O Estado Islâmico tem ligação com o atentado em Nice, na França?

O Estado Islâmico tem ligação com o atentado em Nice, na França?

Apesar de assumir a autoria do massacre em Nice, é preciso cautela: o EI costuma se gabar de crimes que não cometeu

RODRIGO TURRER
16/07/2016 - 09h54 - Atualizado 16/07/2016 10h56
Policial guarda cena do crime ao lado dos corpos das vítimas estirados na Promenade des Anglais,em Nice (Foto:  Franck Fernandes/Maxppp via ZUMA Press)
Estado Islâmico assumiu a autoria do atentado em Nice, osegundo pior atentado terrorista na história da França, que deixou ao menos 84 mortos e 202 feridos na noite de quinta-feira (14). Por meio de um comunicado, a agência de notícias Amaq, uma espécie de imprensa oficial do EI, disse que o tunisiano Mohamed Lahouaiej Bouhlel, de 31 anos, identificado pelas autoridades francesas como a pessoa ao volante do caminhão, era "um soldado do Estado Islâmico e lançou o ataque para atender aos chamados para atacar os cidadãos dos países que fazem parte da coalizão internacional que combate o Estado Islâmico".
Também no sábado, o Grupo de Inteligência SITE, que monitora comunicações jihadistas, disse que o Estado islâmico tinha oficialmente reivindicado a responsabilidade em um boletim de notícias em sua estação oficial de rádio, Al Bayan, e fez uma ameaça aos países que integram a coalizão internacional que ataca o EI na Síria e no Iraque: "fiquem alertas, países cruzados, vocês não estão seguros".
Mas o Estado Islâmico tem, de fato, alguma ligação com o atentado em Nice? O comunicado do Estado Islâmico foi recebido com cautela pelos especialistas em terrorismo.Apesar do ministro francês do Interior, Bernard Cazeneuve, ter dito neste sábado (16) que o autor do ataque em Nice "parecia ter se radicalizado muito rapidamente", os serviço de Inteligência francês ainda não deu provas de como ele se radicalizou. O perfil de Bouhlel não casa com o de jihadistas usuais, a não ser pelo desqueilibrio psicológico evidente. Além disso, os espécialistas em jihadismo afirmam que o Estado Islâmico, muitas vezes, assume a responsabilidade pela violência levada a cabo em seu nome mesmo quando não havia nenhuma indicação de que a rede terrorista teve qualquer papel direto no planejamento ou execução dos ataques. Ao contrário da al-Qaeda, o Estado Islâmico apoia e incentiva que indivíduos sozinhos cometam  assassinatos indiscriminados dos cidadãos de países que considera inimigos.
Nos últimos dois anos, o Estado Islâmico parece cada vez mais propenso a incentivar e patrocinar ataques terroristas no exterior. Há alguns meses os líderes do Estado Islâmico conclamam seus seguidores a não viajarem para a Síria ou para o Iraque e, em vez disso, promoverem ataques dentro dos seus países - principalmente na França. Isso faz todo o sentido diante da perda de território e das seguidas derrotas que o EI tem sofrido nos últimos dois anos (entenda no gráfico ao lado). Conforme perde território no campo de batalha, o Estado Islâmico se fia cada vez mais na estratégia do terrorismo global, planejando ou inspirando ataques em diferentes lugares do mundo. Segundo um relatório da consultoria IHS, que acompanha a jihad global, só em 2016 o EI perdeu 12% de seu território.
A perda territorial tem um impacto crucial na capacidade de financiamento do grupo: a renda mensal do Estado Islâmico caiu de US$ 80 milhões para US$ 56 milhões entre julho do ano passado e março deste ano, segundo a IHS. “Conforme o califado do Estado Islâmico encolhe e se torna cada vez mais claro que seu projeto de governança está fracassando, o grupo está repriorizando (a estratégia) de insurgência. Como resultado, nós infelizmente esperamos um aumento nos ataques com vítimas em massa e a sabotagem de infraestrutura econômica, no Iraque e na Síria e mesmo além, incluindo a Europa”, afirmou Columb Strack, analista sênior da IHS, na ocasião da publicação do relatório.
O encolhimento territorial parece ser inversamente proporcional à capacidade do grupo em causar estrago com relativa pouca infraestrutura em diferentes países. Isso porque o Estado Islâmico é o principal patrocinador deste novo tipo de terrorismo, que usa extremistas isolados ou em grupos pequenos para cometer atrocidades contra pequenos alvos com grande concentração de pessoas. Chamados de “lobos solitários”, privilegiam ataques contra alvos civis como cafés e supermercados, comandados por grupos de no máximo cinco terroristas. São ações mais fáceis de concretizar, que aterrorizam a população, geram publicidade e são difíceis de detectar.
Além de extremamente eficaz para gerar propaganda e aterrorizar a população, o EI elevou os atos de terrorismo a uma forma de “adoração”, que dispensa apoio logístico da na preparação dos ataques. Ao contrário da al-Qaeda e de outros grupos jihadistas, que tinham uma rígida hierarquia, o EI liberou seus seguidores mundo afora para cometer atentados. Basta jurar lealdade ao grupo antes do ataque – seja on-line, seja por telefone, seja por escrito, qualquer um pode jurar lealdade. Foi o que fez Mateen. Foi o que fez um casal terrorista que matou 14 pessoas em um centro comunitário em San Bernardino, na Califórnia, em 2015.
No caso de Nice, parece ainda mais estranho que o grupo tenha, de fato, algum envolvimento. Autoridades francesas já disseram que Mohamed Lahouaiej Bouhlel não estava no radar dos serviços de inteligência. e não figurava na chamada Lista S, do Diretório Geral de Segurança Interna da França, de pessoas que teriam ligação com radicais islâmicos ou estariam em processo de se radicalizar e, por isso, são monitoradas. Também não parece ter seguido a cartilha usual dos lobos solitários, de jurar fidelidade antes, durante ou depois de atacar. As investigações, até o momento, mostram que Bouhlel também não tinha o perfil usual dos jihadistas. Bouhlel gostava de bebidas alcoólicas, haxixe e usava bermudas com frequência - costumes no mínimo atípicos para um jihadista. Não tinha contatos com radicais islâmicos conhecidos, nem viajou para países do Oriente Médio considerados celeiros de terroristas, como Síria e Iraque.
O histórico de Bouhlel assemelha-se mais a de um pequeno criminoso, um desajustado. Ele tinha um histórico de pequenos crimes cometidos em 2010 e algumas detenções, mas apenas isso."Ele era conhecido da polícia por casos de violência e por usar armas, mas não tinha ligação com terrorismo", disse um investigador. No dia do crime, revelou a revista francesa L'Express,  Bouhlel, que possuía identidade francesa, discutiu com um vizinho num bar. "Um dia, você vai ouvir falar de mim”, contou Wissam, que afirmou ainda ser do mesmo vilarejo do criminoso, Msaken. Um canal de TV francês, o iTélé, divulgou que Bouhlel foi preso em março deste ano, depois de uma batida de carro seguida por briga.
Em sua cidade natal, em Msaken, na Tunísia, a agência France-Presse afirmou ter entrevistado o pai do terrorista, Mohamed Mondher Lahouaiej Bouhlel. Ele afirmou a que seu filho teve depressão recentemente, mas que ele não era um radical islâmico. "De 2002 a 2004 ele teve problemas que causaram um colapso nervoso. Ele ficava irritado, nervoso, e gritava por qualquer motivo. Era capaz de quebrar qualquer coisa que visse na frente dele", afirmou à France-Presse. "Ele tomava remédios e costumava ficar sozinho, sempre foi deprimido. Mas não era um radical islâmico".
Inspirar agressores em países estrangeiros que jurem fidelidade ao EI e cometam atentados e massacres é parte fundamental da propaganda do Estado Islâmico. É um esforço de guerra para confundir as nuances entre operações planejadas e levadas a cabo pelos combatentes principais do grupo terrorista e as ações realizadas por seus simpatizantes. Um levantamento feito por dois pesquisadores europeus especialistas em terrorismo, Thomas Hegghammer e Petter Nesser, do Centro Noruguês de Pesquisas sobre Defesa, tenta separar os atentados planejados e executados pelo Estado Islâmico daqueles que tem uma conexão remota com o grupo. Segundo o estudo, dos 69 ataques associados ao “terror islâmico” cometidos em solo europeu ou americano de janeiro de 2014 a julho de 2015, apenas 30 tiveram vínculo claro com o EI. “Na maioria dos casos, a conexão consiste apenas no apoio declarado ao EI, não na comunicação direta com o califado”, afirmam Thomas Hegghammer e Peter Nesser.
A estratégia para manter o povo em terror permanente, e para tirar dividendos de qualquer ataque cometido mundo afora, tem sido eficaz. Como escreveu Charlie Winter,  que pesquisa violência e conflitos transculturais na Universidade da Georgia: "Não importa se a cobertura é negativa. Para o EI, desde que seja nos termos dos propagandistas e transmita uma suposta força e onipresença do grupo, qualquer aparição na mídia é uma boa aparição".

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