Um dia triste-Homenagem de RUI BUCAR PARA A JORNALISTA KELLY

Um dia triste

Carta à Kelly Pires
(Relato do último dia que você esteve conosco do qual não deve se lembrar em função daquele fatídico desmaio que lhe roubou a consciência)
Minha queria afilhada,
Na manhã daquela quarta-feira, 21, ao despertar ao toque do seu celular, você teve um novo desmaio. Um apagão, a princípio, que em seguida virou pesadelo, você não coseguia mais acordar, por mais que tentássemos respiração boca-boca, massagens, reanimação e nada. Bateu o desespero…
Cheguei à sua casa com a Dinda logo depois do acontecido e senti o mundo desabar sobre os seus pais, Pires e Salomão, sobre o seu marido Marcelo Bahia e sobre a sua irmã, Érika, sobre os seus sogros e quem ali estava. As equipes do Corpo de Bombeiros e SAMU fizeram de tudo para fazer você voltar. O tal desfibrilador não funcionou, mas não faltou esforço e boa vontade. Foi tudo muito rápido, mas os segundos, os minutos que tivemos que esperar naquela agonia parecia uma eternidade.
Impotente diante daquela realidade nua e crua recorria o meu pensamento onde ainda podia te proteger. Te vi criança, brincando com o meu filho Arudá. Você e a Érika disputavam os cuidados com aquele bebê e como se divertiam cuidando dele. Adoro lembrar desta imagem, que talvez diz tudo do amor que sinto por você. Nossos filhos são nossa própria vida. Quando vi você cuidando do meu filho a adotei como filha, querida.
Acompanhei com atenção a sua adolescência, os primeiros conflitos com a mãe, com a mediação da dona Libânia que virou Dinda e tudo se resolvia da melhor forma. A bem da verdade não eram conflitos, no máximo a manifestação latente de uma pessoa inquieta, inteligente, cheia de vida que queria se apresentar para o mundo. Escolheu o jornalismo como profissão e a mim como inspiração. O tio, ou padrinho virou professor e uma nova descoberta. A menina que vi crescer agora era uma estudante com enorme potencial para surpreender e surpreendeu ainda na faculdade no TCC quando obteve 10 com louvor. Virou uma profissional respeitada que me orgulha de ter sido seu orientador.
De volta à realidade vi gente desesperada. Orações ao alto. Paramédicos agitados tentando a todo custo te despertar. Até os vizinhos saíram às portas para observar aquele cenário. Duas ambulâncias na porta, gritos de pedido de socorro, choro, e celulares tocando desesperadamente. Ela não volta! Ela não volta! Ela não volta! Calma que ela vai voltar, diziam, aos gritos e prantos.
De repente surge você numa maca. Sentimos um breve alívio. Finalmente você seria levada ao hospital. Seria a confirmação do que mais esperávamos. Sua respiração voltaria. Você seria internada, acordaria do pesadelo e daí a pouco estaria nos perguntando o que aconteceu? E certamente diria, não me lembro de nada! Contem-me, como da outra vez.
Infelizmente não foi isso que aconteceu. O tempo passou você não acordou e o desespero tomou conta do pátio do HGP. Tios, tias,primas,primos,(Rosália,Rosinha,Raimundinha,Celina,Adonilton, Nelson…), até a “tia” Eva, amigos foram chegando e aos poucos foram se dando conta que a tragédia era muito maior que se pudesse imaginar. Não era mais um simples desmaio. Era na verdade o início do sono prolongado para eternidade.
Era na verdade o prenúncio de uma viagem para um outro plano da vida que todos nós iremos fazer cedo ou tarde, mas para a qual nunca estamos preparados para a partida.
Restou-nos acompanhar o seu corpo nas últimas horas que passaríamos juntos. Do HGP acompanhamos você até o IML, uma parada obrigatória para tentar saber as causas, os motivos da sua partida repentina. Outro momento dolorido. Os amigos mais próximos estiveram juntos nesta verdadeira via crucis. Wanderlei Barbosa, Dona Jô, Dr. Eliú, tentavam consolar seus amigos, mas eram os mais desconsolados.
Do IML, depois de exames de práxis em que nada foi constatado clinicamente que pudesse explicar o desmaio, seu corpo seguiu para a funerária. Já era tarde e só a dona Maria Pires te acompanhou. Escolheu a sua roupa da partida, a maquiagem, as flores e tudo mais que se coloca na bagagem para este tipo de viagem. Só sei dizer que a roupa escolhida foi um vestido branco com babado, muito bonita, roupa de anjo.
Já era quase noite quando o seu corpo chegou ao prédio da Assembleia Legislativa não contive o choro ao ver você entrar pela última vez no seu local de trabalho, que imagino que gostava tanto, onde você circulava com desenvoltura e pelo visto era admirada. A tristeza foi quebrada com os aplausos com que você foi recebida. Já não era mais apenas amigos e famílias a sua volta, já era uma multidão. Jornalistas, servidores da Assembleia, artistas, amigos do gabinete, amigos da sua família, do seu marido, populares, pessoas que ouviram falar da notícia, que admiram o seu trabalho.
Padre Aderso que integrou a comitiva que te acompanhava ainda no HGP assumiu o comando da sua visita ao Parlamento. E aproveitou para lhe prestar homenagens com cânticos, orações, e palavras de consolo para sua família e assim passamos a noite em claro. Aproveitando ao máximo os seus últimos momentos conosco.
O dia nasceu mais cedo, penso, de um sol inclemente. Anunciando talvez a dureza de uma despedida com cheiro de morte revelando mistério da vida que nos recusamos a compreender.
Padre Aderso virou maestro e nos fez lembrar alguns momentos marcantes da sua vida em que esteve presente. O seu casamento, gravação do DVD do Tribaião, show do Geraldinho Lins no Festejo Bom Jesus da Serra, da ajuda que você sempre dava para os eventos da igreja. O último, a Feijoada que o Bahia fez o som e que você estava tranquila, serena e entusiasmada com a viagem que faria a Argentina em companhia do seu assessorado.
Jô cantou as músicas que você escolheu para a missa de 7º dia da sua avó. Parabéns pela escolha, músicas bonitas, bem interpretadas e comoventes. Completamente destroçado, arrasado e chorando o tempo inteiro Marcelo Bahia teve força para falar e manifestar a sua grande paixão por você. Em determinado momento chegou a pedir perdão para os pais e os irmãos dele por ter dado mais amor a você do que a eles e ainda cantou, a sua canção predileta. Dia Branco. Lindo! E botou uma multidão pra chorar.
Da Assembleia seu corpo seguiu em carreata para o Jardim das Acácias para a despedida final. Foi impossível conter o choro geral. Seu corpo baixou ao chão sob aplausos e chuva de pétalas de rosa. Era o fim, ou o começo.
Kelinha, quero dizer que dias tristes nós vivemos juntos durante o funeral do seu primo vítima da violência urbana que está chegando com a fúria dos morros cariocas e com a indolência da polícia daqui mesmo (que também é vítima de um sistema falido), que se prolongou com a passagem da sua vozinha que você adorava tanto.
Kelly, o dia mais triste todos nós estávamos longe de imaginar que viria logo em seguida. Dia triste mesmo foi aquele. Aquela quarta-feira em que você desmaiou para nunca mais voltar.
Confesso minha filha, que nunca tinha vivido um dia tão triste como aquele. Ainda levará algum tempo para compreendermos a verdadeira falta que determinadas pessoas nos fazem. E isso é que sinto agora depois da sua partida. Você era a grande mensageira da integração das nossas famílias. Arrumava motivo, situações, programas para promover encontros, por isso estávamos sempre juntos, por você.
Kally, assim foram as últimas 24 horas que estivemos juntos. O último dia com você, confesso, foi triste. Mas o que me consola é a certeza que o último dia conosco foi o seu primeiro dia com Deus. Agora entendo a roupa que sua mãe escolheu. Acho que tem um anjo batendo na porta do Céu.
Então, Adeus!
Ruy Bucar

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