Não delete da timeline o amigo que pensa diferente

Não delete da timeline o amigo que pensa diferente

As redes sociais são úteis para detectar os debates em curso no país – desde que você não seja daqueles que deletam, na timeline, os amigos que pensam diferente

JOÃO GABRIEL DE LIMA
31/08/2016 - 13h36 - Atualizado 31/08/2016 14h36
Descontados os interesses pouco republicanos, os fisiologismos paroquiais e os excessos das paixões partidárias, o país viveu, nos últimos nove meses, um debate importantíssimo. Ele se expressou com toda a força, em sua diversidade, na imprensa, nas ruas, no Congresso. Vale olhar para as redes sociais porque nelas, na semana passada, você leu argumentos bem intencionados de lados diferentes. Argumentos brandidos não por políticos corruptos ou militantes fanáticos, mas por gente honesta e sinceramente preocupada com o futuro do país – seus amigos.
O debate que o Brasil viveu ao longo dos últimos meses se estruturou em cima de duas posições principais. A primeira tem a ver com a economia. O país enfrenta uma crise gravíssima, resultado, em grande parte, de erros cometidos no final do governo Lula e durante todo o governo Dilma Rousseff. Nesse período, o país gastou mais que podia, e várias ações da presidente contribuíram para destruir a confiança dos que investem e criam postos de trabalho. O resultado: recessão, inflação e desemprego. Como sempre acontece nos casos de desequilíbrio fiscal, quem paga a conta são os mais pobres – 20% dos desempregados estão na base da pirâmide social, contra apenas 2% no topo. Os que defenderam o impeachment não o fizeram só pelas pedaladas fiscais e decretos sem autorização do Congresso. Eles consideraram que tais procedimentos eram parte de um todo maior, uma fraude fiscal que destruiu as perspectivas de milhões de pessoas. O impeachment, segundo esse raciocínio, reafirmaria o valor da responsabilidade fiscal dentro da sociedade brasileira. Seus amigos que defenderam essa postura nas redes sociais tinham um bom argumento.
O segundo eixo do debate tem a ver com a política. O Brasil é uma democracia jovem, que completou três décadas no ano passado. O impeachment da presidente Dilma seria, assim, o segundo em 31 anos de democracia. É muito. Dois impeachments configuram um trauma. Não se retira o mandato de uma governante eleita por 54 milhões de votos sem dor. O processo já foi difícil em 1992, com Fernando Collor, o primeiro presidente eleito na redemocratização. Um político que, como Dilma, perdeu sua popularidade e seu apoio no Congresso – mas que, ao contrário de Dilma, não tinha o apoio de um partido político importante. Para se consolidar, democracias precisam de previsibilidade e estabilidade. Elas vêm naturalmente quando, ao longo dos anos, há alternância de poder e os governantes cumprem seus mandatos até o final. Seus amigos que defenderam essa postura nas redes sociais tinham, igualmente, um bom argumento.
Uma pessoa navega pelo celular. A democracia pode desfilar pela timeline da conta na rede social (Foto: Thinkstock)
As duas posições abriram espaço para hipérboles e ceticismo. Do lado dos que temiam o trauma político, havia um exagero: para alguns deles, o impeachment da presidente Dilma significaria o fim da democracia, como no golpe de 1964. A própria Dilma recorreu a esse argumento na tribuna do Senado. O tempo se encarregará de desfazer tal leitura equivocada. Ao contrário do que aconteceu em 1964, o Congresso continuará funcionando, o calendário eleitoral será mantido – e a democracia brasileira continuará a vibrar nas casas legislativas, nas ruas e nas redes. Do outro lado, entre os que se preocupam com a economia, havia – e ainda há – algum ceticismo em relação ao governo Michel Temer. Consumado o impeachment, Temer, que se elegeu junto com Dilma e com os mesmos parceiros, mas que não foi consagrado pelo voto na cabeça de chapa, teria força para dar uma guinada na economia, com os cortes necessários para a retomada do crescimento?
Simplificando o debate (que comporta, também, infinitas posições intermediárias): qual a melhor escolha? Reafirmar o valor da responsabilidade fiscal dentro da sociedade brasileira, ao custo de uma turbulência política? Ou manter uma presidente que causou uma crise de confiança, arriscando-se a mais recessão, mais inflação e mais desemprego?
Os representantes eleitos pelo povo brasileiro – deputados e senadores – decidiram, em votação que se seguiu a discussões exaustivas, pelo caminho de reafirmar o valor da responsabilidade fiscal. Nem todos os deputados, é claro, fizeram a reflexão enunciada aqui. Muitos agiram por interesses pouco republicanos, como livrar-se de investigações de corrupção. Praticamente todos eles, como é normal numa democracia, tomaram suas decisões olhando para suas bases políticas. Os que votaram pelo impeachment leram as pesquisas que tomam o pulso da maioria. De acordo com elas, cerca de 70% dos brasileiros queriam o impeachment – e as enormes manifestações ao longo do ano passado atestam isso. Os que votaram contra o impeachment miraram nos outros 30%, um contingente numericamente importante de eleitores, a maior parte deles à esquerda do espectro político. Onde se encontram, inclusive, vários intelectuais e formadores de opinião.
O debate foi apaixonado – como, aliás, é próprio de democracias vibrantes como a brasileira. Deixou feridas, e elas precisam cicatrizar para que o país vá em frente. Os novos governantes terão de confirmar as expectativas depositadas neles. Cabe ao time do governo Temer recuperar a economia, dentro dos valores da responsabilidade fiscal – e afastar-se, ao mesmo tempo, dos envolvidos com a corrupção na Operação Lava Jato. Aos que se opuseram ao impeachment em defesa da democracia, existe um caminho democrático a tomar. Respeitar a decisão soberana do Congresso e equipar-se para uma oposição bem fundamentada. O pior que pode acontecer à democracia brasileira é um empobrecimento do debate, em que a desqualificação dos que pensam de maneira diferente substitui os argumentos. Outros debates virão. O próximo – e que deve surgir com força nas próximas eleições – será sobre a melhor maneira de recuperar a economia. Como cortar gastos do governo de forma a retomar o crescimento e, ao mesmo tempo, não prejudicar a porção mais pobre da população? Oposição e situação têm o desafio de propor planos viáveis. Que as discussões sejam de alto nível. Elas constituem a essência da democracia, e a democracia continua.
Em tempo: não delete da rede e das reuniões familiares os amigos e parentes que têm opiniões diferentes da sua. São eles que nos fazem pensar – e provocam, em nossas vidas, o exercício diário da democracia.
João Gabriel de Lima - Diretor de Redação (Foto: Época )


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