Para que a Margarida não sofra

Para que a Margarida não sofra

Mário Lúcio Avelar

Margarida bebe cerca de 150 litros de água por dia. E quando ela tem sede, produz menos leite. A onda de calor que atinge a Suíça, no centro da Europa, está causando quase um colapso na produção de leite no país, principalmente nos Alpes. E a solução encontrada pelo governo suíço para atenuar o sofrimento das vacas como Margarida foi mobilizar, desde ontem, o exército.
A notícia acima acrescenta que a onda de calor chegou a 39,7 graus em Genebra - um recorde comparável às máximas do Estado do Piauí -, mas informa também que a perda de rendimento da pecuária leiteira por causa das elevadas temperaturas chega a alcançar 5,5 litros de leite por animal por dia.
Num primeiro olhar, a distância de milhares de quilômetros que nos separa da Europa poderia sugerir que nada temos com o problema.
Não é o que se passa, porém.
No Brasil da Lava-Jato, da crise econômica e política, o Governo Federalanuncia uma política de ocupação territorial na região conhecida pelo acrônimo Matopiba, formado com as iniciais dos estados doMaranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
As informações oficiais dão conta que o território formador do Matopiba representa a última fronteira agrícola do mundo, na qual se pretende implantar uma agricultura centrada em técnicas modernas e de alta produtividade. Soja, algodão e milho comporão a principal cesta de produtos voltados principalmente à exportação.
Anúncio como esse faz-nos lembrar o movimento de garimpeiros em busca do ouro. O ouro aqui são as novas terras adquiridas a preços depreciados logo convertidas para a agricultura. Sobradesmatamento, falta regulação, controle e fiscalização.
Assim como no Centro-Oeste, na região do Matopiba o cerrado domina 90,9% de toda área, onde também cruzam quatro importantes bacias hidrográficas, Tocantins-Araguaia, Parnaíba, Atlântico Nordeste Ocidental e o São Francisco.
O sofrimento da vaca Margarida, a expansão da nova fronteira agrícola e o consequente desmatamento nos remetem à entrevista da ecóloga MercedezBustamente, da Universidade de Brasília, ao Valor Econômico (de 21.07.2015). Estudiosa da savana brasileira há 23 anos, ela nos alerta que a proteção desse esquecido bioma, apontado como a “caixa-d’água do Brasil”, é decisiva para a economia nacional.
A existência do cerrado é fundamental para 8 das 12 bacias hidrográficas brasileiras, e desmatá-lo pode significar “fechar a torneira da água com todas a consequências possíveis sobre a segurança hídrica e a geração de energia elétrica.
O cerrado é uma floresta de cabeça para baixo, diz ela. Quando se desmata, perde-se o que está na parte aérea, mas o estoque de carbono sob o solo é bem maior. No desmatamento, o carbono da parte aérea queima rápido, mas as raízes vão se decompondo ao longo do tempo e liberando carbono. Dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação mostram que as emissões do Cerrado equivalem à da Amazônia, pressionando as alterações climáticas.
Mesmo na estiagem pronunciada, as árvores da savana brasileira e suas profundas raízes fincadas no solo predominantemente argiloso permitem que esse retenha alta capacidade de água. É a combinação especial de matas e campos que viabilizaa liberação de água das veredas e a regularização dos rios. Quando a chuva cai, é o sistema de raízes da savana brasileira que absorve a água e alimenta o lençol freático, que vai alimentar o lençol artesiano, que são os aquíferos.
Para Altair Sales – renomado professor da PUC Goiás - dez pequenos rios do Cerrado desaparecem, em média, a cada ano. Esses riozinhos são alimentadores de rios maiores, que, por causa disso, também têm sua vazão diminuída e não alimentam reservatórios e outros rios, de que são afluentes. Assim, o rio que forma a bacia também vê seu volume diminuindo, já que não é abastecido de forma suficiente. Com o passar do tempo, as águas vão desaparecendo da área do Cerrado.
A prevalecer a história de nossos últimos 500 anos, a ocupação da última fronteira agrícola, novamenteestimulada pelo poder público,tem tudo para repetir a devastação da Mata Atlântica, reduzida a menos de 9% da sua cobertura original.
A definição da área do Matopiba como área de expansão da nova e última fronteira agrícola pode significar um tiro de misericórdia para a extinção do bioma Cerrado, estimulado pela baixa proteção normativa e a precariedade dos instrumentos de comando e controle dos órgãos ambientais, quase sempre marcados pela deficiência de recursos humanos e elevado grau de corrupção.
Notícia ruim, quase sempre, não costuma vir sozinha. Ao lado dos problemas ambientais a explosão de novas fronteiras agrícolas costuma seguir a expulsão de posseiros e populações tradicionais, vítimas, quase sempre, da força do capital e, quando não, da falsificação de documentos cartorários e de arranjos criminosos destes e políticos.
Em tempos de mudança climática e escassez de água, a boa política pede uma nova forma de abordagem da propriedade rural e dos recursos naturais. Além de um poder público com capacidade de gestão e planejamento do uso e da ocupação do solo, precisamos de produtores rurais que produzam não somente alimentos, mas também água, florestas e solo.
Para além da simples abertura de novas fronteiras agrícolas, o Brasil precisa mesmo é de uma nova forma de gestão de seu território, onde o estimulo à produção implique também na valorização dos seus recursos naturais cada vez mais importantes aqui e no mundo.
O Brasil possui 140 milhões de hectares de áreas degradadas – isto é, terras abandonadas que são mal utilizadas ou estão em processo de erosão –, segundo dados do Departamento de Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Esse número corresponde ao dobro do tamanho do território da França e está presente em todos os biomas e regiões.
Se essas áreas degradadas fossem recuperadas, não seria preciso derrubar mais nenhum hectare de floresta para a agricultura e a pecuária. Talvez aqui esteja a chave para aliviarmos o sofrimento de Margarida - e impedir que o nosso aumente.

Mário Lúcio Avelar é procurador da República no Estado de Goiás. Atuou em Mato Grosso entre 2004 a 2010. Foi responsável em deflagrar ações ambientais, entre as quais a denominada Curupira em 2005. 

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