Dama de Ferro: Milena Klein, triatleta e diabética

Dama de Ferro: Milena Klein, triatleta e diabética

 - 13 de novembro de 2015
A triatleta pronta para mais um Ironman: Milena pedala e corre com a bomba de insulina
A triatleta pronta para mais um Ironman: Milena pedala e corre com a bomba de insulina

“A tua vida muda completamente. Um dia você senta na frente do médico e ele diz: ‘olha, a partir de hoje você não pode comer doces, você vai ter que tomar injeções de insulina…’.” Foi assim que a gaúcha Milena Klein descobriu aos 12 anos que tinha diabetes. De repente, a menina havia começado a emagrecer muito e a acordar de madrugada cheia de sede. A mãe desconfiou, levou ao médico e um exame confirmou a doença (decorrente da ausência ou mal funcionamento do hormônio produzido pelo pâncreas que transforma glicose em energia). No início, Milena reagiu com revolta e incompreensão. Foi entender o problema e aprender a se cuidar só lá pelos 15, 16 anos, frequentando o Instituto da Criança com Diabetes, em Porto Alegre.
Foi por essa época, em 2008, no Instituto mesmo, que a jovem começou a praticar um novo esporte: corrida. Natural de Canoas, na região metropolitana da capital gaúcha, ela sempre foi hiperativa. Na infância, fez judô, tênis… “Eu não parava quieta, estava sempre na rua jogando bola, andando de bicicleta.” Correndo, disputando provas, Milena percebeu que a sua taxa de glicose ia melhorando. Viu que a doença não tinha que ser uma limitação. E botou na cabeça o sonho de ser atleta – aliás, triatleta. Hoje com 23 anos, ela conquistou definitivamente esse objetivo em maio de 2014, quando encarou um baita desafio: o Ironman de Florianópolis.
Disputado pela primeira vez no Havaí, em 1978, o Ironman é uma competição de triatlo hoje difundida na forma de um circuito mundial. O Ironman de Floripa existe desde 2001. São 3 800 metros de natação (no mar), 180 km de ciclismo e mais uma maratona, ou seja, 42 km de corrida. A intervalos regulares, Milena dava uma reduzida no ritmo para checar sua taxa de glicose. “Eu já tenho a manha, então a cada 30 km na bicicleta eu diminuo a velocidade, faço o teste e, se preciso, injeto a insulina. Na corrida também, a cada 5 km eu meço a glicemia.” Ela pedala e corre com a bomba de insulina, conectada a um cateter – só tira para nadar.
Milena completou o Ironman de Florianópolis em 13 horas e 14 minutos. “Em nenhum momento achei que não conseguiria terminar. Fiz num ritmo confortável, poderia até ter feito um pouco mais forte. Estava determinada, bem focada.” Para ela, a parte mais difícil foi a da bicicleta (duas voltas de 90 km entre Jurerê Internacional, no norte da Ilha de Santa Catarina, e o aeroporto). “São seis horas, seis horas e quinze pedalando… Chega um momento em que você não tem mais posição na bike, o banco incomoda, começa a doer as costas. E no fim da prova tinha muito vento, então dificultou bastante.” Mas não seria o vento que iria derrubá-la.
Perigo na pista
Os últimos 12 meses e pouco foram bem tumultuados na vida de Milena. Na última semana de setembro de 2014, ela se acidentou feio na bicicleta. “Eu estava no final do treino, na última volta. Eram quase seis da manhã, escuro ainda, quando dois cachorros atravessaram a pista. Desviei de um e acabei atropelando o outro.”
Foi o seu primeiro acidente, e foi sério: achatamento da vértebra L2, fratura do cóccix e do processo espinhoso. Ela ficou internada por seis dias e teve de usar um colete para sustentação da coluna durante três meses. Os médicos previam que ela levaria o dobro desse tempo para voltar a treinar, mas Milena superou as expectativas. “Minha recuperação foi rápida porque fui conservadora, segui tudo à risca. Nos primeiros 70 dias eu não fazia nada de exercício, tinha que sentar numa boia de hemorroida e usar o colete. Não podia nem caminhar muito, porque se não o meu cóccix poderia deslocar. Não tem como tu enfaixar o cóccix, né?”
No fim de janeiro de 2015, Milena começou a fazer caminhadas, ainda usando o colete de sustentação. Em fevereiro, ainda sentia dores, mas voltou a treinar natação e musculação. “Daí, em março eu voltei com tudo, malhando, pedalando, correndo, nadando. Treinei em março, abril… E no início de maio teve o acidente do meu marido.”
O marido de Milena é Vitor Casagranda, ele próprio triatleta e diabético. Vitor estava se preparando para disputar o Ironman de Floripa quando, duas semanas antes da prova, foi atropelado por um carro durante o treino. O seu acidente foi ainda mais grave: com um coágulo na cabeça, ele ficou sete dias inconsciente na UTI e mais duas semanas internado.
Passado o susto, Milena aos poucos foi encaixando de novo a rotina de treinos. No começo, dava uma corridinha entre uma e outra ida ao hospital. Teve que driblar também a questão da meteorologia – o Rio Grande do Sul tem sido castigado pelas chuvas nos últimos tempos. “Às vezes chovia três semanas direto… Como eu já sofri acidente, hoje sou bem cautelosa sobre treinar com condições climáticas ruins, não treino mais na chuva. Corria na esteira, dava um jeito de adaptar o treino. Tive que me dedicar bastante.” O seu foco era um novo desafio para o qual já estava inscrita: o Ironman de Fortaleza, no segundo domingo de novembro de 2015.
Rotina puxada
É preciso ser atleta (ou super-herói) para encarar o ritmo semanal de Milena. “Minha rotina é assim: na segunda eu nado e corro, na terça eu pedalo, nado e faço musculação, na quarta eu corro e nado, na quinta pedalo e faço musculação, aí na sexta eu faço pedal e corrida. No sábado eu descanso. E no domingo, pedalo.” Os treinos são progressivos, vão ganhando em intensidade. Em sua semana mais puxada, ela calcula que andou 330 km de bike, nadou 12 km e correu 40 km. A carga de exercício é computada pelo GPS de pulso e transformada em dados que Milena envia ao técnico, Marcelo Diniz, para que ele ajuste a planilha de treinos.
Se fosse só treinar e controlar o diabetes, seria quase “fácil”. Mas tem ainda o trabalho, o curso, as aulas como personal trainer… Formada em Educação Física pela ULBRA Canoas, ela é professora de natação e coordenadora de uma academia na cidade. A carga horária até que é leve, umas 24 horas semanais. Mesmo assim, Milena pula da cama às 5 da manhã. Hoje em dia, atende 13 alunos como personal trainer: as aulas, individuais, começam às 5h45 (e não contam como parte de sua preparação de triatleta). Nas noites de sexta e manhãs de sábado ela ainda faz MBA em Gestão de Pessoa e Liderança Coach no Centro Universitário La Salle. Seu plano é dar palestras motivacionais, encorajando ouvintes com sua história.
“Hoje eu vejo o diabetes como algo bom que aconteceu na minha vida”, diz Milena. “Se você pegar o meu exame de sangue, é melhor do que o de qualquer um aí da minha idade.” Convivendo desde cedo com a doença, acompanhada por nutricionistas, a jovem aprendeu a evitar as “porcarias” em prol de uma alimentação saudável. Recentemente, precisou reajustar mais um pouco a dieta por conta de uma nova restrição: intolerância ao glúten. Diz que sente falta do pão francês (“cacetinho”, em gauchês), mas nada que a desanime. Quatro dias antes do Ironman de Fortaleza, ela só queria saber da prova. “Estou bem, consegui treinar bastante, dentro do possível. Só estou louca para que chegue logo o domingo!”
O domingo chegou e Milena cruzou a linha de chegada após 14 horas e 22 minutos. Não conseguiu baixar seu tempo em relação ao Ironman de Floripa (ela já havia adiantado que o calor e o vento seriam obstáculos em Fortaleza). Mesmo assim, ficou em segundo lugar na sua categoria, para atletas com idade entre 18 e 24 anos. Missão cumprida, a gaúcha iria esticar sua estadia no Ceará para curtir uma semaninha de férias. Merecídissimas.

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