Plantas modificadas para fabricar remédios



Medicina & Bem-estar
|  N° Edição:  2272 |  30.Mai.13 - 20:40 |  Atualizado em 01.Jun.13 - 17:32

Plantas modificadas para fabricar remédios

Cientistas criam vegetais capazes de produzir medicamentos. No Brasil, estão em teste gel contra a Aids e remédio para hemofílicos. No mundo, há pesquisas para a fabricação, por meio dos vegetais, de drogas contra doenças como a malária e o câncer

Monique Oliveira

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BENEFÍCIO
Rech, da Embrapa, diz que o custo de produção de drogas por meio dos vegetais é menor
Quando o ácido acetilsalicílico, a popular aspirina, foi sintetizado em 1897, seria a primeira vez na história da indústria farmacêutica que um composto não obtido diretamente de um vegetal seria comercializado. Apesar de ter sua origem na planta Spiraea ulmaria, de onde se extrai o ácido salicílico, o medicamento precisou ser misturado ao acetato para se tornar próprio ao consumo humano. Desde então, os processos de fabricação de remédios se sofisticaram tanto que a ciência hoje inverteu os papéis: as plantas se transformaram em fábricas de remédio. Por meio da modificação de suas sequências genéticas, os pesquisadores são capazes de fazer com que elas produzam exatamente o composto desejado.

Recentemente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária aprovou o alfataliglicerase, primeira droga produzida por meio de uma planta modificada geneticamente. Ela é indicada para tratar a doença de Gaucher, uma deficiência na metabolização da gordura que provoca fraturas e sangramentos. No Brasil, o principal centro de criação de vegetais produtores de remédios é a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Uma de suas conquistas na área surgiu a partir de um pedido do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos. Ao ter problemas para a produção da cianovirina – microbicida em teste para impedir a infecção pelo HIV, vírus causador da Aids –, a instituição procurou a empresa brasileira porque sabia que ela possuía uma patente para modificação genética de soja.
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EFICÁCIA
Tanuri, da UFRJ, verificou que substância fabricada
pela soja impede infecção pelo vírus da Aids
Os cientistas brasileiros conseguiram alterar a estrutura do DNA da planta de forma a obrigá-la a fabricar a substância. A cianovirina dela extraída foi enviada ao Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro para ser submetida a testes que comprovassem sua eficácia. Deu certo. “Aumentamos em dez mil vezes a quantidade de partículas do vírus necessária para a infecção de uma célula humana e, mesmo assim, a cianovirina da soja impediu a contaminação”, conta Amílcar Tanuri, diretor do laboratório responsável pela pesquisa. Agora, a substância será enviada aos Eua, onde passará por testes em animais. A ideia é que ela seja o princípio ativo de um gel para prevenir a infecção pelo HIV.

Há iniciativas inteiramente brasileiras também. Uma delas é a modificação da soja para a produção de fator IX, uma enzima necessária à coagulação do sangue e ausente em portadores de hemofilia do tipo B. O composto foi testado em amostras de plasma que não continham a enzima. “Houve evidências de coagulação”, afirma a bióloga Aparecida Maria Fontes, responsável pelo experimento, realizado na Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. “O próximo passo é purificar a molécula e testá-la em camundongos”, diz. Também há testes iniciais para a produção de hormônio do crescimento humano a partir do tabaco.
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O uso de plantas para fabricar medicamentos tem vantagens em relação aos métodos tradicionais. Uma delas é o fato de os vegetais apresentarem menor risco de contágio por agentes infecciosos, acidente que pode ocorrer, por exemplo, quando a droga é feita a partir de bactérias (principal estratégia para a produção da insulina). “As plantas não carregam micro-organismos patogênicos contra humanos”, explica Elíbio Rech, diretor do Laboratório de Biologia Sintética e Recursos Genéticos da Embrapa. “Por isso, a chance de ocorrência de problemas é menor”, diz Eurico Correia, diretor médico da Pfizer, laboratório responsável pela distribuição do alfataliglicerase no País. Além disso, estima-se que os custos de produção sejam mais baixos. “Os preços de fermentadores e cultivos de células são altíssimos”, diz Rech. “Com a planta, isso não acontece. Você a modifica geneticamente e ela cresce.”

Por essas razões, a tecnologia entusiasma. “Há uma oportunidade gigantesca também na produção de vacinas. Hoje, elas acabam menos acessíveis por causa de seu alto custo de produção em alguns casos”, disse à ISTOÉ o pesquisador Julian Ma, da Universidade de Londres – ele faz experimentos com o potencial de milho e de tabaco para fabricar remédios. Na Alemanha, o Instituto Fraunhofer de Biologia Molecular e Ecologia Aplicada já pesquisa um imunizante contra a malária feito a partir de composto produzido por meio de tabaco transgênico.
Fotos: Adriano Machado; Masao Goto Filho/ag. IstoÉ

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