TRANSFORMAÇÃO
O colégio Santa Izildinha, em São Paulo, foi um dos primeiros do País a
adotar o Sistema UNO, que substitui livros e cadernos por tablets. A professora
Cleonice Duarte já percebe a melhora nos resultados de seus alunos
O acesso a computadores e celulares no
ambiente escolar brasileiro experimentou uma vertiginosa ampliação na
última década. Em 2005, apenas 35,7% dos estudantes tinham acesso à
internet, segundo dados do IBGE. Hoje, o índice é de 72,6%. Essa invasão
das tecnologias da informação e da comunicação está revolucionando a
maneira de ensinar e aprender. Jogos, conteúdos colaborativos e redes
sociais acadêmicas começam a entrar nas salas de aula. Nos próximos
cinco anos, a transformação deve se disseminar a tal ponto que o giz e o
quadro negro parecerão peças de museu. Testes por SMS, softwares
sofisticados, em especial para tablets e smartphones, e aplicativos
capazes de organizar as informações de acordo com as características do
estudante serão a regra nas escolas brasileiras.
A REALIDADE DA TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO
É claro que apenas equipamentos e material didático atraente não
garantem a qualidade no ensino. “A mudança definitiva passa por
transformações profundas no modo de agir, pensar e gerir a educação e as
escolas”, diz Maria Teresa Lugo, coordenadora de projetos do Instituto
Internacional de Planejamento da Educação, órgão ligado à Unesco. Uma
nova tendência é a elaboração conjunta de conhecimento. A internet, além
de facilitar o acesso a conteúdos, simplifica a troca e a produção de
informação e saber. “As pessoas são naturalmente colaborativas e
exercícios pedagógicos que promovem o aprendizado dessa forma são
comprovadamente benéficos”, avalia Adeline Meira, pesquisadora no Centro
de Excelência para o Ensino e Aprendizado da Universidade do Texas. A
ajuda mútua vale tanto para o aluno quanto para os professores. “Não
saberia dar aula se tivesse que escrever tudo sozinha”, admite a
professora de tecnologia educacional Verônica Martins Carnata. Onde ela
leciona, no Colégio Dante Alighieri, em São Paulo, existe uma rede para
que os docentes possam compartilhar seus planos de ensino, mostrando aos
colegas o que deu certo na sala de aula. “É como se eu pegasse um livro
de receitas que só tem fórmulas testadas por conhecidos”, diz Carnata.
“O mundo hoje é colaborativo, e nós temos de nos adaptar.”
Outro modelo interessante para aproximar a comunidade escolar são as
redes sociais acadêmicas. Um exemplo é a Koiné, que possui mais de 12
mil usuários e interliga todas as unidades de educação do Sistema S
(como Senai e Senac). A rede serve de mural virtual para a comunicação
entre a direção e os estudantes, de ponto de encontro entre alunos de um
mesmo curso e para a realização de tarefas em conjunto. “Às vezes temos
uma dúvida e não sabemos resolver entre os conhecidos, mas, se
colocamos na Koiné, fica mais fácil, porque um aluno do mesmo curso que o
nosso, mas de outro Estado, pode saber e nos ajudar”, diz Thaís Dias,
19 anos, aluna do Senai de São Gonçalo, no Rio de Janeiro.
Muitas iniciativas têm surgido ao redor do mundo com o desafio de testar
essas fronteiras entre tecnologia e pedagogia. Uma delas, que
desembarcou no início do ano no País, é o Sistema UNO, projeto educativo
do grupo espanhol Santillana. Após atingir a marca de 420 escolas
apenas no México e dezenas de outras na Argentina, no Equador, na
Colômbia, em El Salvador e na Guatemala, o sistema mira agora no maior
mercado de educação da América Latina: o Brasil. As mudanças na rotina
já são evidentes nos colégios que o adotaram: em vez de cadernos e
livros, os alunos passam a carregar tablets e o currículo passou a ser
bilíngue, com grande ênfase no ensino do inglês. “O interesse dos
estudantes é muito maior com os novos recursos disponíveis”, conta a
professora Cleonice Rodrigues de Sousa Duarte, do colégio Santa
Izildinha, em São Paulo, um dos pioneiros na adoção do Sistema UNO no
Brasil.
As novas tecnologias também modificam a relação entre mestre e aluno,
dando cada vez mais protagonismo aos estudantes. “O professor que sabe
tudo não existe mais”, diz a coordenadora do curso de programação de
jogos do Núcleo de Estudos Avançados em Educação (Nave), do Rio de
Janeiro, Érika Pessoa. No colégio técnico, jovens entre 15 e 17 anos são
postos diante do desafio de transformar em games algumas das matérias
estudadas no ensino médio. “O que usei no jogo, nunca mais esqueci”,
conta Carolina Rosa, 17 anos, que desenvolveu um game sobre reciclagem
de materiais, conteúdo que viu nas aulas de biologia e agora será usado
por outros estudantes da rede pública do Rio. Um estudo da Universidade
Estadual de São Paulo (Unesp) mostra que o uso desse tipo de recurso
melhorou em mais de 30% o desempenho dos alunos nas aulas de física e
matemática. Quando analisados aqueles estudantes com pior rendimento, a
diferença na nota foi ainda maior – o avanço foi de mais de 50%.
“Percebemos uma maior motivação entre os alunos porque eles conseguem
ver que aquilo faz mais parte do cotidiano. É mais fácil falar de
análise combinatória se ele vê isso em um game, estampado em combinações
de roupas possíveis para uma bonequinha”, exemplifica o professor
Sílvio Fiscarelli, um dos responsáveis pelo estudo.
Os resultados positivos têm motivado cada vez mais o desenvolvimento de
ferramentas e de conteúdos para as salas de aula. Uma das áreas que têm
estado de olho nas oportunidades são as start-ups, pequenas empresas de
tecnologia responsáveis por desenvolver grande parte das inovações que
chegam todos os dias ao mercado. Um bom exemplo é a Geekie, uma
plataforma para a personalização de conteúdo criada por dois
brasileiros que se conheceram nos Estados Unidos. O foco atual está na
preparação dos alunos para o Enem, mas o objetivo dos criadores é, em um
futuro próximo, ampliar os usos da plataforma no sistema de ensino.
“Usamos uma tecnologia parecida com a usada pelo Google, pelo Faceebok e
pela Amazon, só que dirigida à educação”, explica Claudio Sassaki, um
dos fundadores da Geekie. “Conforme a pessoa interage com a plataforma,
vai descobrindo qual é o seu perfil.”
Assim, toda vez que um aluno responde a uma das questões do simulado,
o sistema define, de acordo com os erros e acertos do usuário, quais
são as áreas em que ele tem bom desempenho e quais precisam de um
reforço. O diagnóstico pode ser usado tanto pelo próprio estudante
quanto pelo professor, que tem acesso aos resultados individuais e a um
panorama geral da classe. Giovana Batista, ex-aluna do Colégio
Bandeirantes, em São Paulo, aproveitou as dicas do programa para ajustar
seus estudos e garantir uma vaga na universidade. “O relatório me
mostrou que eu precisava estudar mais geometria. Dei mais atenção à
matéria e isso foi ótimo, porque caíram várias questões no vestibular”,
conta. “Queremos agora ampliar o uso do software não apenas para os
simulados, mas para exercícios em geral. Assim, à medida que o aluno for
resolvendo as questões referentes ao que tem de estudar, o programa
será capaz de identificar seus pontos fracos e sugerir a que e como se
dedicar”, diz Eduardo Tambor, diretor de planejamento do Colégio
Bandeirantes.
E há ainda muito mais por vir. Em um experimento da Universidade de
Durham, no Reino Unido, as carteiras tradicionais foram substituídas por
outras digitais, com telas sensíveis ao toque. “Elas têm a vantagem de
reunir os estudantes ao seu redor para visualizar e trabalhar sobre um
mesmo conteúdo. Como não há o obstáculo dos monitores, a capacidade de
interação fica muito maior”, disse à ISTOÉ a pesquisadora Emma Mercier,
uma das realizadoras do projeto. Testadas por cerca de 100 alunos, as
mesas digitais foram capazes de aumentar razoavelmente o rendimento dos
estudantes quando comparados aos seus colegas que realizaram atividades
semelhantes no cenário tradicional, com lápis e cadernos. No ambiente
digital, a ampliação do repertório de expressões numéricas foi de 43%,
contra 16% no grupo exposto à sala de aula convencional. “A tecnologia
permite fazer coisas que são impossíveis sem ela, como realizar
simulações e compartilhar conteúdos produzidos pelo estudante em uma
tela vista por todos”, diz Emma. É a revolução acontecendo em tempo
real.
Colaborou: Laura Daudén
Fotos: Kelsen Fernandes; Gabriel Chiarastelli
Fotos: Masao Goto Filho /ag. Isto É
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