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Professor sobrevivente encontrará turmas devastadas por tragédia

30 de Janeiro de 2013  08h14  atualizado às 09h51
Professor relata odor da fumaça impregnado em sua pele: \
Professor relata odor da fumaça impregnado em sua pele: "cheiro de morte"
Foto: Deivid Dutra / Agência Freelancer
MARINA NOVAES
O professor universitário Jaime Freiberger Junior, 37 anos, sobreviveu ao incêndio que provocou mais de 230 mortes e deixou mais de cem feridos em Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul, mas dificilmente se esquecerá das "cenas de horror" que vivenciou na madrugada do último domingo na Boate Kiss, palco da segunda maior tragédia brasileira na história. Ele, que conseguiu escapar após ser praticamente "empurrado" para fora da casa noturna por um "arrastão de gente" que tentava fugir do local - que não possuía saídas de emergência e tinha apenas uma porta -, agora se vê prestes a voltar a lecionar na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) para algumas das turmas mais afetadas pelo desastre.
"É muito triste. Nós perdemos muitos alunos, ex-alunos, amigos. Só de Agronomia, que é um dos cursos em que eu leciono, foram 26 alunos (que morreram). Somente do segundo semestre, uma turma inteira foi praticamente dizimada", disse o docente, natural de Rolândia, no Paraná. Ele ministra aulas de topografia e geodésia há quatros anos na UFSM.
Ao menos cem das 235 vítimas eram estudantes da UFSM, sendo que o Centro de Ciências Rurais foi o mais afetado: foram confirmadas 64 mortes, sendo 26 de alunos de Agronomia, 15 de Medicina Veterinária e 15 de Tecnologia de Alimentos. Isso porque, naquela noite, acontecia uma festa universitária promovida por estudantes destes e de outros três cursos (Tecnologia de Agronegócios, Zootecnia e Pedagogia), cujo objetivo era arrecadar dinheiro para as festas de formatura das turmas.
INCÊNDIO EM SANTA MARIA

Entenda detalhes de como aconteceu a tragédia em Santa Maria, na região central do RS, que chocou o País e o mundo e como era a Boate Kiss por dentro
"Alguns professores foram para dar uma força, para prestigiar os alunos. (A Kiss) era uma boate que reunia muitos universitários mesmo, e estava totalmente lotada naquela noite", afirmou o professor, que também perdeu um colega que morava na república em que ele vive, entre outros amigos que não sobreviveram ao incêndio e à fumaça tóxica provocada pelas chamas. "Nós (Junior e outros professores universitários) passamos praticamente o domingo todo e a segunda-feira nos revezando nos velórios de amigos e estudantes, tentando levar solidariedade às famílias", contou.
"Cheiro de morte"
O professor conta que escapou porque estava prestes a ir embora, próximo à única porta da casa noturna, quando viu uma multidão correr em sua direção. "No começo, achei que era uma briga, mas aí veio uma multidão correndo e vi que era sério. Parecia um arrastão de gente, uma avalanche vinda em nossa direção. Aí veio aquela nuvem preta tóxica pelo teto e corremos em direção à saída também. Na verdade, não deu tempo de ter reação nenhuma, foi muito rápido e fomos praticamente empurrados para fora", relatou o sobrevivente.
Ele, que também inalou a fumaça e chegou a passar mal, foi um dos que caiu no chão da boate durante a confusão. "Eu caí, e caíram várias pessoas sobre mim. Não sei como consegui sair, mas consegui me levantar e puxei uma moça que estava caída também com as pernas presas debaixo de outras pessoas, e fui puxando para fora quem estava próximo."
Segundo o sobrevivente, a energia elétrica caiu durante o incêndio, o que tornou o local ainda mais escuro e difícil de sair - de acordo com o professor, não havia iluminação de emergência indicando a porta. "Por isso, muitos corpos foram encontrados nos banheiros da boate, porque eles ficavam do lado das portas e aquilo parecia um verdadeiro labirinto para sair. Estava escuro, totalmente lotado e a porta era muito estreita. As pessoas correram para onde achavam que era a saída", afirmou Junior.
Já do lado de fora, a cena que ele encontrou foi de um "filme de terror": pessoas pisoteadas e sobreviventes saindo engatinhando da boate. "Levei as duas moças que puxei para fora para a rua de cima e, quando voltei para a boate, a rua já estava tomada de corpos, de pessoas tentando salvar as outras, fazendo massagem cardíaca nas vítimas. (...) Não consegui achar mais meus amigos. Nessa hora, a gente pensa em como ajudar, aí corri para pegar o meu carro para levar as pessoas para o hospital, mas a rampa do estacionamento estava toda tomada de corpos e não tinha como sair. Aquilo era um pátio dos horrores", definiu o professor, ainda bastante abalado com as cenas.
Assim como outras testemunhas, o professor acredita que uma sucessão de erros provocou o desastre, que teria começado após um integrante da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentava naquela noite, utilizar um sinalizador pirotécnico no show, o que teria provocado o incêndio.
Além das lembranças da noite, o professor conta que o cheiro da fumaça ficou impregnado em sua pele por um tempo e não sai da roupa que vestia na ocasião. "Não é só o cheiro da fumaça, é um cheiro de morte, porque esse cheiro já traz de volta aquelas cenas", explicou.
Incêndio na Boate Kiss
Um incêndio de grandes proporções deixou mais de 230 mortos na madrugada deste domingo em Santa Maria (RS). O incidente, que começou por volta das 2h30, ocorreu na Boate Kiss, na rua dos Andradas, no centro da cidade. O Corpo de Bombeiros acredita que o fogo iniciou com um sinalizador lançado por um integrante da banda que fazia show na festa universitária.
Segundo um segurança que trabalhava no local, muitas pessoas foram pisoteadas. "Na hora que o fogo começou foi um desespero para tentar sair pela única porta de entrada e saída da boate e muita gente foi pisoteada. Todos quiseram sair ao mesmo tempo e muita gente morreu tentando sair", contou. O local foi interditado e os corpos foram levados ao Centro Desportivo Municipal, onde centenas de pessoas se reuniam em busca de informações.
A prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias e anunciou a contratação imediata de psicólogos e psiquiatras para acompanhar as famílias das vítimas. A presidente Dilma Rousseff interrompeu viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde se reuniu com o governador Tarso Genro e parentes dos mortos.

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