O crepúsculo do lulismo

O crepúsculo do lulismo

Os escândalos de corrupção envolvendo o PT e a inoperância do governo Dilma abalam a força política do ex-presidente e colocam em risco o projeto eleitoral de Lula para 2018

Josie Jeronimo (josie@istoe.com.br)
Forjado no carisma pessoal e no amplo apoio popular ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o lulismo vive o seu crepúsculo. Se, num passado recente, Lula encarnava a figura política em quem nada de ruim colava, hoje o petista absorve o descrédito do governo e os sucessivos escândalos de corrupção protagonizados pelo PT. Para a população que ocupa as principais avenidas do País para protestar contra o governo, Lula é o parceiro fundamental do fracasso político-administrativo do projeto de poder que levou Dilma Rousseff à Presidência. É a face mais visível e seu principal fiador. Em 2005, no auge do escândalo do mensalão, o então presidente se livrou de um processo de impeachment porque a oposição temia enfrentar as massas em prováveis protestos em defesa do seu mandato. Hoje, a capacidade de mobilização de Lula encontra-se em xeque. Desde o final de 2014, quando fora proclamada a vitória da presidente Dilma Rousseff, depois de uma eleição vencida por uma margem apertadíssima, o “nós contra eles” não funciona como em outrora. Antes considerados imbatíveis, Lula e o PT perderam a primazia das manifestações e o “eles” abafou o “nós” na retórica e nas ruas. O que aconteceu na última semana é emblemático. Convocado por Lula com o intuito de se contrapor a mais uma manifestação contra o governo programada para o dia 12 de abril, o protesto organizado pelas centrais sindicais e movimentos sociais em defesa de Dilma produziu um fiasco. Em São Paulo, reuniu pouco mais de 200 pessoas. No Nordeste, onde Lula já registrou seus maiores índices de popularidade, houve Estados, como a Bahia, que não conseguiu mobilizar nem uma centena de militantes. Na desesperada tentativa de engrossar o coro dos esvaziados movimentos em favor do PT, a CUT numa manobra vergonhosa para seu histórico chegou ao despautério de alugar militantes. Para fazer número na manifestação de terça 7 em Brasília, a central pagou cachê de R$ 45, além de oferecer lanche, boné e camiseta para a pessoas pobres da periferia do DF. Na região do Sol Nascente, a maior favela do DF, foram recrutadas 30 pessoas. 
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Apesar de conhecido por um otimismo empedernido, Lula tem se revelado descrente com o futuro, em conversas com pessoas próximas na sede do Instituto que leva o seu nome em São Paulo. A frase “o fracasso do governo Dilma é o meu fracasso” cunhada pelo ex-presidente há duas semanas expõe um misto de preocupação e rara sinceridade. De acordo com interlocutores que estiveram com Lula recentemente, o ex-presidente ficou apreensivo com pesquisas internas do partido que chegaram a ele nos últimos dias. Elas mostram que a base social que o sustentava derrete na mesma velocidade da perda de sua capacidade de mobilização. Pior, revelam também que as falcatruas do PT e inoperância de Dilma abalaram sua imagem e colocaram em xeque o patrimônio político que poderia lhe garantir um terceiro mandato presidencial em 2018.
O choque de realidade veio após as manifestações de 15 de março, que levaram milhões de pessoas às ruas contra o governo. Até então, Lula e a cúpula do PT minimizavam os protestos. Consideravam as manifestações mero resultado do incentivo da imprensa e do apoio de parcela pouco expressiva da população. O barulho das ruas, no entanto, levou os dirigentes da Fundação Perseu Abramo a encomendar as pesquisas qualitativas às quais Lula teve acesso. Segundo o levantamento, as mesmas pessoas que consideram Dilma incapaz de resolver os problemas do País e os roubos na Petrobras identificam o governo Lula como sendo a origem dos escândalos de corrupção. Para elas, a corrupção está ligada aos desmandos administrativos. Ou seja, para boa parte da população, não há como dissociar Lula da crise atual.
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A decepção do eleitor com o lulopetismo fica ainda mais clara na sondagem da CNI/Ibope divulgada no dia 1º registrou que a maioria dos eleitores de Dilma mostra-se arrependida. Em dezembro, 20% dos eleitores da presidente afirmaram que escolheram a petista, mas tinham ressalvas sobre sua maneira de governar. Três meses depois o índice de eleitores arrependidos de terem votado na sucessora de Lula subiu para 66%. Outra pesquisa, desta vez do Instituto Paraná, mostra que o risco de uma derrota eleitoral do PT e de Lula em 2018 é real. Projeção de um segundo turno entre o ex-presidente e Aécio dá ao tucano uma vitória de 51,5% contra 27,2% de Lula – cenário impensável até dois anos atrás.
Os cientistas políticos André Singer e Rudá Ricci, que se dedicaram ao estudo da ascensão petista na última década, notam o abalo nos pilares do lulismo. Este termo, criado como uma forma de definir simpatizantes do líder petista, nasceu de uma sofisticada leitura de Singer. O cientista político definiu o lulismo como um modelo de composição política centrado nos predicados carismáticos de Lula e envolto numa estratégia econômica de incentivo ao consumo – como a geração de emprego e renda, apoio do Estado a investimentos privados e a políticas sociais para socorrer os mais pobres. Esse fenômeno, no entanto, estaria com os dias contados. Singer, ex-porta-voz de Lula, considera que o lulismo está ameaçado desde os protestos de junho de 2013. Para o estudioso, a ascensão social ocorrida no governo Lula se deu unicamente pela esfera do consumo. Sem dinheiro circulando, a revolução proporcionada pelo lulismo estancou. Para outro estudioso do lulopetismo, o professor Rudá Ricci, além do cenário econômico, a falta de cuidado do governo Dilma em preservar aspectos estratégicos que garantiram a governabilidade dos oito primeiro anos do governo PT também ameaçam o fenômeno. “Ao tratar o arco de governabilidade com óbvios movimentos de toma lá, dá cá - sem qualquer cortesia institucional – e cortar os veios do consumo popular, Dilma eliminou pontos cruciais construídos por Lula”, avalia ele. As correntes mais à esquerda do PT preferem debitar a crise do lulismo na conta da ala mais pragmática do partido, que ascendeu na década de 90, quando José Dirceu assumiu a presidência da legenda. “Embora o estilo predominante no atual governo possa agravar as coisas, os impasses atuais não decorrem principalmente das ações e inações da presidenta Dilma. As escolhas estratégicas feitas pelo PT foram anteriores ao ingresso de Dilma no partido”, diz um trecho de documento interno que compõe teses do debate que permeará o Congresso Nacional do PT, em junho.
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Numa última tentativa de preservar o seu legado e, com isso, não arder na mesma fogueira de Dilma até 2018, Lula aproxima-se da esquerda petista, dos sindicatos e movimentos sociais. Ou seja, ao mesmo tempo em que recomenda a presidente a partilha do poder com o PMDB, nas bases partidárias Lula joga em outra direção, revelando o caráter personalista do seu projeto. Líderes de movimentos sociais até então esquecidos ou que tiveram quadros burocráticos cooptados pela estrutura do governo estão sendo, um a um, chamados para conversas e reuniões com o líder petista. O ex-presidente também retomou o Governança Metropolitana, nome de um projeto do Instituto Lula destinado a debater as cidades brasileiras. Deste modo, Lula pretende ouvir reclamações, antecipar o pleito das ruas. O ex-presidente ainda articula o resgate da boa convivência do Movimento dos Sem Teto. Na terça-feira 7, um dia após o líder do MTST, o filósofo Guilherme Boulos, afirmar em entrevista que “o lulismo não funciona mais”, o ex-presidente recebeu em seu Instituto representantes dos movimentos nacionais de moradia. Os militantes estavam indóceis com o cancelamento da terceira fase do programa Minha Casa, Minha Vida.
Muitos anos de omissão do PT com a juventude petista também estão no radar de preocupações do ex-presidente. Aos 69 anos, Lula ainda fala melhor com os jovens correligionários do que os dirigentes do partido responsável pela interlocução. Em pesquisas internas, o PT identificou a perda de força entre esses militantes. No caderno de teses que o partido apresentará no congresso da legenda, em junho, está registrado o reconhecimento da rejeição dos jovens à sigla. “É preciso organizar a atuação e a influência de massas do petismo entre os jovens que supere seu profundo processo de dispersão e desorganização em um dos momentos em que o PT é mais desafiado a dialogar com as novas gerações”, afirma o documento. Pesquisa da CNI/Ibope vai na mesma direção ao mostrar que o maior percentual da queda de popularidade do governo concentrou-se entre os mais jovens. Entre os entrevistados de 25 a 34 anos, 92% reprovam a administração petista. Na faixa de 16 a 24 anos, a rejeição é de 86%. A falta de oxigenação do PT expõe uma falha da estratégia lulista. Ao cooptar a União Nacional dos Estudantes (UNE) e se aproximar institucionalmente dos líderes da entidade, o PT imaginou que ganharia o apoio dos jovens. O método não funcionou. O mesmo ocorreu com as centrais sindicais. Os burocratas das organizações trabalhistas ganharam assento no governo, mas os trabalhadores não se sentem mais representados pelos sindicatos.
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Para o cientista político e sociólogo Antonio Lavareda, o lulismo respira por aparelhos. O destino do fenômeno, segundo ele, será jogado nas eleições municipais de 2016. “O PT declinou no mensalão, mas conseguiu resgatar um patamar de preferência mais adiante. Nós só podemos saber o futuro do lulismo quando soubermos como terminará o governo Dilma. Provavelmente, as eleições municipais serão as primeiras eleições em que o PT decairá no número de prefeituras. De qualquer forma, os fatos recentes mostram que o lulismo já está bastante enfraquecido”, afirma Lavareda.
O resgate do lulismo, como forma de preservação do PT e de seu projeto de poder, no entanto, não é uma unanimidade entre os petistas. Documento apresentado pela corrente Articulação de Esquerda defende uma refundação da sigla e, até mesmo, a criação de uma corregedoria interna para punir acusados de corrupção. A crise partidária, avalia o grupo, é consequência de concessões feitas pelo governo a grandes empresas, geralmente comandadas por dirigentes que flertam com partidos situados à direita do espectro ideológico. No que depender deles, Lula agonizará sozinho.
Colaborou Alan Rodrigues
Fotos: Gel Lima/Frame/Ag. o Globo; Marcos Alves/Ag. o Globo, Beto Barata e Eduardo Knapp/Folhapress; Pedro Ladeira/Folhapress; Ricardo Stuckert/Instituto Lula

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