Quanto vale sua intuição
Novos estudos comprovam que o processo
intuitivo é muito mais racional do que se imaginava. E que o instinto é
uma ótima ferramenta para tomar decisões na vida profissional e pessoal.
Saiba como
João Loes
VENCENDO COM O INSTINTO
Ouvir e agir de acordo com a intuição já deu ótimos resultados
para pessoas das mais diversas áreas
É só prestar atenção nas grandes livrarias. Há alguns anos, o tema
intuição deixou de frequentar apenas as estantes esotéricas e místicas e
migrou para os títulos de psicologia, psiquiatria e neurociência.
Dezenas de estudos científicos inundaram os escaninhos das mais
prestigiosas universidades do mundo para comprovar que o instinto humano
não só existe, como pode ser ensinado e aprimorado. “Há vencedores do
prêmio Nobel estudando a intuição”, diz Eugene Sadler-Smith, professor
de comportamento organizacional na Escola de Administração da
Universidade de Surrey, na Inglaterra. Agora, ela também foi adotada no
ambiente de trabalho. Empresas já tratam a intuição como característica
desejável em entrevistas de emprego, Exércitos a utilizam para treinar
soldados e companhias determinam estratégias de negócio com base nela,
um processo mais racional do que se imaginava.
SINAIS
É raro, mas a intuição pode vir na forma de sonho. Cibele Felix sonhou
com o fim do relacionamento de 15 anos e a traição do companheiro
Profissionais das áreas de psicologia e neurociência definem intuição
como uma habilidade do cérebro de processar informações
inconscientemente, para depois apresentar, de forma sucinta, uma nova
percepção da realidade. “O processo intuitivo se caracteriza pelo ato de
pensar sem fazer esforço”, diz Tilmann Betsch, pesquisador do
departamento de psicologia da Universidade de Erfurt, na Alemanha. Mas
essa espécie de insight instintivo caminha lado a lado com a
experiência, garantem os especialistas. É muito mais fácil, por exemplo,
ter uma intuição depois de anos de profissão. A segurança do
conhecimento faz brotar com mais facilidade a capacidade intuitiva,
dizem.
APOSTA
Romero Rodrigues começou seu negócio na internet aos 21 anos com R$ 100.
Multimilionário aos 35, diz que suas decisões sempre tiveram um componente intuitivo
Presidente-fundador do site de comparação de preços Buscapé, o
multimilionário Romero Rodrigues, 35 anos, afirma que sempre prestou
muita atenção à sua intuição. Desde quando, aos 21 anos, fundou com três
amigos a página da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
(Poli-USP), investindo R$ 100. Foi com a ajuda dessa percepção aguçada
que ele buscou investidores nos primeiros dez anos do site, comprou
concorrentes como o Bondfaro, do Rio de Janeiro, e vendeu o Buscapé, em
2009, para o grupo sul-africano Nespers, por R$ 600 milhões. “As vezes
em que não dei atenção à minha sensibilidade, me dei mal”, diz o
empresário.
EXPERIÊNCIA
Pesquisa da Universidade de Oxford mostrou que médicos que respeitam a própria
intuição são mais eficientes - caso da pediatra Cristiane Rios, que chega a dispensar exames
“Aos poucos a intuição está recebendo o valor que merece no ambiente
de trabalho”, diz Eugênio Mussak, diretor de pesquisa da sessão nacional
da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH). Para Mussak, essa é
uma qualidade que as pessoas ainda não colocam no currículo, mas já
perceberam que tem potencial para fazer a diferença no dia a dia. Um
estudo feito em 2011 pela Sloane School of Business, do Massachusetts
Institute of Technology (MIT), por exemplo, mostrou que 80% das decisões
de posicionamento de marca e análise de mercado em grandes empresas
americanas foram feitas com base na intuição de seus presidentes. A
tendência foi confirmada em outro trabalho, de 2012, conduzido pela
Universidade de Iowa, também dos Estados Unidos. Nele, ficou comprovado
que em bancos de investimento corretores recorrem à intuição para
decidir se devem ou não investir em uma companhia sobre a qual não há
muita informação disponível. Até o Exército americano está debruçado
sobre o tema. O Escritório de Pesquisa Naval dos Estados Unidos criou um
programa para estimular a intuição de seus soldados. Nele, foram
criadas estratégias para fazer aflorar o instinto, por meio, inclusive,
de simulações de batalhas virtuais. “Ela não só é importante, como em
algumas situações acaba sendo o único recurso disponível na hora de
tomar uma decisão”, diz David G. Myers, professor de psicologia da Hope
College, nos Estados Unidos. “Ignorá-la é abrir mão de um poderoso
recurso.”
ATENÇÃO
Gerente operacional de uma rede de franquias, Fabiana Cordeiro
usa seu poder intuitivo para selecionar candidatos franqueados
Carlos Fernando Siqueira Castro, sócio e fundador da Siqueira Castro
Advogados, diz que sempre deu ouvidos à sua intuição, principalmente no
ambiente de trabalho. Admirador de figuras como Ayrton Senna e Steve
Jobs, notórios por sempre fazerem uso de seu instinto (leia quadro na
página 73), ele fala como um verdadeiro entendido no assunto. “A
intuição tem duas etapas”, afirma. “A primeira é o instinto em si, que
muitas vezes se manifesta apontando caminhos diametralmente opostos aos
que a razão e a análise sugerem.” A segunda é a coragem de agir de
acordo com esse sentimento. “Essa é a parte mais difícil.” E o advogado
conhece bem essa dificuldade. Foram muitos os momentos de ruptura na
Siqueira Castro capitaneados por ele e questionados por muitos de sua
equipe. Um deles foi a decisão de investir na federalização da rede,
iniciativa pouco usual entre os escritórios de advocacia do País, dados
os riscos e o volume de investimentos requeridos para marcar presença em
todos os Estados. Ou, ainda, a expansão para mercados estrangeiros
pouco tradicionais, como Europa e África, além da mudança da sede,
originalmente no Rio de Janeiro, para São Paulo. “Entendo que são
decisões que tomo com segurança por causa da minha experiência”, diz
Siqueira Castro. “Mas essa segurança chega a mim quase sempre pela
intuição.”
SATISFAÇÃO
Elaine Ishibashi seguiu a intuição e trocou uma bem-sucedida
carreira no mercado corporativo pelo empreendedorismo
É possível desenvolver a habilidade de agir por instinto. E a demanda
por gente capaz de fazer aflorar essa capacidade, principalmente no
ambiente de trabalho, vem aumentando. “Vimos o interesse pela intuição
explodir nos nossos grupos”, diz Daniel Delarossa, sócio-fundador do
Zymi Group Brasil, dedicado à formação de empreendedores, líderes e
gestores empresariais por meio de coaching. Nas atividades que aplicava,
Delarossa tinha pequenos capítulos dedicados à intuição no âmbito
profissional e via brilhar os olhos dos empresários quando o assunto
surgia. “Resolvemos, então, criar um módulo inteiro só de intuição no
ambiente de trabalho”, diz Delarossa (leia quadro abaixo com orientações
dele e de outros especialistas para você desenvolver sua intuição). O
primeiro grupo se reúne este mês em São Paulo. Em sessão única com oito
horas de duração, ele já conta com mais de 40 inscritos e, com o tempo,
deve ser oferecido em outras capitais brasileiras como Rio de Janeiro,
Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Recife. “Também queremos levar o
curso de intuição empresarial para dentro das empresas”, afirma
Delarossa.
OPORTUNIDADE
O advogado Carlos Fernando Siqueira Castro costuma associar instinto
a coragem. Assim, tomou decisões ousadas como empresário
Na “Toca do Biscoito”, uma franqueadora carioca de lojas de doces,
nunca foi ministrado um curso de desenvolvimento de intuição, mas
Fabiana Cordeiro, gerente de expansão da marca, sempre se valeu dela.
Quando recebe candidatos a novos franqueados, Fabiana precisa fazer uma
avaliação rápida do perfil da pessoa que pretende abrir uma loja. E
depois de mais de 500 avaliações, ela admite ter alguma sensibilidade.
Certa vez, uma mulher bem arrumada e articulada apareceu na empresa
querendo abrir uma filial. Rigorosa, a candidata anotava tudo, parecia
entender do negócio e se mostrava excepcionalmente eficiente. “Tudo
sugeria que ela seria uma boa franqueada, mas alguma coisa não me
parecia certa”, afirma a gerente. O processo continuou sem sobressaltos
até que um dia a tal candidata enviou um e-mail a seu advogado e, por
engano, copiou Fabiana. Nele estava detalhado um maquiavélico plano. A
moça queria abrir a loja para logo depois processar a franqueadora, numa
espécie de golpe para recuperar o dinheiro investido e ainda receber
alguma indenização. “Sabia que tinha alguma coisa errada”, diz Fabiana.
“Se tivesse respeitado minha intuição, teria economizado tempo.”
Se no ambiente corporativo a intuição já ganha espaço, na medicina
ela ainda é vista com ressalvas. Mas uma pesquisa conduzida pela
Universidade de Oxford, publicada em setembro, começa a mudar essa
escrita. Nela, 3.890 casos de atendimento pediátrico com crianças de 0 a
16 anos de idade foram esmiuçados e ficou evidente, pelo levantamento,
que nas consultas em que os profissionais respeitaram a própria
intuição, os tratamentos foram mais eficientes. “O treinamento deve
deixar explícito que as suspeitas e os sentimentos inexplicáveis dos
médicos são uma importante ferramenta de diagnóstico”, afirmava o texto
do trabalho. A pediatra paulistana Cristiane Rios, 33 anos, sabe disso.
Com dez anos de prática e seis de consultório, ela desenvolveu a
habilidade de ler pacientes e seus pais aflitos logo que eles chegam
para uma consulta. “Não é sexto sentido, é experiência que parece que se
condensa na minha intuição”, diz ela, que chega a dispensar exames com
base no seu instinto.
Apesar de os estudos se voltarem mais para o âmbito profissional, é
sabido que a vida pessoal é terreno fértil para a exploração do
instinto. Os lampejos intuitivos da professora de dança paulistana
Cibele Felix, de 33 anos, por exemplo, a acompanham desde a infância e,
recentemente, têm se apresentado com mais clareza e objetividade em seus
sonhos. Foi enquanto dormia que Cibele viu o fim de um relacionamento
de mais de 15 anos. “Não tinha nada de errado acontecendo entre a gente,
tudo parecia bem, mas vivia tendo sonhos sobre o fim do
relacionamento”, diz. Neles, o companheiro abandonava Cibele para
viajar. Ela acordava aflita, com o coração apertado e desconfiada.
“Minha intuição não costuma falhar”, diz.
Segundo especialistas ouvidos por ISTOÉ, não é comum sonhos trazerem
manifestações intuitivas tão completas e diretas quanto as de Cibele. Em
casos de fim de namoro, por exemplo, a intuição, principalmente em
sonho, costuma vir na forma de uma mensagem mais cifrada, sugerindo um
desconforto genérico com um homem que não precisa necessariamente ser o
companheiro. “Em alguns casos, porém, acontece de a mensagem vir
completa sim”, diz Liliana Wahba, professora-doutora de psicologia na
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e analista
junguiana, escola de psicanálise que dá especial atenção aos sonhos. “O
que ela viu enquanto dormia traduziu, de forma objetiva, o que ela já
vinha percebendo inconscientemente, mas não conseguia articular”, afirma
Liliana. Os 15 anos de convivência deram a Cibele uma sensibilidade
maior às mudanças do companheiro, mesmo quando nem ela percebia, de
forma consciente, que algo nele havia mudado. Cerca de duas semanas
depois do sonho, o relacionamento de Cibele acabou e ela chegou a
antever, em outro sonho, quem era a nova namorada de seu antigo amor.
“Às vezes essas histórias até me assustam”, diz ela.
Não deveriam. “A intuição não é mística, esotérica nem religiosa”,
afirma a psicóloga Inês Cozzo. “Ela é simplesmente mais uma fonte de
informação”, diz. Mas como não se assustar quando a intuição surge de
forma cristalina, sugerindo mudanças que têm impacto tanto na vida
profissional quanto na pessoal? Com a paulistana Elaine Ishibashi, 37
anos, foi assim. Profissional de marketing bem-sucedida, com passagens
por grandes multinacionais, Elaine tinha tudo para seguir carreira. Qual
não foi sua surpresa quando se viu impelida a largar tudo e abrir um
negócio. “Passei anos reprimindo a intuição em nome da análise, dos
relatórios de performance e das medições que o mundo corporativo exigia
de mim”, diz Elaine. “Mas tomei coragem e resolvi dar ouvido à minha
intuição.” A decisão teve impactos para além da vida profissional. Hoje
Elaine vive com renda inferior à que tinha quando trabalhava com
marketing e tem de conviver com os altos e baixos do empreendedorismo.
“Mas estou mais feliz do que nunca”, diz ela, que espera ver seu negócio
de impressão de fotos digitais deslanchar. Sua intuição diz que vai dar
certo.
Fotos: Rogério Cassimiro;
João Castellano/Ag. Istoé; Masao Goto Filho e João Castellano/Ag. IstoÉ
- DIOGO MOREIRA/FRAME/AE; Fran Monks; Jeff Chiu/AP Photo; Jean-Paul
Pelissier/Reuters
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