e íamos mandar comprar os equipamentos exigidos pela Anvisa. Ele barrou a compra. Dizia que era mais barato comprar as vacinas na Coreia do Sul do que fabricar no Butantan. Mas não é uma questão de mais barato ou mais caro. É uma questão de interesse público. Existe um interesse de fazer uma vacina tríplice DTP no Brasil. Existe uma estratégia brasileira de ser autossuficiente na produção de vacinas. E ele não poderia interferir nessas decisões. Não sei por que ele queria ganhar dinheiro. Nosso objetivo no Butantan não é ganhar dinheiro. Nós precisamos ter saúde financeira para continuar investindo nos nossos projetos de pesquisa e de produção de vacinas. Projetos de interesse da população. O Montoro interferiu nisso e os conselheiros pediram a renúncia dele.
ÉPOCA – Ao se demitir, o professor Montoro divulgou resultados de uma auditoria interna que mostravam irregularidades na administração da Fundação durante sua gestão. 
Kalil – 
O Montoro teve acesso aos resultados da auditoria ainda em 2015. Como eu era diretor do Instituto, o documento nunca me foi entregue. Mas ele recebeu, e só veio falar a respeito em 2017. Estranho, você não acha? Como é que ele ficou dois anos na presidência, sem se queixar de nada, e de repente ficou tudo ruim? O Montoro divulgou os resultados da auditoria, sem apresentar as respostas que havíamos dado para os questionamentos dessa auditoria. Ela havia levantado problemas de ordem contábil e de condução do processo administrativo, que nós vínhamos arrumando desde que eu assumi a Fundação. Entre 2012 e 2015, implantei uma administração moderna na Fundação. Colocamos controladoria, contabilidade, gerência financeira. Coloquei auditores internos, sistema de licitação, sistema de compras. Os auditores ficaram impressionados com as melhorias feitas em três anos. Mas disseram que existiam coisas que ainda poderiam ser melhoradas. E nós acatamos. Muitas das questões que eles levantaram, o fizeram por desconhecimento do que havíamos feito. E nós respondemos adequadamente.
ÉPOCA – A auditoria apontou, por exemplo, o uso do cartão corporativo para pagar passagens aéreas durante suas férias. O senhor disse que viajou a trabalho. Essas justificativas já haviam sido apresentadas? O professor Montoro as conhecia?
Kalil – 
Ele conhecia essas justificativas. E eu fui muito castigado na mídia por essa questão do cartão corporativo. O que aconteceu: eu tinha marcado minhas férias com muita antecedência. Mas fui convidado por um grande desenvolvedor de vacinas, que trabalha em Siena, na Itália, para participar de um encontro internacional. Ele reuniu grandes cientistas que estudam vacinas para discutir as do ano 2035. A ideia era como nós deveríamos nos preparar para grandes questões em saúde global. Para participar desse encontro, interrompi minhas férias. A Fundação pagou minha passagem, e eu paguei a minha estadia lá. Como nós tínhamos negócios com a GSK, a empresa que organizava o encontro, eu não podia aceitar que ela pagasse essas despesas. Aproveitei a viagem e fui para Milão, onde dei uma palestra na Universidade Humanitas. Pelos dois dias seguintes, discuti projetos de pesquisa importantes para o Instituto. Não usei dinheiro da Fundação para as minhas férias. Ao contrário: apesar das minhas férias, compareci a compromissos de trabalho.
ÉPOCA – Houve críticas também em relação à fabrica de Hemoderivados, que custou R$ 240 milhões e está parada.
Kalil –
 A construção começou em 2008 e parou em 2010, antes de eu assumir a presidência da Fundação. Estava parada porque não existia viabilidade nem econômica nem técnica para terminar. Ela era de uma tecnologia absolutamente nova, o que era positivo, mas cuja eficácia não estava provada. Como eram produtos novos, levaríamos muito tempo, com testes clínicos, para provar que aqueles nossos produtos eram tão bons quanto os que existiam no mercado. Além disso, existia um grande problema porque o governo federal estava relançando a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia [Hemobrás], com as obras lá em Pernambuco. O plasma é, por lei, do governo federal. E iria para a Hemobrás, não para o Instituto. Precisaria haver um acordo para que pudéssemos trabalhar. Havia ainda um problema econômico, porque a empresa que estava fazendo essa fábrica precisava de um investimento adicional de mais de € 140 milhões para concluir as obras. Não tínhamos esse recurso. O governo estadual não queria investir, nem o governo federal. Não coloquei um tostão, porque a boa gestão diz que se deve investir naquilo que terá retorno financeiro – para permitir à Fundação continuar financiando nossas pesquisas – ou retorno social. Os recursos de que o Instituto dispunha foram usados para concluir a fábrica da vacina contra a influenza. E para reformar todo nosso parque industrial. A reforma era necessária para adequar o parque às normas atuais da Anvisa. Nesse período, nós ainda renegociamos os preços das vacinas vendidas ao governo. Com isso, tivemos saúde financeira para continuar as obras.
ÉPOCA – O senhor foi homenageado pelos funcionários no Butatan nesta quinta-feira (23), data do aniversário do Instituto. Como foi sua recepção?
Kalil – 
As pessoas estavam todas de preto, de luto pela minha saída. Isso mostra quanto elas aprovaram o período em que fiquei no Instituto. Nesse tempo, fiz com que o faturamento do Butantan passasse de R$ 250 milhões para R$ 1,6 bilhão. Recebi cartas de todo lado, de várias instituições brasileiras, dando apoio e achando que fui injustiçado. Houve gente que agiu de má-fé. Pessoas que tentaram jogar por terra a reputação de um cientista de fama internacional. Que devotou seis anos de sua vida à direção do Instituto Butantan. Deixei de lado minhas atividades na faculdade de medicina, onde tinha um laboratório em estruturação. Peguei uma instituição que estava arrasada, para torná-la uma instituição muito respeitada pela sociedade brasileira e pela comunidade internacional. Quando cheguei ao Butantan em 2011, ele estava desagregado e desacreditado, depois do escândalo financeiro de 2009, depois do incêndio de 2010. Fiz um trabalho muito grande de reconstrução do Instituto.

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