É tudo nosso
É tudo nosso
Na semana passada, a clássica Adega da Velha, fantástico botequim que
fica na Rua Paulo Barreto, quase esquina com Voluntários da Pátria, em
Botafogo, local que frequento com o jornalista/irmão Murilo Rocha, foi
“tombado” pela Prefeitura do Rio como bem cultural da cidade.
Aparentemente, uma distinção, mas discordo. Porque é local perfeito para
jogar conversa fora, beber um choppe maravilhosamente bem tirado e
saborear qualquer comida nordestina da melhor qualidade e sem
intermediários. Tudo é preparado, inclusive a carne de sol, pelo próprio
dono, o querido Chico, proprietário do local desde 1981.
Quando li a notícia, dada em primeira mão pelo colunista Joaquim
Ferreira dos Santos, fiquei preocupado. Fui para a Adega, onde
encontrei, risonho como sempre, o nosso Chico. Abracei-o e dei os
parabéns, mesmo temendo a descaracterização do maravilhoso ponto.
Ele agradeceu e eu, tentando esconder o ciúme que me roía a alma – e o fígado – perguntei se a Prefeitura lhe oferecera alguma vantagem, fiscal, por exemplo, com o tombamento. Diante de sua negativa, explodi:
“Então, Chico, por favor, se vierem oferecer algo, não aceite. Você sempre fez tudo sozinho e tem um ponto fantástico no meio do Rio. Todos adoram a Adega e você. E mais: repara que tudo em que a Prefeitura se mete, estraga…”
Claro que o Murilo, como sempre, achou exagerado meu ataque de fúria em defesa do nosso botequim. Limitei-me a ficar quieto porque foi por suas mãos que conheci a Adega e incorporei-a à minha vida de boêmio carioca.
Sorrindo, com cara de “cachorro que quebrou a tigela”, puxei meu tablet – um crime que eu censuraria em qualquer outro freguês, e escrevi algo sobre os perigos que enfrentamos, buscando preservar o que os governantes ainda não depredaram. Foi quando encontrei um texto desse meu amigo, escrito num esboço de crônica, do qual eu tinha gostado e guardado.
Referia-se a um outro ponto maravilhoso desse nosso Rio tão conhecido e, ao mesmo tempo, tão cheio de mistérios. Leiam comigo:
Em dois minutos, saio do engarrafamento infernal da Rua Jardim Botânico, de sua confusão de sons que agridem os ouvidos, e, através de uma rua paralela, junto à encosta do Corcovado, chego ao Paraíso. Não exatamente o Paraíso prometido aos homens por aquela figura imponente, de braços abertos, como se pairasse sobre a cidade, mas a um paraíso diferente, exatamente em baixo do braço direito da imensa estátua.
E lá foi ele descrevendo o local, que é onde se situa a Capela de Nossa Senhora da Cabeça, no Jardim Botânico. A igrejinha, da primeira década de 1600, fica atrás de um antigo abrigo de crianças e até hoje é ocupado por freiras.
Apesar de o imóvel já ser tombado pelo Patrimônio Histórico Nacional e pela Prefeitura, ninguém lembra que ele existe. Mas Murilo, como sempre, lembrou. E continuo com seu texto:
É, literalmente, um santuário. Cercado por Mata Atlântica de todos os lados, suas árvores cheias de frutas, seus pássaros e pequenos animais, há um colégio, mantido pelas freiras Carmelitas. Já foi um orfanato. Felizmente, muita gente não conhece o lugar e isso, provavelmente, o mantém, ainda, a salvo do instinto predador que habita a imensa maioria de nós. É provável que, divulgado esse texto, essas coisas mudem e mais e mais pessoas tenham acesso ao Paraíso (pelo menos a esse), mas espera-se que tragam o mesmo espírito contemplativo, fruidor de beleza e quietude.
Agora, digo eu: é exatamente esse o ponto de minhas preocupações. Depois deste texto, as pessoas irão até lá para usufruir deste Éden que fica dentro da maior floresta urbana do mundo, ou desrespeitar o patrimônio histórico, cultural e espiritual que ele representa?
Outras colunas de Edgard Catoira:
Risco nas favelas
Além de ecologia, salvemos o Turismo
Nacionalização de empresas gerará efeito dominó?
A luta continua
Como a Adega do Chico, este apaixonante lugar me foi também apresentado pelo Murilo – e sua Betinha – num dia em que perceberam que eu precisava ir a um local contemplativo. E conseguiram: saí de lá absolutamente novo, tranquilo, sereno.
Para que entendam onde estávamos, uso a descrição do próprio Murilo, num olhar artístico e já místico:
Veja o que um desses mestres da pintura não extrairia dali: olhando para cima, veria um azul incrível, pintalgado de manchas brancas; ao redor, um verde cheio de nuances, que desafiam a paleta mais variada, e do qual emerge um casarão colonial que abriga o colégio. Uns passos mais sobre degraus cobertos de musgo e chegaria a uma capelinha, onde não cabem mais de seis pessoas. Parando em frente a ela e olhando para cima, veria o branco acinzentado do Redentor, esculpido contra o azul; entrando nela veria o próprio, ou melhor, o sentiria.
Provando que embora ciosíssimo da proteção das coisa belas do Rio, mas não sou mesquinho, sigo os passos de Murilo e dou a dica a quem quiser conhecer a capela, da mesma forma que disse onde fica a Adega da Velha: no final da Rua Faro, uma transversal da Rua Jardim Botânico.
Só imploro para que todos que forem a meus lugares deliciosos possam sentir a felicidade de viver no Rio. Dentro desta paisagem mágica.
Não posso proibir, mas este convite não se estende aos senhores que elegemos para cuidar de nossa terra – eles depredam sem piedade ou culpa. Mas, convenhamos, são sempre reeleitos. Mas isso já é outra história.
Em tempo: para quem quiser saber mais sobre a igreja, indico a pesquisa do padre Heliodoro Pires.
Ele agradeceu e eu, tentando esconder o ciúme que me roía a alma – e o fígado – perguntei se a Prefeitura lhe oferecera alguma vantagem, fiscal, por exemplo, com o tombamento. Diante de sua negativa, explodi:
“Então, Chico, por favor, se vierem oferecer algo, não aceite. Você sempre fez tudo sozinho e tem um ponto fantástico no meio do Rio. Todos adoram a Adega e você. E mais: repara que tudo em que a Prefeitura se mete, estraga…”
Claro que o Murilo, como sempre, achou exagerado meu ataque de fúria em defesa do nosso botequim. Limitei-me a ficar quieto porque foi por suas mãos que conheci a Adega e incorporei-a à minha vida de boêmio carioca.
Sorrindo, com cara de “cachorro que quebrou a tigela”, puxei meu tablet – um crime que eu censuraria em qualquer outro freguês, e escrevi algo sobre os perigos que enfrentamos, buscando preservar o que os governantes ainda não depredaram. Foi quando encontrei um texto desse meu amigo, escrito num esboço de crônica, do qual eu tinha gostado e guardado.
Referia-se a um outro ponto maravilhoso desse nosso Rio tão conhecido e, ao mesmo tempo, tão cheio de mistérios. Leiam comigo:
Em dois minutos, saio do engarrafamento infernal da Rua Jardim Botânico, de sua confusão de sons que agridem os ouvidos, e, através de uma rua paralela, junto à encosta do Corcovado, chego ao Paraíso. Não exatamente o Paraíso prometido aos homens por aquela figura imponente, de braços abertos, como se pairasse sobre a cidade, mas a um paraíso diferente, exatamente em baixo do braço direito da imensa estátua.
E lá foi ele descrevendo o local, que é onde se situa a Capela de Nossa Senhora da Cabeça, no Jardim Botânico. A igrejinha, da primeira década de 1600, fica atrás de um antigo abrigo de crianças e até hoje é ocupado por freiras.
Apesar de o imóvel já ser tombado pelo Patrimônio Histórico Nacional e pela Prefeitura, ninguém lembra que ele existe. Mas Murilo, como sempre, lembrou. E continuo com seu texto:
É, literalmente, um santuário. Cercado por Mata Atlântica de todos os lados, suas árvores cheias de frutas, seus pássaros e pequenos animais, há um colégio, mantido pelas freiras Carmelitas. Já foi um orfanato. Felizmente, muita gente não conhece o lugar e isso, provavelmente, o mantém, ainda, a salvo do instinto predador que habita a imensa maioria de nós. É provável que, divulgado esse texto, essas coisas mudem e mais e mais pessoas tenham acesso ao Paraíso (pelo menos a esse), mas espera-se que tragam o mesmo espírito contemplativo, fruidor de beleza e quietude.
Agora, digo eu: é exatamente esse o ponto de minhas preocupações. Depois deste texto, as pessoas irão até lá para usufruir deste Éden que fica dentro da maior floresta urbana do mundo, ou desrespeitar o patrimônio histórico, cultural e espiritual que ele representa?
Outras colunas de Edgard Catoira:
Risco nas favelas
Além de ecologia, salvemos o Turismo
Nacionalização de empresas gerará efeito dominó?
A luta continua
Como a Adega do Chico, este apaixonante lugar me foi também apresentado pelo Murilo – e sua Betinha – num dia em que perceberam que eu precisava ir a um local contemplativo. E conseguiram: saí de lá absolutamente novo, tranquilo, sereno.
Para que entendam onde estávamos, uso a descrição do próprio Murilo, num olhar artístico e já místico:
Veja o que um desses mestres da pintura não extrairia dali: olhando para cima, veria um azul incrível, pintalgado de manchas brancas; ao redor, um verde cheio de nuances, que desafiam a paleta mais variada, e do qual emerge um casarão colonial que abriga o colégio. Uns passos mais sobre degraus cobertos de musgo e chegaria a uma capelinha, onde não cabem mais de seis pessoas. Parando em frente a ela e olhando para cima, veria o branco acinzentado do Redentor, esculpido contra o azul; entrando nela veria o próprio, ou melhor, o sentiria.
Provando que embora ciosíssimo da proteção das coisa belas do Rio, mas não sou mesquinho, sigo os passos de Murilo e dou a dica a quem quiser conhecer a capela, da mesma forma que disse onde fica a Adega da Velha: no final da Rua Faro, uma transversal da Rua Jardim Botânico.
Só imploro para que todos que forem a meus lugares deliciosos possam sentir a felicidade de viver no Rio. Dentro desta paisagem mágica.
Não posso proibir, mas este convite não se estende aos senhores que elegemos para cuidar de nossa terra – eles depredam sem piedade ou culpa. Mas, convenhamos, são sempre reeleitos. Mas isso já é outra história.
Em tempo: para quem quiser saber mais sobre a igreja, indico a pesquisa do padre Heliodoro Pires.
Comentários
Postar um comentário
TODOS OS COMENTÁRIOS SÃO BEM VINDOS.MAS SÃO DE INTEIRA RESPONSABILIDADE DE QUEM OS ESCREVE!