CNBB DIZ A VERDADE

14/05/2013
às 7:59

A nota bucéfala da CNBB sobre a questão indígena e a crítica estúpida à ministra Gleisi Hoffmann

Não! Não pensem que é só Geraldinho Rastafari que fala besteiras. A Igreja Católica também comete os seus pecados nessa área. E como! Sempre que os bispos decidem renunciar à sua missão pastoral — e só são pastores porque pregam uma mensagem cujo conteúdo é definido: o catolicismo — para fazer política, é certo que mergulham na tolice, no achismo e no preconceito.
A Comissão Pastoral da Terra, da CNBB, emitiu ontem uma nota sobre a questão indígena no Brasil que é um formidável apanhado de tolices, de mistificações e, se as palavras fazem sentido, de negação do próprio cristianismo. Segue a nota em vermelho. Comento em azul.
Ministra afronta a Constituição Brasileira
Bobagem. Não houve afronta nenhuma.
A Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra vem a público para manifestar sua indignação e repúdio ao que faz o atual governo federal, em defesa da sua visão monocrática de desenvolvimento e de submissão aos interesses do agronegócio.
Nem este governo nem outro qualquer foram submissos ao agronegócio. Antes tivessme sido mais atentos à realidade do setor, que livra o país da bancarrota.
A ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffman, no dia 8 de maio, em reunião da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, deixou claro qual é a verdadeira e única visão do atual governo em relação aos sérios e graves conflitos que envolvem os povos indígenas.
A ministra só disse, em relação ao caso, palavras de bom senso, ao defender que a questão não fique subordinada apenas à Funai.
As diversas manifestações indígenas que vêm ocorrendo nos últimos anos, que mostram sua total discordância com projetos que afetam sua vida e seus territórios, são atribuídos pela ministra a grupos que usam o nome dos índios, tentando, com isso, desqualificar suas ações como se eles apenas fossem massa de manobra nas mãos de outros interesses. “Não podemos negar que há grupos que usam os nomes dos índios e são apegados a crenças irrealistas, que levam a contestar e tentar impedir obras essenciais ao desenvolvimento do país, como é o caso da hidrelétrica de Belo Monte”, disse ela textualmente. E acrescentou: “O governo não pode concordar com propostas irrealistas que ameaçam ferir a nossa soberania e comprometer o nosso desenvolvimento”.
É raro que eu possa fazer minhas as palavras de um petista — a menos que ele se posicione a favor da Lei da Gravidade. Nesse caso, no entanto, ocorreu. A ministra está absolutamente certa. Cito o caso evidente de Raposa Serra do Sol. A Igreja Católica no Brasil é uma das responsáveis pela tragédia social que se seguiu à expulsão dos arrozeiros da região. Pelo visto, os trabalhadores não índios que lá estavam não eram filhos de Deus, não é mesmo? A Igreja, reitero, foi uma das artífices daquele absurdo. Resultado: levou para a reserva fome e desemprego. Índias foram se prostituir às margens da rodovia em Boa Vista. Haverá uma “Pastoral das Prostitutas”? Índios estão morando num lixão. Haverá uma “Pastoral do Lixão”?
A ministra deixa patente que o econômico é o único compromisso do atual governo. Nada pode impedir que os propalados “progresso e desenvolvimento” avancem sobre novas áreas, desconhecendo totalmente os direitos dos povos que há séculos ali vivem e convivem, se assim o governo definir como essenciais ao desenvolvimento.
Com essa linguagem, logo a CNBB vai pedir a cassação simbólica de Padre Anchieta, um jesuíta, como o papa Francisco… Afinal, sabem como é?, ele resolveu montar, por exemplo, o “Auto de São Lourenço” para os índios, em que as divindades indígenas aparecem como demônios… Tenham paciência! Que linguagem é essa? Digam-me cá, senhores religiosos: que conversa é essa de “propalados ‘progresso e desenvolvimento’”? Vocês, por acaso, se opõem a ambos?
Eis aí, leitores! Essa é uma das razões do declínio da Igreja Católica no Brasil, que é a minha Igreja, que é a base material e espiritual da minha religião. Certos setores parecem preferir ainda o atraso e a pobreza, desde que igualitários. Não é por acaso que os evangélicos promovem uma verdadeira razia nas áreas periféricas das grandes cidades. Se entrar no mérito da qualidade da pregação deste ou daquele, o fato é que falam em progresso, em crescimento, em anseios. A Igreja Católica ainda prega contra o… progresso. Essa é a pior Igreja, que mistura dois reacionarismos: o viés anticapitalista que vem de muitos séculos somado ao esquerdismo xucro.
Com essa fala, ela acaba por legitimar toda a violência empreendida contra os povos originários no país. E confirma que o atual modelo de “desenvolvimento” é o mesmo que se implantou no Brasil, desde a época do Brasil Colônia, e se repetiu nos diversos períodos de nossa história.
É o trecho mais estúpido da nota. É coisa de esquerdista ginasiano, mixuruca. De resto, quem entende de modelo de Brasil colônia, se formos ser rigorosos, é mesmo a Igreja Católica, né? Isso é um manifesto político, e eu prefiro quando a Igreja faz manifestos religiosos.
Esquece-se ela, porém, que a Constituição, em seu artigo 231 garantiu: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” e que o Brasil é signatário de acordos internacionais que corroboram estes direitos. As declarações da ministra soam como uma afronta à Constituição brasileira.
É, sim, mas ninguém deu à Funai o direito de ampliar áreas de reservas indígenas, avançando sobre cidades e desalojando milhares de… cristãos!!! A propósito: os companheiros de batina e cocar da CNBB defendem o direito originário de pelo menos 20 comunidades indígenas que matam seus recém-nascidos, ou esses “direitos originários” têm algum limite? A Igreja Católica no Brasil coonesta a estupidez da Funai, que mantém índios tutelados e na miséria. Relembro: 13% do território brasileiro é destinado a reservas indígenas. Toda a comida e toda a carne que se produzem no Brasil — e de onde o país obtém, em ultimo caso, a riqueza que tem servido para minorar a miséria e a pobreza nos últimos 20 anos — ocupam pouco mais do que o dobro dessa área, onde não se produz quase nada.
E não são só palavras. Para garantir que as obras que o governo se propõe realizar não sejam interrompidas, como nos tempos da ditadura militar, militariza-se a questão. Em 12 de março, a Presidente Dilma assinou o Decreto nº 7957/2013, que dá poderes ao próprio governo federal, através de seus ministros de Estado, para convocar a Força Nacional em qualquer situação que avaliarem necessário. E lá está a Força Nacional na região onde se pretende construir o complexo Hidrelétrico do Tapajós. E estava em Belo Monte para retirar os cerca de 200 indígenas de 8 etnias diferentes, que ocupavam o canteiro de obras da usina, depois que o governo conseguiu liminar da justiça para que os mesmos fossem retirados, até mesmo com o uso da força. Pacificamente como entraram, os indígenas deixaram o local.
Sim, eu também acho que é preciso acompanhar de perto a convocação da Força Nacional de Segurança. Houvesse uma oposição mais vigilante no país, essa questão estaria sendo tratada com mais cuidado. Mas os fundamentos sobre os quais se assenta a nota da CNBB são um absoluto despropósito.
E não fica só nisso. Nas regiões, onde os índios depois de decênios de espoliação, tentam reaver pequena parte do território que lhes pertencia, o Palácio do Planalto desqualifica os trabalhos da Funai propondo submeter os estudos de identificação e delimitação de terras indígenas à análise da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), contrariando, mais uma vez a legislação brasileira.
Contrariando a legislação brasileira uma ova! O que os bispos estão chamando de “reaver parte do território que lhes pertencia” corresponde a expandir reservas indígenas na base da canetada, sem enxergar o que há pela frente. Há 896 mil índios no Brasil. Vivendo nas reservas, apenas 517 mil. Com 13% do território brasileiro destinado às reservas, isso significa 214 hectares por índio. Pequena parte??? Os bispos não sabem do que estão falando.
Aliado a isso tudo, a campanha anti-indígena que se desenvolve no Congresso Nacional com a PEC 215, que quer transferir as atribuições constitucionais da Presidência da República em reconhecer territórios indígenas e de outras comunidades tradicionais para o Senado, e a portaria 303 da Advocacia Geral da União que pretendia estender a todo o Brasil as condicionantes definidas para a TI Raposa Serra do Sol nos dão um quadro de como, depois de cinco séculos, os indígenas são vistos e tratados neste país.
Outra soma de despropósitos. As condicionantes citadas pela Comissão Pastoral da Terra foram definidas pelo Supremo Tribunal Federal justamente para impedir conflitos desnecessários. Até porque definidas pelo nosso tribunal constitucional, é evidente que elas se coadunam com os marcos da Constituição. Ou a CNBB também quer cassar as prerrogativas do Judiciário? A ser assim, daqui a pouco, haveremos de chamar parlamentares, juízes e ministros para definir como deve ser a Igreja Católica, certo? Se bispos querem se comportar como estado, devem anuir que o estado se comporte como bispos.
A Coordenação da CPT espera que nossa Constituição seja respeitada em primeiro lugar pelo próprio governo, garantindo “aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, e também sobre os territórios dos quais foram espoliados. A preocupação da CPT se dá, também, com relação aos quilombolas e outras comunidades tradicionais sobre as quais cresce a pressão do capital, apoiado pelos poderes públicos. É hora de respeitar e de garantir a diversidade presente em nosso país, e o espaço físico para reprodução física e cultural dos povos e comunidades existentes.
Goiânia, 13 de maio de 2013.
Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Que o papa Francisco fique atento. É esse setor que tem nocauteado sistematicamente a Igreja Católica no Brasil. Ou então que a CNBB renuncie aos “povos derivados” — 199,1 milhões de brasileiros e decida ser a igreja dos “povos originários” — os quase 900 mil índios. Quem sabe consiga “corrigir” o mau trabalho feito pelo jesuíta Anchieta, né? A Igreja está vendo contradição e choque de interesses onde tem de haver convergência. Sim, senhores bispos: os interesses dos índios terão de se casar com os do desenvolvimento do Brasil. Até porque eles também são brasileiros. Eu não acho que bispos devam apenas rezar — embora eu acredite que essa ainda seja uma de suas tarefas principais. Podem e devem participar do debate na sociedade. Mas precisam a) se informar sobre a realidade brasileira; b) pôr o catolicismo à frente da ideologia.
A Igreja que fala nessa nota é muito pouco pia e, lamento, bem pouco cristã. Se o Geraldinho Rastafari (ver post) se pronunciar sobre comunidades indígenas, deve sair uma nota mais ou menos assim. Isso está mais para “reasoning” do que para uma expressão de uma visão cristã do mundo. E bispos, que eu saiba, não queimam a erva do capeta…
Será que o papa Francisco dará um jeito nos nossos cultores de Tupã e Jaci, mas que envergam o crucifixo? Infelizmente, duvido. Essa gente trocou o dogma da Cruz pela antropologia da mistificação. Como cristãos, são maus antropólogos. Como antropólogos, são maus cristãos. 
Texto publicado originalmente às 6h57
Por Reinaldo Azevedo

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