"Acabar com o tráfico de drogas é uma utopia", diz Beltrame
"Acabar com o tráfico de drogas é uma utopia", diz Beltrame
Secretário de Segurança Pública afirma que liberação de consumo só pode ser discutida quando Estado puder dar assistência a viciados
Terra"Acho que esse problema é difícil de terminar porque, se há renda e vício, tem a droga. Seja no Complexo do Alemão ou na Sétima Avenida, em Nova York", declara, em entrevista exclusiva ao Terra.
Questionado sobre a possibilidade de liberação do consumo de entorpecentes, o secretário afirma que isso só poderia ser discutido a partir do momento em que o Estado tivesse condições de prestar atendimento médico a dependentes químicos. Cita o exemplo do crack, que se alastra por todo o País, inclusive no Rio de Janeiro. "Crack, fronteira e corrupção são problemas que têm que ser vistos como prioridade pelo País", observa.
Principal projeto de segurança pública do Estado, as 28 Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) contam com um efetivo total de 7 mil policiais, mas enfrentam velhos problemas, como a corrupção policial e confrontos contra traficantes que ainda permanecem nas comunidades. Na entrevista, Beltrame reconhece que há dificuldades, mas destaca que a cidade mais ganhou do que perdeu com as UPPs. Para o secretário, a corrupção policial é um problema que deve ser enfrentado por toda a sociedade. "A corrupção é triste e horrorosa, mas é um delito que está em nossas mãos. É um delito que você pode não fazer", afirma.
Veja a seguir a segunda parte da entrevista exclusiva de Beltrame ao Terra.
Terra: O senhor sempre bateu na tecla de que a política da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) consiste em que o Estado reocupe as comunidades, e acabe com a presença ostensiva do crime. Mas ainda há tráfico de drogas. Acabar com o tráfico é utopia?
José Mariano Beltrame: É uma utopia. Não acaba, é impossível. A menos que isso seja comprado por vários países do mundo, a começar pelos próprios americanos. Temos 16 mil quilômetros de fronteira seca, e somos vizinhos de dois países que produzem 85% da cocaína do mundo. Os Estados Unidos têm 3 mil quilômetros de fronteira seca com o México, que só entra maconha, milhares de dólares a mais do que a gente aplicados nesta fronteira, e não conseguem acabar com esse problema. E acho que esse problema é difícil de terminar porque, se há renda e vício, se tem a droga. Seja no Complexo do Alemão ou na Sétima Avenida, em Nova York.
Terra: Liberar as drogas, de alguma forma, seria uma coisa viável? O senhor é favorável?
Beltrame: Acho que esse tema de liberação, de descriminalização, acho que isso, para se discutir, o Estado tem que estar preparado para isso. Se vai liberar, tem que ter uma rede hospitalar que permita que um viciado se recupere. Se este Estado vai mexer na legislação, esse mesmo Estado tem a obrigação de oferecer recuperação para essa pessoa. Não adianta criar um movimento político para isso, sem saber como vai ser feito isso. Acho que os horizontes dessa discussão têm que ser alargados. O crack é um exemplo claro disso.
Terra: Como a segurança pode agir na questão do crack, que se espalha cada vez mais no Rio?
Beltrame: Acho que é a demanda da prisão do fornecedor. Cobrem isso da polícia. Porque esse que está na rua é doente, é dependente, ele não tem que ser detido, ele tem que ser acolhido. Mas se esse doente vier a praticar um crime, aí a polícia tem que agir.
Terra: O crack chegou com mais força ao Rio, e a outras partes do Brasil. Essa expansão não é uma falha da segurança?
Beltrame: Acredito que sim. Isso entra na fronteira e vem de forma capilarizada para todos os Estados. Fui há um mês ao interior do Rio Grande do Sul, e estão reclamando da chegada do crack. Hoje, é uma droga que é produzida em casa. A mistura pode ser feita em qualquer lugar. A gente falha em não pegar a droga que entra no Estado, porque poderíamos pegar, mas também a gente falha quando não pega lá atrás. Fazemos muitas apreensões, toda semana. Reputo que crack, fronteira e corrupção são problemas que têm que ser vistos como prioridade pelo País.
Terra: A secretaria pretende priorizar, atacar de forma mais incisiva, a apreensão de crack?
Beltrame: O que a gente faz aqui é combater a droga. Pegando o fornecedor de cocaína, se pega o fornecedor de crack. Então, nossa luta continua com inteligência policial no sentido de prender os fornecedores de drogas. Quando se pega ela chegando, não se apreende o crack. Se pega a pasta, para o crack que é feito nas cozinhas e banheiros da cidade.
Terra: E o problema dos delitos causados pelos usuários nas cracolândias?
Beltrame: Não tenha dúvida que há reflexo. Primeiro, porque o cara na abstinência, o cara procura dinheiro para comprar, e pode cometer um ato ilegal. E a polícia tem que agir. Mas acho que essa droga tem que ser vista do lado mercadológico dela. A cocaína é mais elitizada, custa mais. Começaram a viciar a pessoa da própria favela, é a grande massa usuária. Com menos dinheiro, o traficante consegue girar mais essa mercadoria.
Terra: As UPPs foram planejadas como ilhas. Existe a preocupação de se evitar o contato entre os policiais novos e os que já estavam na PM?
Beltrame: Sim, porque dentro da UPP o batalhão não opera, ou não deve operar. Ele só deve ir lá dentro com a liberação do comandante. Na verdade, queremos que a mentalidade da UPP saia da favela, que ela venha para o batalhão. São sementes. Com o tempo, pretendemos que a política de UPP vá para o batalhão. Ano que vem, pelo modelo de rede à distância, todos esses policiais vão voltar aos bancos escolares, para as academias. Não tem como pegar 40 mil policiais e colocar na sala de aula, até porque temos as escolas formando policiais. Então, vamos partir para essa capacitação do policial à distância.
Terra: Havia problemas na formação dos policiais?
Beltrame: Eles não tinham apostila, essa aqui é a primeira apostila (Beltrame aponta para o livro). O cara ia lá, dava aula, ou entregava, na época, um disquete, ou pen drive. Os caras tinham que tirar xerox por conta deles. Agora a subsecretaria fez, na gráfica do governo, a custo zero. São três apostilas. O policial vai para a aula, leva para casa. Foi entregue na semana passada. Se pensa em tecnologia, aeronave não tripulada, blindados comprados na África do Sul, estamos instalando as primeiras 400 câmeras dentro da viatura. Mas não se tinha um livro. A população tem que ver o abandono da área. E essa área estava abandonada há décadas.
Terra: Mas as UPPs também enfrentam problemas de corrupção. Até que ponto isso pode afetar a consolidação do projeto? Há o risco de esses policiais serem contagiados pela ala corrupta?
Beltrame: Em primeiro lugar, a corrupção é um problema brasileiro. Está em vários setores e segmentos da sociedade, basta olhar o noticiário nacional e ver em que nível está a corrupção. As pessoas também têm que entender que a corrupção é fruto do meio. Você não tira um policial ou uma pessoa corrupta de Marte. Isso é um fator importantíssimo. Muitos dizem que a UPP vai se corromper ou vai virar milícia. O que eu acho é que, independente de qualquer uma dessas coisas que podem acontecer - e que acontecem -, temos é que apresentar uma proposta de redução da violência para a sociedade. Não posso deixar de mexer num morro como o da Providência, porque existe esse risco. Tem que fazer, tem que apresentar o resultado para a sociedade. Tivemos, e temos problemas de corrupção. Temos trabalhos de inteligência em andamento. Vamos pegar mais gente. Mas a gente traz o ônus disso, a gente tem que fazer, e tem que vigiar, tem que punir, fazer o trabalho de inteligência para extirpar da corporação. Mas a sociedade também tem que se lembrar de que ela é agente da corrupção. À medida que alguém dá R$ 50 para um policial, para fugir de uma blitz, porque não tem um documento, a sociedade é agente ativo disso. A corrupção é triste e horrorosa, mas é um delito que está em nossas mãos. É um delito que você pode não fazer. É não dar os R$ 50. A sociedade tem, de certa forma, participação muito importante na questão de evitar a corrupção.
Terra: O Complexo do Alemão vem registrando muitos episódios violentos ultimamente. Mandou-se até reforço para o efetivo de 2 mil policiais. O senhor pensa em rever a estratégia de ocupação do Alemão, ou já eram episódios previstos?
Beltrame: No Alemão, e em áreas muito grandes, teremos muitos policiais. No Alemão, são 2 mil, muito mais do que muitos batalhões deste País. Então é preciso a montagem de um serviço de inteligência, e é preciso implantar um Estado-Maior operacional, que consiste em ter oficiais superiores que se deslocam dentro daquela área num serviço de supervisão operacional, dando respaldo aos policiais que estão no terreno. Acredito que vamos começar, nos primeiros dias do ano que vem, vamos ter isso. É preciso a presença de oficiais operacionais para ver como o patrulhamento está sendo feito naquela área.
Terra: Os confrontos no Alemão vão continuar? Ainda vai levar tempo para que a situação por lá esteja totalmente resolvida?
Beltrame: No Alemão, em especial, entramos no coração do Comando Vermelho, a alma de uma facção que prega a banalização da vida, que investe em violência. Tiramos uma enorme quantidade de fuzis e de drogas de lá. É só fazermos um pequeno exercício de abstração e recuperar o arsenal que se tirou lá de dentro. O Alemão era a agência reguladora do crime nesta cidade. Muita coisa violenta que acontecia na cidade tinha ligação com o Alemão. Então, eu nunca fui mercador de ilusão. Aquela situação não vai ser resolvida de uma hora para outra. São 30 anos de comercialização de drogas e toda ordem de ação criminosa. Uma série de pessoas foi contrariada com a ação da polícia. E elas não estavam, e não estão acostumadas a ser contrariadas. Elas vão reagir. Mas se nós olharmos para trás, está muito melhor. Hoje você sai daqui e vai lá. Antes, não ia. Se ia, tinha que pedir licença. Vamos levar um tempo para ajustar isso. Vai ficar ainda esse problema de consolidação, que a gente tem que se mostrar sempre com a mesma postura. Nossa proposta é preservação da vida, garantia da integridade física das pessoas e sermos um agente garantidor de direitos humanos.
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