AUXILIO-MORADIA,O CLEBER FALOU

Um auxílio para os sem-moradia

O clima era tenso. De um lado policiais fortemente armados e a tropa de choque em formação, aguardando a ordem para avançar. As centenas de ocupantes permaneciam no outro extremo, próximas dos prédios inacabados. Alguns oravam, outros choravam e, os mais exaltados, encorajados a reagir. No meio, a defensora pública, o comando da Polícia Militar, o líder do movimento sem-teto, o oficial de justiça e o deputado tentam um acordo, sobre o olhar atento de alguns repórteres.

 - Não é justo que sejamos expulsos como cachorros daqui… Não temos para onde ir… Temos mulheres grávidas, crianças, doentes… Aonde vamos pôr essa gente? - perguntava Miguel, o líder do movimento sem-moradia, indignado. - Esse conjunto está parado há sete anos… Sete anos! E só agora a prefeitura decidiu retomar as obras? Só porquê ocupamos?

O oficial de Justiça explicou que sentia muito por tudo isso, mas nada poderia fazer porque tinha uma ordem de desocupação a cumprir.

No entanto, Miguel insistia em ficar. O comandante da operação alertava que teria que evacuar a área à força se os ocupantes não se dirigissem aos caminhões providenciados pelo município para as famílias irem embora.

 - Ir? - riu Miguel. - Para onde vão nos levar? Não temos para onde ir, seu tenente. Vão nos colocar onde? A doutora aqui - apontou para a defensora - tentou até o aluguel social para nós, o que seria justo, mas o juiz negou. Disse que não tínhamos direito. Se sem emprego, pobres, com crianças, mulheres grávidas e muitos doentes, não temos direito, quem tem?

Ninguém sabia responder. Então, o deputado tentou mediar com a missão de agradar a todos: sem-teto, o governo e o prefeito, que era aliado do governo.

 - Meu amigo! Vamos encontrar uma solução, mas vocês precisam atender a ordem judicial… Você sabe: decisão judicial não se discute, se cumpre… Formaremos uma comissão no Legislativo para discutir o tema com o nosso governador… Ele é uma pessoa de um coração enorme, um grande ser humano…

Foi cortado por Miguel, que não estava disposto ouvir afagos político-partidários num momento tão difícil.

 - Olha, seu deputado, vocês vão falar, falar e falar por semanas e nos enrolar mais uma vez… E vamos morar aonde enquanto vocês ficam com essa ladainha toda?

O parlamentar, no auge de sua autoridade, se sentiu ofendido.

 - O senhor me respeite… Sou um deputado, um representante do povo! Estamos aqui para encontrar uma solução. Por isso, o senhor precisa se acalmar…

 - É fácil para o senhor falar em calma morando numa mansão e ainda recebendo auxílio-moradia… Eu vi que vocês deputados se juntaram no final do ano e aprovaram o auxílio-moradia…

O deputado tirou um lenço do paletó e passou nervosamente pelo rosto.

 - Isso não está em questão, meu senhor… Estamos aqui para discutir a desocupação desses prédios do povo… E o auxílio-moradia é um ato totalmente legal!

 - Mas é imoral! E nós não somos povo? Se esses prédios são do povo, são nossos porque somos povo. E as duas coisas têm tudo a ver, sim… Por que os deputados têm direito ao auxílio-moradia e nós, que precisamos de verdade, não temos direito ao aluguel social?

Com o lenço já encharcado, o parlamentar já não sabia mais como conter o suor.

 - Por que vocês não protestam contra os desembargadores, que recebem o auxílio-moradia; contra os promotores, os ministros dos Tribunais Superiores e todo mundo que recebe… Por que só atacam os deputados? Por que essa perseguição contra o Legislativo?

 - Porque não escolhemos os promotores, os ministros e os desembargadores. Mas escolhemos nossos políticos, para nos defender e zelar pelo dinheiro público, não para produzir benesses para si! - já gritava Miguel, como num desabafo. - Não é porque os outros recebem tamanha imoralidade que vocês necessariamente precisam receber. Era o momento de vocês darem o exemplo e uma lição para eles todos!

O tenente tentou intervir e voltar ao assunto do dia: a desocupação.

- Nós não estamos aqui para discutir as benesses dos deputados… - percebeu o ato falho, e tentou corrigir: - Digo, os benefícios dos deputados… Queremos saber se vocês vão retirar as famílias desses prédios ou não?

Mas agora era o deputado quem queria resolver a questão do auxílio-moradia.

 - A culpa é de vocês, jornalistas - disse apontando para uma das repórteres, que olhou de lado, para ter certeza de que era com ela mesma.

O deputado abriu o paletó, passou o lenço molhado de novo pela testa antes de continuar.

 - Sim… vocês mesmos! Fazem uma campanha injusta contra os deputados! Uma verdadeira perseguição contra nós! Pois saiba que os deputados trabalham muito mais do que todo mundo! Mais do que juiz, desembargador, promotor, defensor - discreta no debate, a defensora só deu uma olhada de esguelha. - Trabalhamos mais do que todo mundo! Trabalhamos 24 horas!

Sua Excelência já estava aos gritos, e os ocupantes, irrequietos com os berros do parlamentar e com a bandeira que ele defendia.

 - Mas o senhor tem uma mansão na Capital… Para quê o auxílio-moradia?

 - Por que tenho direito! Se foi aprovado, tenho direito! E tem deputado que não tem casa aqui…

Miguel coçou a cabeça.

 - Mas quase R$ 30 mil de salário não dão para pagar um aluguel?

A turba próxima aos prédios murmurava em favor de seu líder. Os policiais, no outro extremo, também meneavam a cabeça, discretamente, concordando com o argumento.

 - Dão, mas eles têm direito ao auxílio-moradia… Foi aprovado! É lei, e lei precisa ser cumprida… Como vocês deveriam cumprir a lei neste momento e deixar esses prédios!

Pronto. Conseguiu indignar de vez o povo. Os ocupantes começaram a vaiar o deputado.

 - O senhor precisa ter cuidado com o que fala, excelência - pediu o tenente -, ou as coisas vão sair do controle e não poderemos fazer nada…

Enfurecido, o deputado olhou para oficial e disparou: - No fundo, o senhor está fazendo corpo mole. Deveria cumprir a lei imediatamente… - E vocês - gritou apontando para o povo - vão protestar na baixa da égua!

Agora, o povo tinha se revoltado de vez e começou se aproximar. Miguel pedia para todos manterem a calma. Porém, já não era mais ouvido. A tropa de choque teve que avançar. 



O assessor puxou o parlamentar para o carro e, ao volante, viu pelo retrovisor a fumaça das bombas de gás, os cacetes em ação e dezenas de sem-teto sendo empurrados para fileiras em direção aos caminhões.

 - Para onde, senhor? - perguntou o assessor.

O deputado desabotoou a camisa, afrouxou a gravata e respirou aliviado.

 - Para a casa. Preciso da minha cama e do meu bom e agradável ar-condicionado.

Tirou um pente do bolso do paletó e ajeitou o cabelo.

 - E quer saber, Aguinaldo? - resmungou para o assessor. - A eleição de outubro já passou, ganhei meus votos e me garanti por mais quatro anos na Casa. Daqui até lá ninguém vai se lembrar como eu moro, como eu vivo, ou o que recebo ou deixo de receber. Tudo ficará bem - assegurou.

O carro avançou em direção ao centro da Capital.

Palmas, C.T., 5 de fevereiro de 2015.

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