Lyoto Machida: o último voo do Dragão



Lyoto Machida: o último voo do Dragão

FERNANDO ARBEX
18 Dezembro 2014 | 15:41
Atração principal do UFC Fight Night 58, Lyoto Machida tem uma trajetória no MMA marcada pela divisão dos fãs quanto ao seu estilo muitas vezes pouco empolgante, mas altamente refinado. Gostando ou desgostando, o ex-campeão meio-pesado do Ultimate, se quiser, pode se aposentar orgulhoso de uma vitoriosa carreira, mas ele quer mais. Aos 36 anos, “O Dragão” inicia em Barueri neste sábado mais uma campanha em busca de um segundo cinturão em uma segunda categoria diferente, feito que ele falhou em alcançar em julho, quando foi derrotado por decisão unânime pelo campeão dos médios Chris Weidman.
Lyoto treina na Allianz Parque. Werther Santana/Estadão
Lyoto treina na Allianz Parque. Werther Santana/Estadão
Um filho de imigrante japonês nascido em Salvador e radicado em Belém já é exótico por si só (isso sem citar a prática da urinoterapia), mas Lyoto é singular no mundo da luta por adaptar a escola Shotokan de caratê para o MMA. Quanto mais pura e avessa ao intercâmbio é uma arte marcial, mais improvável será seu sucesso em um esporte que permite a mistura de todas elas. O atleta treina jiu-jítsu e wrestling há bastante tempo, quando mais jovem já competiu inclusive no sumô, mas o que é de se admirar é o seu sucesso na luta em pé.
Em sua maioria, competições de caratê pouco se assemelham à parte de striking do MMA. Regras variam, mas há casos em que o soco no rosto é proibido ou, quando válido, é exigido que o lutador golpeie e retorne para sua base inicial para o ponto ser computado, de modo a valorizar a estética do ataque. Disso nascem hábitos perigosos, o atleta não se acostuma a trabalhar combinações e se expõe ao atacar porque a guarda praticamente inexiste. Essas falhas já foram mostradas por Lyoto em seus combates, mas uma série de mecanismos desenvolvidos por ele foram chaves em suas vitórias.
Lyoto recua e pega Thiago Silva com um contra-ataque
Aproveitando-se da extensa área do octógono, “O Dragão” apresentou um jogo de evasão e contra-ataque que demorou para ser desvendado. Recuar, circular, recuar, atacar! Aproveitando-se de um timing privilegiado adquirido em sua carreira de carateca, Lyoto surgiu jogando a isca para pegar com golpes de encontro e em linha reta adversários impacientes. Além disso, mostrou-se muito difícil de ser derrubado, inclusive capaz de pegar os rivais com contra-quedas oriundas do caratê. Por muito tempo esse jogo metódico foi o suficiente, o atleta inclusive se tornou campeão num momento muito competitivo da divisão dos meio-pesados, mas não há charada sem resposta.
A joelhada de encontro é um golpe clássico do carateca
Lyoto escapa do golpe de Nakamura e derruba o judoca
Maurício Shogun brutalizou as pernas de Lyoto, que ficavam expostas em seus movimentos de fuga. Rampage Jackson, Dan Henderson e Phil Davis não tomaram a iniciativa e levaram até o final lutas chatas e de difícil pontuação para os jurados (desses três adversários, só venceu Hendo, por decisão dividida). Jon Jones o acertou com um soco sem guarda, depois derrubou um adversário grogue e usou o cotovelo para abrir-lhe um corte imenso na testa, para pouco depois finalizá-lo.
Shogun ataca a perna de Lyoto
Shogun ataca a perna de Lyoto. Crédito: Sherdog.com
Overhand abriu caminho para a vitória de Jones sobre o carateca
Lyoto se reinventou, procurou o excelente mestre de muay thai Rafael Cordeiro e diversificou seu jogo ofensivo, além de corrigir a ausência de guarda, sua maior falha defensiva. Rendeu-se à sua clara desvantagem física na divisão dos meio-pesados, evidente contra Jones e Davis, e desceu de categoria. Passou a chutar e atacar mais, fez de Mark Muñoz uma presa fácil para golpes no corpo, que abriram caminho para uma derradeira canelada na cabeça. Confundiu o competente striker Gegard Mousasi ao alternar momentos de atividade muito eficaz e o tradicional jogo de contra-ataque. Sem apresentar declínio físico e técnico até aqui, é difícil ver “O Dragão” fora do top 5 da categoria.
Lyoto acerta o corpo de Muñoz e abre espaço para chute na cabeça
Mas seu problema nos médios tem nome e sobrenome: Chris Weidman. Embora há quem insista em tirar os méritos do norte-americano pelas circunstâncias de suas vitórias contra Anderson Silva, ele é talentoso, completo e muito bem instruído pelo técnico Ray Longo. O campeão foi o único até hoje capaz de cortar os espaços no cage e encurralar o carateca contra a grade, minando a capacidade de contra-ataque do brasileiro, apesar deste ter tido sucesso quando o ritmo frenético de Weidman naturalmente caiu a partir do quarto round.
Weidman não deu espaço para Lyoto nos três primeiros rounds
Veterano, Lyoto está prestes a começar talvez sua última investida para conquistar um segundo título. CB Dollaway, seu adversário, vem em uma ótima fase, tem conseguido mesclar seu gabaritado jogo de quedas com golpes na curta distância, mas não em um nível que “O Dragão” já não tenha enfrentado e superado. Meu palpite é que o brasileiro vence na decisão dos juízes. Se acontecer, será o primeiro passo para uma caminhada rumo a mais uma disputa de cinturão, que será difícil, mas possível de conquistar com alguns ajustes em uma suposta revanche contra Weidman.

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