Brasil do PT: O Caos
Nota oficial petralha sobre o julgamento do mensalão
O PT E O JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL 470
O PT, amparado no princípio da liberdade de expressão,
critica e torna pública sua discordância da decisão do Supremo Tribunal Federal
que, no julgamento da Ação Penal 470, condenou e imputou penas desproporcionais
a alguns de seus filiados.
1. O STF não garantiu o amplo direito de defesa
O STF negou aos réus que não tinham direito ao foro especial
a possibilidade de recorrer a instâncias inferiores da Justiça. Suprimiu-lhes,
portanto, a plenitude do direito de defesa, que é um direito fundamental da cidadania
internacionalmente consagrado.
A Constituição estabelece, no artigo 102, que apenas o
presidente, o vice-presidente da República, os membros do Congresso Nacional,
os próprios ministros do STF e o Procurador Geral da República podem ser
processados e julgados exclusivamente pela Suprema Corte. E, também, nas
infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os ministros de
Estado, os comandantes das três Armas, os membros dos Tribunais superiores, do
Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática em caráter
permanente.
Foi por esta razão que o ex-ministro Marcio Thomaz Bastos,
logo no início do julgamento, pediu o desmembramento do processo. O que foi
negado pelo STF, muito embora tenha decidido em sentido contrário no caso do
“mensalão do PSDB” de Minas Gerais.
Ou seja: dois pesos, duas medidas; situações idênticas
tratadas desigualmente.
Vale lembrar, finalmente, que em quatro ocasiões recentes, o
STF votou pelo desmembramento de processos, para que pessoas sem foro privilegiado
fossem julgadas pela primeira instância – todas elas posteriores à decisão de
julgar a Ação Penal 470 de uma só vez.
Por isso mesmo, o PT considera legítimo e coerente, do ponto
de vista legal, que os réus agora condenados pelo STF recorram a todos os meios
jurídicos para se defenderem.
2. O STF deu valor de prova a indícios
Parte do STF decidiu pelas condenações, mesmo não havendo
provas no processo. O julgamento não foi isento, de acordo com os autos e à luz
das provas. Ao contrário, foi influenciado por um discurso paralelo e
desenvolveu-se de forma “pouco ortodoxa” (segundo as palavras de um ministro do
STF). Houve flexibilização do uso de provas, transferência do ônus da prova aos
réus, presunções, ilações, deduções, inferências e a transformação de indícios
em provas.
À falta de elementos objetivos na denúncia, deducões,
ilações e conjecturas preencheram as lacunas probatórias – fato grave sobretudo
quando se trata de ação penal, que pode condenar pessoas à privação de
liberdade. Como se sabe, indícios apontam simplesmente possibilidades, nunca
certezas capazes de fundamentar o livre convencimento motivado do julgador.
Indícios nada mais são que sugestões, nunca evidências ou provas cabais.
Cabe à acusação apresentar, para se desincumbir de seu ônus
processual, provas do que alega e, assim, obter a condenação de quem quer que
seja. No caso em questão, imputou-se aos réus a obrigação de provar sua
inocência ou comprovar álibis em sua defesa—papel que competiria ao acusador. A
Suprema Corte inverteu, portanto, o ônus da prova.
3. O domínio funcional do fato não dispensa provas
O STF deu estatuto legal a uma teoria nascida na Alemanha
nazista, em 1939, atualizada em 1963 em plena Guerra Fria e considerada
superada por diversos juristas. Segundo esta doutrina, considera-se autor não
apenas quem executa um crime, mas quem tem ou poderia ter, devido a sua função,
capacidade de decisão sobre sua realização. Isto é, a improbabilidade de
desconhecimento do crime seria suficiente para a condenação.
Ao lançarem mão da teoria do domínio funcional do fato, os
ministros inferiram que o ex-ministro José Dirceu, pela posição de influência
que ocupava, poderia ser condenado, mesmo sem provarem que participou
diretamente dos fatos apontados como crimes. Ou que, tendo conhecimento deles,
não agiu (ou omitiu-se) para evitar que se consumassem. Expressão-síntese da
doutrina foi verbalizada pelo presidente do STF, quando indagou não se o réu
tinha conhecimento dos fatos, mas se o réu “tinha como não saber”…
Ao admitir o ato de ofício presumido e adotar a teoria do
direito do fato como responsabilidade objetiva, o STF cria um precedente
perigoso: o de alguém ser condenado pelo que é, e não pelo que teria feito.
Trata-se de uma interpretação da lei moldada unicamente para
atender a conveniência de condenar pessoas específicas e, indiretamente,
atingir o partido a que estão vinculadas.
4. O risco da insegurança jurídica
As decisões do STF, em muitos pontos, prenunciam o fim do
garantismo, o rebaixamento do direito de defesa, do avanço da noção de
presunção de culpa em vez de inocência. E, ao inovar que a lavagem de dinheiro
independe de crime antecedente, bem como ao concluir que houve compra de votos
de parlamentares, o STF instaurou um clima de insegurança jurídica no País.
Pairam dúvidas se o novo paradigma se repetirá em outros
julgamentos, ou, ainda, se os juízes de primeira instância e os tribunais
seguirão a mesma trilha da Suprema Corte.
Doravante, juízes inescrupulosos, ou vinculados a interesses
de qualquer espécie nas comarcas em que atuam poderão valer-se de provas
indiciárias ou da teoria do domínio do fato para condenar desafetos ou inimigos
políticos de caciques partidários locais.
Quanto à suposta compra de votos, cuja mácula comprometeria
até mesmo emendas constitucionais, como as das reformas tributária e
previdenciária, já estão em andamento ações diretas de inconstitucionalidade,
movidas por sindicatos e pessoas físicas, com o intuito de fulminar as ditas
mudanças na Carta Magna.
Ao instaurar-se a insegurança jurídica, não perdem apenas os
que foram injustiçados no curso da Ação Penal 470. Perde a sociedade, que fica
exposta a casuísmos e decisões de ocasião. Perde, enfim, o próprio Estado
Democrático de Direito.
5. O STF fez um julgamento político
Sob intensa pressão da mídia conservadora — cujos veículos
cumprem um papel de oposição ao governo e propagam a repulsa de uma certa elite
ao PT — ministros do STF confirmaram
condenações anunciadas, anteciparam votos à imprensa, pronunciaram-se fora dos
autos e, por fim, imiscuiram-se em áreas reservadas ao Legislativo e ao
Executivo, ferindo assim a independência entre os poderes.
Único dos poderes da República cujos integrantes independem
do voto popular e detêm mandato vitalício até completarem 70 anos, o Supremo
Tribunal Federal – assim como os demais poderes e todos os tribunais daqui e do
exterior – faz política. E o fez, claramente, ao julgar a Ação Penal 470.
Fez política ao definir o calendário convenientemente
coincidente com as eleições. Fez política ao recusar o desmembramento da ação e
ao escolher a teoria do domínio do fato para compensar a escassez de provas.
Contrariamente a sua natureza, de corte constitucional
contra-majoritária, o STF, ao deixar-se contaminar pela pressão de certos meios
de comunicação e sem distanciar-se do processo político eleitoral, não
assegurou-se a necessária isenção que deveria pautar seus julgamentos.
No STF, venceram as posições políticas ideológicas, muito
bem representadas pela mídia conservadora neste episódio: a maioria dos
ministros transformou delitos eleitorais em delitos de Estado (desvio de
dinheiro público e compra de votos).
Embora realizado nos marcos do Estado Democrático de Direito
sob o qual vivemos, o julgamento, nitidamente político, desrespeitou garantias
constitucionais para retratar processos de corrupção à revelia de provas,
condenar os réus e tentar criminalizar o PT. Assim orientado, o julgamento
convergiu para produzir dois resultados: condenar os réus, em vários casos sem
que houvesse provas nos autos, mas, principalmente, condenar alguns pela
“compra de votos” para, desta forma, tentar criminalizar o PT.
Dezenas de testemunhas juramentadas acabaram simplesmente
desprezadas. Inúmeras contraprovas não foram sequer objeto de análise. E
inúmeras jurisprudências terminaram alteradas para servir aos objetivos da
condenação.
Alguns ministros procuraram adequar a realidade à denúncia do
Procurador Geral, supostamente por ouvir o chamado clamor da
opinião pública, muito embora ele só se fizesse presente na mídia de direita,
menos preocupada com a moralidade pública do que em tentar manchar a imagem
histórica do governo Lula, como se quisesse matá-lo politicamente. O procurador
não escondeu seu viés de parcialidade ao afirmar que seria positivo se o
julgamento interferisse no resultado das eleições.
A luta pela Justiça continua
O PT envidará todos os esforços para que a partidarização do
Judiciário, evidente no julgamento da Ação Penal 470, seja contida. Erros e
ilegalidades que tenham sido cometidos por filiados do partido no âmbito de um
sistema eleitoral inconsistente – que o PT luta para transformar através do
projeto de reforma política em tramitação no Congresso Nacional – não
justificam que o poder político da toga suplante a força da lei e dos poderes
que emanam do povo.
Na trajetória do PT, que nasceu lutando pela democracia no
Brasil, muitos foram os obstáculos que tivemos de transpor até nos convertermos
no partido de maior preferência dos brasileiros. No partido que elegeu um
operário duas vezes presidente da República e a primeira mulher como suprema
mandatária. Ambos, Lula e Dilma, gozam de ampla aprovação em todos os setores
da sociedade, pelas profundas transformações que têm promovido, principalmente
nas condições de vida dos mais pobres.
A despeito das campanhas de ódio e preconceito, Lula e Dilma
elevaram o Brasil a um novo estágio: 28 milhões de pessoas deixaram a miséria
extrema e 40 milhões ascenderam socialmente.
Abriram-se novas oportunidades para todos, o Brasil
tornou-se a 6ª.economia do mundo e é respeitado internacionalmente, nada mais
devendo a ninguém.
Tanto quanto fizemos antes do início do julgamento, o PT
reafirma sua convicção de que não houve compra de votos no Congresso Nacional,
nem tampouco o pagamento de mesada a parlamentares. Reafirmamos, também, que
não houve, da parte de petistas denunciados, utilização de recursos públicos,
nem apropriação privada e pessoal.
Ao mesmo tempo, reiteramos as resoluções de nosso Congresso
Nacional, acerca de erros políticos cometidos coletiva ou individualmente.
É com esta postura equilibrada e serena que o PT não se
deixa intimidar pelos que clamam pelo linchamento moral de companheiros
injustamente condenados. Nosso partido terá forças para vencer mais este
desafio. Continuaremos a lutar por uma profunda reforma do sistema político – o
que inclui o financiamento público das campanhas eleitorais – e pela maior democratização
do Estado, o que envolve constante disputa popular contra arbitrariedades como
as perpetradas no julgamento da Ação Penal 470, em relação às quais não
pouparemos esforços para que sejam revistas e corrigidas.
Conclamamos nossa militância a mobilizar-se em defesa do PT
e de nossas bandeiras; a tornar o partido cada vez mais democrático e vinculado
às lutas sociais. Um partido cada vez mais comprometido com as transformações
em favor da igualdade e da liberdade.
São Paulo, 14 de novembro de 2012.
Comissão Executiva Nacional do PT.
·RUI FALCÃO – Presidente
·ANDRÉ LUIZ VARGAS ILÁRIO – Secretário Nacional de Comunicação
·ARLETE SAMPAIO – Vogal
·BENEDITA DA SILVA – Vogal
·CARLOS HENRIQUE ÁRABE – Secretário Nacional de Formação Política
·ELÓI PIETÁ – Secretário–Geral Nacional
·FÁTIMA CLEIDE RODRIGUES DA SILVA – Vogal
·IOLE ILÍADA – Secretária Nacional de Relações Internacionais
·JILMAR AGUSTINHO TATTO – Líder do PT na Câmara dos Deputados
·JOÃO VACCARI NETO – Secretário Nacional de Finanças e Planejamento
·JORGE LUIZ CABRAL COELHO – Secretário Nacional de Mobilização
·JOSÉ NOBRE GUIMARÃES – Vice–Presidente Nacional
·MARIA APARECIDA DE JESUS – Vogal
·MARIA DE FÁTIMA BEZERRA – Vice–Presidente Nacional
·MARIA DO CARMO LARA PERPÉTUO – Vogal
·MARIENE PANTOJA DE LIMA – Vogal
·PAULO FRATESCHI – Secretário Nacional de Organização
·RENATO SIMÕES – Secretário Nacional de Movimentos Populares
·VILSON AUGUSTO DE OLIVEIRA – Secretário Nacional de Assuntos Institucionais
·WALTER DE FREITAS PINHEIRO – Líder do PT no Senado Federalsegunda-feira, 12 de novembro de 2012
Reynaldo Rocha: A salsa cubana do covarde sem caráter
Prova de desonestidade. Já conhecida. De ofensa ao país,
comumente repetida. A arrogância de quem se julga acima do estado de direito. E
da verdade histórica.
A condenação aconteceu? Que se puna a imprensa! Cassem a
palavra de jornalistas! Como se estes fossem policiais, promotores e juízes. Os
atuais acusados pelo delírio do guerrilheiro da espingarda de rolha de cortiça.
Acrescente-se uma reforma política jamais explicitada. Só a
defesa do tal financiamento público de campanha, para dar legalidade aos
achaques já praticados.
E como usam o termo “desconstrução!” Tenho ouvido com
frequência. O mesmo que destruição. Quem quer desconstruir assume que quer
destruir: acabar com algo que já foi construído.
Como um julgamento. E contra os fatos.
Parece-me que José Dirceu deseja a prisão. Ou ao menos
justificar a pena a ser cumprida. Dando ares de politização a uma condenação
por roubo.
Se na ditadura os assaltos a bancos eram chamados de
expropriação e tinham – mesmo com críticas de muitos – um emprego coletivo,
desta feita foi dinheiro para os bolsos de porcos que transformaram o
Legislativo em chiqueiro. O que há de ideológico ou de político nestas ações?
Esta tentativa – hoje isolada – de Dirceu parece dar razão a
Lula quando definiu o condenado pela chefia da quadrilha, em tempos passados:
“José Dirceu não tem amigos. Ele só pensa nele!”.
Dirceu tenta criar um clima de desmoralização do Poder Judiciário
na tentativa desesperada de criar um fato político que dê margem – delirante –
de se autodeclarar “prisioneiro político”. Como já disse antes, prisioneiro do
governo do PT.
Mas, ele só pensa nele…
Dirceu não terá ─ nem ele nem ninguém ─ condições de
desconstruir o que quer que seja, além das próprias pobres biografias.
Transformadas em folhas corridas.
Esta insistência patológica de ignorar a realidade não pode
ser doença. Parece ser retirada de algum manual lulopetista, visto que
utilizada pela imensa maioria dos adeptos da seita.
E há quem pretenda separar Dirceu do PT. São irmãos
siameses. Indissociáveis. Um diz o que o outro pensa. E ambos obedecem o que o
supremo líder pensou pensar.
Mas Lula conhece os seus (dele)!
Sabe que Dirceu “não tem amigos.” Nunca teve. E que neste
momento, José Dirceu – chefe de uma quadrilha de bandidos condenados por roubos
aos cofres públicos – precisa ser mais uma vez a vítima do crime que não houve.
Um crime político.
O outro, previsto no Código Penal, não há como desconstruir.
A única alternativa é calando a imprensa e propondo
reformas.
Quem sabe a do Poder Judiciário?
Na semana passada, o quadrilheiro Pedro Caroço voltou à
carga contra os atuais alvos da covardia reconhecida: de novo a imprensa. E
como se previa, o Judiciário.
Um porque ousou falar. Outro, porque ouviu. E ambos porque
fizeram o que a nação e a democracia exigem.
Em artigo no blog que mantém (e que perderá o direito de
usar, visto que presos não podem ter acesso a Internet), um post com o título
“O que justifica?”, investe contra a decisão do ministro Joaquim Barbosa de
apreender os passaportes de réus já condenados.
As justificativas são diversas. E é até cansativo
elencá-las. A primeira – e básica – e que bandidos precisam ser vigiados entre
a apenação e a execução da pena. E que bandidos que roubaram, possuem ainda
mais condições de fugir, visto que milionários com o que roubaram. Outra
decorre do caráter dos condenados. Especificamente no caso de Dirceu, nada a
comentar. Dirceu continua na clara intenção de ser o “mártir do puteiro!”. O
“preso político” que trocou o crime de opinião pelo roubo na boca do caixa. Do
dinheiro público.
Quer confrontar o Judiciário. Quer se colocar como uma vítima
do sistema, que ele mesmo afirmava (e nunca foi verdade!) a construir. Ele se
esquece de que o nome do jogo é DEMOCRACIA. E, na democracia, bandidos são
presos.
Há muito não via tamanho descaramento e hipocrisia, na
tentativa de impor a canalhice como valor a ser preservado: “Nenhum ministro
encarna o Poder Judiciário – não estamos no absolutismo real. Nenhum ministro
encarna a nação ou o povo – não estamos numa ditadura. Mesmo acatando a
decisão, tenho o direito de me expressar diante de uma tentativa de intimidar
os réus, cercear o direito de defesa e expor os demais ministros ao clamor
popular instigado, via holofotes de certa mídia, nestes quase quatro meses de
julgamento.”
Dirceu é uma anta? Há controvérsias. Mesmo uma nobre anta (o
que não é o caso, visto que falta nobreza) sabe que não pode, presa em redes,
atacar quem a capturou.
A figura animal mais próximo da verdade é da hiena. Come
fezes, ataca em bando, ri, abandona outras (as feridas) pelo caminho de fuga e
provoca o inimigo e depois foge…
Até onde este script de filme de terror vai continuar sendo
encenado?
A alegação de uma suposta “coragem” derivada deste
enfrentamento cai por terra quando se reconhece que o Judiciário não age por
vingança. Age por justiça. E esta já basta ao escroque oficial. O chefe da
quadrilha sabe que nada perde ao tentar desmoralizar o mesmo poder que lhe deu
acolhida quando fugitivo e anistiado. O ganho se ouve nos gritos de “mexeu com ele,
mexeu comigo!”, entoado nas bocas de fumo – correção , nas plenárias – onde os
aliados do ladrão se reúnem.
O objetivo é posar de perseguido político. E justificar a
pesada pena pelo “inconformismo” com a “sentença influenciada por uma certa
mídia”, prolatada por “juízes absolutistas e ditadores”. Em um país governado
pelos seus (dele) próprios protetores.
É o samba do ladrão doido!
Ou a salsa cubana do covarde sem caráter.
domingo, 11 de novembro de 2012
Marco Antonio Villa: Tempos sombrios, tempos petistas
Luiz Inácio Lula da Silva está calado. O que é bom, muito
bom. Não mais repetiu que o mensalão foi uma farsa. Também, pudera, após mais
de três meses de julgamento público, transmitido pela televisão, com ampla
cobertura da imprensa, mais de 50 mil páginas do processo armazenadas em 225
volumes e a condenação de 25 réus, continuar negando a existência da
"sofisticada organização criminosa", de acordo com o procurador-geral
da República, Roberto Gurgel, seria o caso de examinar o ex-presidente. Mesmo
com a condenação dos seus companheiros - um deles, o seu braço direito no
governo, José Dirceu, o "capitão do time", como dizia -, aparenta
certa tranquilidade.
Como disse o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo
Tribunal Federal (STF), Lula é "um sujeito safo". É esperto, sagaz.
Conseguiu manter o mandato, em 2005, quando em qualquer país politicamente
sério um processo de impeachment deveria ter sido aberto. Foi uma manobra de
mestre. Mas nada supera ter passado ao largo da Ação Penal 470, feito digno de
um Pedro Malasartes do século 21.
Mas se o silêncio público (momentâneo?) de Lula é sempre bem
visto, o mesmo não pode ser dito das articulações que promove nos bastidores.
Uma delas foi o conselho para que Dilma Rousseff não comparecesse à posse de
Joaquim Barbosa na presidência do STF. Ainda bem que o bom senso vigorou e ela
vai ao ato, pois é presidente da República, e não somente dos petistas. O
artífice de diversas derrotas petistas na última eleição (Recife, Belo
Horizonte e Campinas são apenas alguns exemplos) continua pressionando a
presidente pela nomeação de um "ministro companheiro" na vaga aberta
pela aposentadoria de Carlos Ayres Brito. E deve, neste caso, ser obedecido.
O ex-presidente quer se vingar do resultado do julgamento do
mensalão. Nunca aceitou os limites constitucionais. Considera-se vítima, por
incrível que pareça, de uma conspiração organizada por seus adversários. Acha
que tribunal é partido político. Declarou recentemente que as urnas teriam
inocentado os quadrilheiros. Como se urna fosse toga. Nesse papel tem apoio
entusiástico do quarteto petista condenado por corrupção ativa, peculato,
lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Eles continuam escrevendo, dando
entrevistas, participando de festas e eventos públicos, como se nada tivesse
acontecido. Ou melhor, como se tivessem sido absolvidos.
O que os petistas chamam de resistência não passa de um
movimento orquestrado de escárnio da Justiça. José Dirceu, considerado o chefe
da quadrilha por Roberto Gurgel, tem o desplante de querer polemizar com o
ministro Joaquim Barbosa, criticando seu trabalho. Como se ele e Barbosa
estivessem no mesmo patamar: um não fosse condenado por corrupção ativa (nove
vezes) e formação de quadrilha e o outro, o relator do processo e que vai
assumir a presidência da Suprema Corte. Pior é que a imprensa cede espaço ao
condenado como se ele - vejam a inversão de valores da nossa pobre República -
fosse uma espécie de reserva moral da Nação. Chegou até a propor o
financiamento público de campanha. Mas os petistas já não o tinham adotado?
Outro condenado, João Paulo Cunha, foi recebido com abraços,
tapinhas nas costas e declarações de solidariedade pelos colegas na Câmara dos
Deputados. Já José Genoino pretende assumir a cadeira de deputado assim que
abrir a vaga. E como o que é ruim pode piorar, Marco Maia, presidente da
Câmara, afirmou que a perda de mandato dos dois condenados é assunto que deve
ser resolvido pela Casa, novamente desprezando a Constituição.
O julgamento do mensalão desnudou o Partido dos
Trabalhadores (PT). Sua liderança assaltou o Estado sem pudor. Como propriedade
do partido. Sem nenhum subterfúgio. Os petistas poderiam ter feito uma autocrítica
diante do resultado do julgamento. Ledo engano. Nada aprenderam, como se fossem
os novos Bourbons. Depois de semanas e semanas com o País ouvindo como seus
dirigentes se utilizaram dos recursos públicos para fins partidários, na semana
que passou Dilma (antes havia se reunido com o criador por três horas) recebeu
no Palácio da Alvorada, residência oficial, para um lauto jantar, líderes do PT
e do PMDB. A finalidade da reunião era um assunto de Estado? Não. Interessava
apenas aos dois partidos. Fizeram uma analise das eleições municipais e
traçaram planos para 2014. Ninguém, em sã consciência, é contrário a uma
reunião desse tipo. O problema é que foi num prédio público e paga com dinheiro
público. Imagine o leitor se tal fato ocorresse nos EUA ou na Europa. Seria um
escândalo. Mas na terra descoberta por Cabral, cujas naus, logo vão dizer,
tinham a estrela do PT nas velas, tudo pode. E quem protesta não passa de
golpista.
Nesta República em frangalhos, resta esperar o resultado
final do julgamento do mensalão. As penas devem ser exemplares. É o que o STF
está sinalizando na dosimetria do núcleo publicitário. Mas a Corte sabe que não
será tarefa nada fácil. O PT já está falando em controle social da mídia, nova
denominação da "censura companheira". Não satisfeito, defende também
o controle - observe o leitor que os petistas têm devoção pelo Estado
todo-poderoso - do Judiciário (qual, para eles, deve ser a referência positiva:
Cuba, Camboja ou Coreia do Norte?). Nesse ritmo, não causará estranheza o PT propor
que a Praça dos Três Poderes, em Brasília, tenha somente dois edifícios...
Afinal, "aquele" terceiro edifício, mais sóbrio, está criando muitos
problemas.
O País aguarda o momento da definição das penas do núcleo
político, especialmente do quarteto petista. Será um acerto de contas entre o
golpismo e o Estado Democrático de Direito. Para o bem do Brasil, os golpistas
mensaleiros perderam. Mais que perderam. Foram condenados. E serão presos.
sexta-feira, 9 de novembro de 2012
Olavo de Carvalho: O óbvio esotérico
A derrota do sr. José Serra em São Paulo demonstra, pela
enésima vez, que é impossível vencer o PT e seus aliados sem fazer precisamente
as duas coisas que a oposição tem evitado a todo preço: (1) livrar-se do
resíduo ideológico “politicamente correto”, adotando um discurso conservador
sem concessões nem atenuações; (2) denunciar incansavelmente a aliança
criminosa de partidos comunistas e quadrilhas de narcotraficantes – o Foro de
São Paulo.
Quem
duvida que o sucesso de Magalhães Neto, em contrapartida, deveu muito à
nostalgia de um conservadorismo linha-dura que o seu nome de família ainda
evoca na imaginação do eleitorado baiano? Antonio Carlos Magalhães nunca foi um
conservador em sentido estrito, mas, faute de mieux, a esquerda fez dele o símbolo
quintessencial da direita, e, ao menos nos seus últimos anos, ele vestiu a
camiseta com alguma bravura, cujo prestígio agora reverte em benefício do seu
neto.
Uma das
razões mais óbvias do triunfo da esquerda, não só no Brasil mas em toda parte,
é a solidariedade profunda, a aliança inquebrantável entre seus setores
moderados e radicais, sempre articulados para bater no adversário com duas
mãos. Na direita, ao contrário, os moderados, menos ciosos do seu futuro
político que da imagem que exibem na
mídia esquerdista, tratam de marcar distância dos radicais, seja fingindo
ignorá-los, seja mesmo insultando-os, ao menos da boca para fora.
A mensagem
que isso transmite ao eleitor é clara: o esquerdismo é um remédio bom, do qual
se pode, no máximo, discutir a dosagem; o direitismo, ao contrário, é um veneno
que só pode ser bom em doses mínimas.
É preciso
ter subido muito na escala da idiotice para não entender que isso é a política
de quem já se acostumou tanto com a derrota que já não pode viver sem ela.
O PT não
se inibe de aliar-se ao PSOL, ao PSTU, aos Sem-Terra e até, mais discretamente,
às Farc. Mas quem pode imaginar os homens do DEM – para não falar de José Serra
– posando numa foto em visita, mesmo de pura cortesia, ao Instituto Plínio
Correia de Oliveira ou ao Clube Militar? Cito essas entidades de caso pensado:
elas nada têm de radical, mas assim as rotulou a mídia esquerdista para
isolá-las da direita oficial, que, como sempre, aceitou servilmente jogar
segundo a regra imposta pelo adversário.
O mais
elementar bom-senso político ensina que toda maioria moderada precisa dos
radicais – ou de quem o pareça -- para dizer em público o que ela não pode
dizer. Ensina também que a minoria enfezada só pode ser posta sob controle
quando inserida numa aliança. A esquerda já aprendeu isso há décadas. A direita
nem começou a pensar no assunto.
Na França,
a vitória da esquerda teve como causa principal ou única a impossibilidade de
um diálogo entre a direita gaullista e o Front National. Nos EUA, em 2008, John
McCain jamais teria perdido a eleição se não houvesse caprichado tanto naquele
bom-mocismo centralista que os conservadores abominam. E no Brasil o sr. José
Serra teria tido uma carreira mais brilhante se atirasse à lata de lixo da
História um passado esquerdista que, quanto mais ostentado, mais honra e eleva
a imagem dos seus inimigos. Desculpem-me por insistir no óbvio, mas, neste
país, o óbvio vai-se tornando cada vez mais um segredo esotérico, só acessível
a um círculo de iniciados: num campeonato de esquerdismo, vence, por definição,
o mais esquerdista. O eleitorado brasileiro é maciçamente conservador, mas, não
tendo quem o represente na política, acaba votando a esmo, conforme simpatias
de momento ou interesses de ocasião que no fim o tornam tão corrupto, ao menos
psicologicamente, quanto os políticos que ele despreza. O voto interesseiro
vai, necessariamente, para quem está no poder, para quem controla a usina de
favores. A oposição teria tudo a ganhar se contrapusesse a esse estado de
coisas um discurso ideologicamente carregado, restaurando o senso da política
como conflito de valores em vez de mera disputa de cargos. Mas ela não vai
fazer isso. Há tempos ela já se persuadiu de que acumular derrotas é mais
confortável do que fazer um exame de consciência.
quinta-feira, 8 de novembro de 2012
Olavo de Carvalho: O novo imbecil coletivo
Quando entre os anos 80 e 90 comecei a redigir as notas que
viriam a compor O Imbecil Coletivo, os personagens a que ali eu me referia eram
indivíduos inteligentes, razoavelmente cultos, apenas corrompidos pela
auto-intoxicação ideológica e por um corporativismo de partido que, alçando-os
a posições muito superiores aos seus méritos, deformavam completamente sua
visão do universo e de si mesmos. Foi por isso que os defini como “um grupo de
pessoas de inteligência normal ou mesmo superior que se reúnem com a finalidade
de imbecilizar-se umas às outras”.
Essa
definição já não se aplica aos novos tagarelas e opinadores, que atuam
sobretudo através da internete que hoje estão entre os vinte e os quarenta anos
de idade. Tal como seus antecessores, são pessoas de inteligência normal ou
superior separadas do pleno uso de seus dons pela intervenção de forças sociais
e culturais. A diferença é que essas forças os atacaram numa idade mais tenra e
já não são bem as mesmas que lesaram os seus antecessores.
Até os anos
70, os brasileiros recebiam no primário e no ginásio uma educação normal,
deficiente o quanto fosse. Só vinham a corromper-se quando chegavam à
universidade e, em vez de uma abertura efetiva para o mundo da alta cultura,
recebiam doses maciças de doutrinação comunista, oferecida sob o pretexto,
àquela altura bastante verossímil, da luta pela restauração das liberdades
democráticas. A pressão do ambiente, a imposição do vocabulário e o controle
altamente seletivo dos temas e da bibliografia faziam com que a aquisição do
status de brasileiro culto se identificasse, na mente de cada estudante, com a
absorção do estilo esquerdista de pensar, de sentir e de ser – na verdade, nada
mais que um conjunto de cacoetes mentais.
O trabalho
dos professores-doutrinadores era complementado pela grande mídia, que, então
já amplamente dominada por ativistas e simpatizantes de esquerda, envolvia os
intelectuais e artistas de sua preferência ideológica numa aura de prestígio
sublime, ao mesmo tempo que jogava na lata de lixo do esquecimento os
escritores e pensadores considerados inconvenientes, exceto quando podia
explorá-los como exceções que por sua própria raridade e exotismo confirmavam a
regra.
Criada e
mantida pelas universidades, pelo movimento editorial e pela mídia impressa, a
atmosfera de imbecilização ideológica era, por assim dizer, um produto de luxo,
só acessível às classes média e alta, deixando intacta a massa popular.
A partir dos
anos 80, a elite esquerdista tomou posse da educação pública, aí introduzindo o
sistema de alfabetização “socioconstrutivista”, concebido por pedagogos
esquerdistas como Emilia Ferrero, Lev Vigotsky e Paulo Freire para implantar na
mente infantil as estruturas cognitivas aptas a preparar o desenvolvimento mais
ou menos espontâneo de uma cosmovisão socialista, praticamente sem necessidade
de “doutrinação” explícita.
Do ponto de
vista do aprendizado, do rendimento escolar dos alunos, e sobretudo da
alfabetização, os resultados foram catastróficos.
Não há
espaço aqui para explicar a coisa toda, mas, em resumidas contas, é o seguinte.
Todo idioma compõe-se de uma parte mais ou menos fechada, estável e mecânica –
o alfabeto, a ortografia, a lista de fonemas e suas combinações, as regras
básicas da morfologia e da sintaxe -- e de uma parte aberta, movente e fluida:
o universo inteiro dos significados, dos valores, das nuances e das intenções
de discurso. A primeira aprende-se eminentemente por memorização e exercícios repetitivos.
A segunda, pelo auto-enriquecimento intelectual permanente, pelo acesso aos
bens de alta cultura, pelo uso da inteligência comparativa, crítica e analítica
e, last not least, pelo exercício das habilidades pessoais de comunicação e
expressão. Sem o domínio adequado da primeira parte, é impossível orientar-se
na segunda. Seria como saltar e dançar antes de ter aprendido a andar. É
exatamente essa inversão que o socioconstrutivismo impõe aos alunos,
pretendendo que participem ativamente – e até criativamente – do “universo da
cultura” antes de ter os instrumentos de base necessários à articulação verbal
de seus pensamentos, percepções e estados interiores.
O socioconstrutivismo mistura a alfabetização com a
aquisição de conteúdos, com a socialização e até com o exercício da reflexão
crítica, tornando o processo enormemente complicado e, no caminho,
negligenciando a aquisição das habilidades fonético-silábicas elementares sem as quais ninguém pode chegar a um domínio
suficiente da linguagem.
O produto dessa monstruosidade pedagógica são estudantes que
chegam ao mestrado e ao doutorado sem conhecimentos mínimos de ortografia e com
uma reduzida capacidade de articular experiência e linguagem. Na universidade
aprendem a macaquear o jargão de uma ou várias especialidades acadêmicas que,
na falta de um domínio razoável da língua geral e literária, compreendem de
maneira coisificada, quase fetichista, permanecendo quase sempre insensíveis às
nuances de sentido e incapazes de apreender, na prática, a diferença entre um
conceito e uma figura de linguagem. Em geral não têm sequer o senso da “forma”,
seja no que lêem, seja no que escrevem.
Aplicado em escala nacional, o socioconstrutivismo resultou
numa espetacular democratização da inépcia, que hoje se distribui mais ou menos
equitativamente entre todos os jovens brasileiros estudantes ou diplomados, sem
distinções de credo ou de ideologia. O novo imbecil coletivo, ao contrário do
antigo, não tem carteirinha de partido.
Reinaldo Azevedo: O repúdio à democracia nos EUA e no Brasil. Ou: Os novos autoritários do bem!
Os valores democráticos, ao menos como os conhecemos, estão
em declínio. E, se a democracia já não é mais como a conhecemos, então
democracia não é, mas outra coisa, ainda a ser definida. Lembro, de cara, que a
palavra “democracia” não é um fetiche, que deva ser necessariamente adorado. As
pessoas podem, a exemplo de Lênin, Stálin, Hitler, Mao e outros tantos que os
seguiram repudiá-la — e, com a palavra, os valores que encerra. No que me diz
respeito, continuo apegado à tradição democrática. Refiro-me àquele regime
baseado na representação, que garante a plena liberdade de organização da
sociedade, que repudia a censura à opinião e que se pauta pela igualdade dos
homens perante a lei. Eu o considero uma experiência civilizatória, não apenas
um método de tomada de decisão pautado pela eficiência. Fosse assim, convenham,
a ditadura dispõe de instrumentos bem mais convincentes até para promover o bem
comum! De fato, a democracia não tem nem o monopólio das boas intenções e das
boas realizações. Não se é um democrata convicto apenas por pragmatismo. O
valor exclusivo da democracia, meus caros, é a liberdade.
As experiências de engenharia social oriundas do socialismo
— que se multiplicaram em correntes várias, que guardam, sim, aquela matriz,
mas estão bastante transformadas hoje — foram minando pouco a pouco os pilares
da democracia como a conhecemos. À medida que uma ideia abstrata de igualdade —
QUE TAMBÉM PODE SER PROMOVIDA POR UMA DITADURA! — tomou o lugar da liberdade
como elemento distintivo e exclusivo do regime democrático, valores essenciais
dessa experiência civilizatória foram entrando em declínio. Episodicamente,
pragmáticos do ultraliberalismo se uniram às esquerdas renovadas (que já não
querem mais, claro!, a planificação da economia de modelo soviético) no que
chamo de desprestígio (e até de ódio) à democracia.
Há um bom tempo venho percebendo esse movimento no Brasil e
em vários outros países. O resultado das eleições americanas deu o ensejo para
que adoráveis autoritários — alguns nem mesmo sabem o nome do que praticam —
expusessem todas as suas tentações. Das vocações supostamente as mais
libertárias, ouvi a satanização da divergência, da oposição, do contraditório.
E não só no Brasil. Editoriais de jornais americanos jogam fora os fatos e a
história do país para emprestar ao resultado das urnas a expressão de uma
suposta vontade coletiva de que Barack Obama seria uma espécie de antena ou de
demiurgo, de sorte que opor-se a ele, como fazem os republicanos (que crime!),
passa a ser encarado como sabotagem, expressão do atraso, do reacionarismo,
coisa de “macho, branco e velho”. Nessa perspectiva, a nova metafísica é
“mulher, latina e jovem” (ainda voltarei a esse aspecto.
Pausa para um momento emblemático. Depois retomo.
Assistia ontem ao Jornal da Globo. O correspondente Marcos
Uchoa apresentou uma reportagem sobre a escolha do novo dirigente máximo da
tirania chinesa. Falou-se das conquistas econômicas do país (o modelo é
eficiente), das novas gerações que se beneficiam do crescimento (promove-se o
bem comum…) etc e tal. E só um pouquinho da ditadura. Tendo como fundo a
eleição americana, lembrou-se que também o regime chinês escolherá seu
dirigente máximo, mas sem consulta popular. Então Uchoa disse o seguinte:
“Do comunismo, só restou o nome. Essa geração que vai
assumir o poder é de filhos de antigos membros importantes do partido e é uma
elite bem-educada e que hoje descartou dogmas ideológicos do passado e se
concentra nas peças-chave da política: poder e dinheiro. Na mesma semana, o
mundo vai ver duas maneiras bem diferentes de jogar o mesmo jogo.”
Comento
Não estou atribuindo intenções sub-reptícias ao repórter, de
cujo trabalho não tenho nenhuma opinião. Nunca parei para pensar nisso. Também
não o tomo como um pensador que deva ser contestado porque, afinal, influente e
capaz de formar escola. Não! A questão é ainda mais séria. Temo que ele tenha
sido apenas porta-voz de uma concepção corrente — ou que pode se tornar
corrente. Um dos principais telejornais do país, da emissora mais importante e
com maior audiência, sustenta que a eleição de um presidente nos EUA, sob o
regime democrático (ainda), e a escolha do novo tirano chinês são “maneiras bem
diferentes de jogar o mesmo jogo” — assim como, sei lá, Barcelona e Chelsea
correndo atrás da bola. Ucha estabelece as peças-chave da política: “poder e
dinheiro”. Até Delúbio Soares poderia dizer a mesma coisa.
Reitero: não estou tentando acusá-lo de ser um defensor de
tiranias ou algo assim, mas o “jogo” que Obama ainda joga é outro — cada vez
mais contaminado, é verdade, nos EUA, no Brasil e em várias outras democracias
por aquele “esporte” que se pratica na China. E não! É falso que, naquele país,
só tenha restado do comunismo o nome, Marcos Uchoa! Restou também, e isto é
fundamental, o modelo de organização política. A fala do repórter tem
importância porque ela é a plena expressão de um tempo em que a igualdade (ou o
bem-estar social) tomou o lugar da liberdade como valor essencial da
democracia. Como escrevi logo de início, também as ditaduras podem fazer coisas
boas para as pessoas — como provam, no Brasil, o Estado Novo e o Regime
Militar. Fim da pausa para um momento emblemático.
Retomo
Muito bem! Os republicanos perderam a eleição. E daí?
Atribui-se a derrota — como se ela tivesse sido vexaminosa, submetendo o
partido ao ridículo, o que é uma piada — a suas convicções, que seriam
ultrapassadas, conservadoras, reacionárias. Escolham entre esses e outros
adjetivos aquele que lhes parecer mais depreciativo. Mas é isso o que dizem,
afinal de contas, os fatos???
Mitt Romney teve seu nome sufragado por 48,1% daqueles que
foram votar, contra 50,4% de Obama. Não foi pequeno o risco de se ter, mais uma
vez, um presidente vitorioso nas urnas que, não obstante, perde no colégio
eleitoral. A regra, nos EUA, é o presidente conquistar a reeleição, não o
contrário. A excepcionalidade de Obama, havendo uma, está em tê-lo conseguido
com uma das mais baixas margens da história — apenas 2,3 pontos de vantagem. Do
primeiro ano do século 20 até agora (incluindo-se o segundo mandato do atual
presidente), os republicanos foram governo por 15 mandatos; os democratas, por
14. Considerado só o século passado, o placar é de 13 a 12 a favor dos
primeiros. Neste século, chegarão ao empate: dois a dois. Os democratas ficaram
20 anos no poder (de 1933 a 1952). Seus líderes chegaram a namorar com
tentações fascistoides, mas o regime democrático acabou triunfando. Nas
eleições deste ano, não custa lembrar, os republicanos mantiveram o controle da
Câmara.
Por que, afinal, analistas de lá — dos EUA — e daqui
insistem em apontar o que seria uma derrota histórica do partido (???), havendo
mesmo quem anteveja, santo Deus!, até a sua extinção?
Vamos lá
Embora Obama tenha sido eleito e reeleito segundo as regras
vigentes na democracia americana, é visto, por deslumbrados de lá e daqui, não
como um procurador daqueles valores, mas como um seu reformador. Em certa
medida, algo análogo acontece, no Brasil, com o lulo-petismo. Como a “igualdade
e o bem-estar social” (aquilo que a China também promove…) tomaram o lugar da
liberdade como valor essencial da democracia e como o presidente é visto como a
encarnação desses valores, opor-se a ele fugiria da esfera da luta democrática.
Os republicanos, assim, não seriam representantes de uma parcela da população
americana — simbolicamente, nesta eleição, a metade! — que discorda de suas
medidas, de suas políticas, de suas escolhas! Nada disso! Seriam apenas
porta-vozes do atraso, sabotadores, defensores de privilégios, insensíveis
sociais que não estariam atentos ao novo momento.
Se os EUA se fizeram (e até Obama lembrou isso no discurso
da vitória) articulando suas diferenças e divergências — e falamos de um povo
que fez uma das guerras civis mais cruentas da história —, esse momento da
democracia vigiado por minorias militantes, por alcaides do pensamento e por censores
bem-intencionados excomunga o contraditório. À oposição, assim, não cabe nem
mesmo o papel de vigiar as escolhas de Obama — muito menos de recusá-las. A ela
estaria reservado o silêncio obsequioso, já que o mandato deste presidente não
viria apenas das urnas, mas também dessa espécie de encarnação de utopias
coletivas e igualitárias.
A VEJA.com publicou ontem uma boa síntese do que escreveram
sobre o resultado das eleições alguns jornais americanos. O Wall Street Journal
vislumbra severas dificuldades para os republicanos (com, reitero, 48,1% dos
votos totais!!!) porque o partido teria sido escolhido, principalmente, pela
população branca e mais velha — que está em declínio. Poderia ter incluído
também “os homens”. Assim, este seria o retrato da “reação” na América: macho,
branco e coroa. Newt Gingrich, derrotado por Romney nas primárias, não perde a
chance de embarcar no equívoco. Afirmou que seu partido enfrenta um “grande
desafio institucional”: descobrir como se conectar com os eleitores das
minorias que compõem uma parcela cada vez maior da sociedade americana. “O
Partido Republicano simplesmente tem de aprender a parecer mais inclusivo para
as minorias, particularmente hispânicos”. Repete, mais ou menos, o juízo asnal
de alguns tucanos no Brasil, que estão convictos de que o PSDB deve disputar o
eleitorado cativo do PT… “Ah, mas um dia os brancos serão minoria, e aí…” Bem,
é preciso ver se os descendentes dos latinos, em 20 ou 30 anos, continuarão
seduzidos pela pauta democrata, não é?
Os republicanos construíram, eis a verdade, uma alternativa
real de poder — refiro-me à questão política; no conteúdo, os dois candidatos
foram sofríveis, especialmente nos temas internos. E o fizeram, no que concerne
aos valores, sendo quem são. Os números e a história demonstram que a virtude
da democracia americana, ao contrário do que tenho ouvido por aí, está
justamente na polarização. “Mas os republicanos quase levam os EUA ao calote,
Reinaldo!” Não! Os republicanos se utilizaram de uma garantia constitucional
para não permitir que o Executivo impusesse a sua vontade. Obama foi obrigado a
negociar, e eis aí o homem reeleito.
O New York Times (aquele jornal que aceita anúncio
conclamando católicos a deixar de ser católicos, mas recusa o que conclama
muçulmanos a abandonar a sua religião) foi mais longe. Viu na reeleição de
Obama “um repúdio à era Reagan” no que diz respeito ao corte exagerado dos
impostos e às políticas de “intolerância, medo e desinformação”. Uau! É um
triplo salto carpado dialético e tanto, não sei se já sob a influência de Mark
Thompson, ex-chefão da BBC e contratado para ser o chefão do jornal americano.
Na empresa britânica, ele se tornou célebre por declarar que, por lá,
permitia-se zombar de Jesus, mas não de Maomé. Evoco essas questões laterais
porque elas compõem a metafísica de um tempo. Então vamos ver. Talvez eu não
tenha entendido direito o “raciossímio” do Times. Em 1980, Reagan venceu Carter
em 44 estados — o democrata ficou com apenas 6 (50,7% dos votos a 41%). No
Colégio, o placar foi de 489 a 49. E Carter era presidente! Em 1984, o
republicano foi reeleito de forma humilhante para os democratas: sagrou-se
vitorioso em 49 estados (58,8% a 40,6%). Deixou apenas um para o adversário; no
colégio, 525 a 13! O presidente fez o seu sucessor, Bush pai, que triunfou em
40 estados (426 a 111): 53,37% a 45,65%. Não obstante, a era Reagan teria sido
repudiada agora, e a evidência estaria na vitória de Obama em apenas 26 estados
(contra 24 do adversário), por um placar com 2,3 pontos de diferença. Clinton
venceu em 33 estados na primeira eleição (1992) e em 32 na segunda (1996). E manteve
os fundamentos da economia da era Reagan. Eis a verdade traduzida em números da
afirmação feita pelo jornal.
Que fique claro!
A mim me importam menos as respectivas pautas de cada
candidato do que essa cultura de aversão à democracia que vai se espalhando. E
que, por óbvio, não nos é estranha. Também entre nós o exercício da oposição,
agora que “progressistas” estão no poder, vai se tornando algo malvisto, mero
exercício de sabotagem e de oposição àqueles que seriam os interesses do povo.
Dou um exemplo evidente: as cotas raciais foram impostas às universidades
federais sem nem mesmo debate no Parlamento. A simples crítica à medida é
apontada como ódio aos pobres, às minorias, aos oprimidos — todas aquelas
tolices fantasiosas que compõem o estoque de agressões dos autoritários.
Os republicanos? Ah, eles tiveram a coragem de enfrentar o
tal “Obamacare”, o que parecia, à primeira vista, suicídio político e, mais uma
vez, obrigaram o governo a negociar. E sabem por que o fizeram? Porque tinham
mandato de seus eleitores para fazê-lo. E agiram dentro das regras
estabelecidas pela democracia americana. “Ah, mas olhe aí o resultado!” Sim,
olho e vejo um partido que era uma real alternativa de poder. E só o era — e
como as emissoras de TV suaram frio desta vez, não é? — porque, em vez de
aderir à pauta do adversário — que, afinal, do adversário é —, fez a sua
própria ao longo dos quatro anos de mandato de Obama. Reitero: não entro no
mérito; talvez, nos EUA, eu apoiasse o plano de saúde de Obama. O ponto não é
esse: estou advogando o direito que tem a oposição de ser contra ele. Se é por
bons ou por maus motivos, isso o processo político evidencia. Chega a espantoso
que muitos cobrem da oposição brasileira coragem para enfrentar o PT, mas
adiram alegremente à satanização dos republicanos porque estes fazem lá —
reitero: não estou tratando de conteúdo — o que a oposição brasileira não
aprendeu a fazer aqui.
Fala-se, finalmente, de um país dividido. É? Melhor do que
outro em que um partido, com pretensões hegemônicas, recorre a expedientes
criminosos para eliminar a oposição. Os “decadentes” republicanos terão, por
exemplo, o domínio da Câmara. Não existem PMDB e PSD nos EUA, aqueles que não
são “nem de esquerda, nem de direita, nem de centro”. Os derrotados do dia
anterior não são os vitoriosos do dia seguinte — ou, para ficar na espécie
(como diria Marco Aurélio), derrotados e vitoriosos num mesmo dia… O que se
chama um “país rachado” é um país que reconhece, ainda!!!, instituições por
meio das quais se articulam essas divergências.
O valor exclusivo da democracia é a liberdade. E a
característica exclusiva da liberdade é poder dizer “não”.
J.R. Guzzo: O resto é o resto
Nada mais natural que depois de uma eleição para prefeitos e
vereadores, como a de agora ou para
governadores, deputados e presidente, como se fará daqui a dois anos, cada um
diga o que bem entender sobre o verdadeiro significado do que aconteceu, com os
costumeiros cálculos para estabelecer “quem ganhou e quem perdeu”; deveria ser
uma tarefa bem simples concluir que ganhou quem teve mais votos e perdeu quem
teve menos, mas esse debate é um velho hábito nacional, e não vai mudar. Outra
coisa, muito diferente, é acreditar naquilo que se diz.
Trata-se de uma liberdade de duas mãos: cada um fala o que
quiser e, em compensação, cada um entende o que quiser daquilo que foi falado.
Na recém-terminada eleição municipal de 2012, como de costume, não ficou claro,
nem vai ficar, quanta atenção o público deveria realmente prestar a toda essa
conversa que está ouvindo agora. É certo, desde já, que está ouvindo coisas que
não fazem nenhum sentido — e, por isso mesmo, provavelmente não perderia nada
se prestasse o mínimo de atenção a elas.
A fórmula é sempre a mesma. Cientistas políticos pescados em alguma universidade ou instituto
superior disso ou daquilo, aparecem de repente nos meios de comunicação para
explicar, depois de encerrada a batalha, como, por que e por quem ela foi ganha
ou perdida. É uma estranha ciência, essa, que, em vez de lidar com fatos
comprovados, lida com opiniões. Na anatomia, por exemplo, está dito que o homem
tem dois pulmões: não pode haver outra “opinião” quanto a isso. Na ciência
política pode. Juntam-se a esses cientistas os políticos propriamente ditos, os
comentaristas da imprensa e mais uma porção de gente, e de tudo o que dizem
resulta uma salada que a mídia serve ao público como se estivesse transmitindo
ao vivo o Sermão da Montanha.
Uma demonstração clara desse tumulto mental é a conclusão,
por parte de muitas cabeças coroadas do mundo político, de que a vitória
pessoal do ex-presidente Lula na eleição de São Paulo, onde levou para a
prefeitura uma nulidade eleitoral que ninguém conhecia três meses atrás, apagou
as condenações que seu partido e seu governo receberam no julgamento do
mensalão. Está na cara que o resultado não apagou nem acendeu nada, pois
eleição não é feita para separar o certo do errado, nem para decidir se houve
ou não houve um crime ─ serve, unicamente, para escolher quem vai governar.
Dizer o que está certo ou errado é tarefa exclusiva da Justiça; no caso, o STF
já decidiu que foi cometida no governo Lula uma catarata de crimes, sobretudo
de corrupção. Não há, simplesmente, como mudar isso. A Justiça pode funcionar
muito mal no Brasil, mas é o único meio que se conhece para resolver quem tem
razão ─ assim como eleição é o único meio que se conhece para escolher
governos.
Não foi o “povo brasileiro”, além disso, quem “absolveu” o
PT─ ou concorda quando o partido diz que seus chefes são “prisioneiros
políticos” condenados por um “tribunal de exceção”, e não por corromperem e
serem corrompidos. É curioso, aliás, como os políticos deste país ficam à
vontade para falar em “povo brasileiro”. O PT ganhou esta última eleição em 10%
dos municípios. E os eleitores dos outros 90%, com 80% do eleitorado, que povo
seriam? Esquimós? É dado como um fato científico, também, que Lula foi o maior
ganhador da eleição, por causa do resultado em São Paulo. Por que isso? Porque
ele próprio, o PT e outros tantos vinham dizendo, desde o começo, que só o
município de São Paulo, com pouco mais de 5% dos eleitores brasileiros,
importava; o resto era apenas o resto.
De tanto repetirem isso, virou verdade. Mas é falso: não dá
para dizer que não houve eleição em Salvador ou Fortaleza, no Recife, em Belo
Horizonte e Porto Alegre, onde o PT apresentou candidatos com pleno apoio de
Lula e da presidente Dilma Rousseff, e perdeu em todas ─ nas três últimas,
inclusive, não sobreviveu nem ao primeiro turno. No mapa mental de Lula é como
se nenhuma dessas cidades estivesse em território brasileiro; o Brasil, em sua
geografia, começa e acaba em São Paulo. Cinco das principais capitais
brasileiras, por esse modo de medir as coisas, são tratadas como se ficassem em
Marte.
O que Lula e seu partido fizeram foi construir a ideia de
que São Paulo, sozinha, vale mais que todo o restante do Brasil somado ─ e
nisso, realmente, tiveram sucesso, pois nove entre dez “profissionais” da
política dizem mais ou menos a mesma coisa. Assim é, se lhes parece. Mas o
público não tem a menor obrigação de acreditar no que estão dizendo.
sábado, 27 de outubro de 2012
Guilherme Fiuza: Os mensaleiros venceram
O Brasil continua assistindo ao julgamento do mensalão como
um filme de época. O STF está prestes a dar as sentenças, e o público aplaude a
virada dessa página infeliz da nossa história, quando a pátria dormia tão
distraída etc. O problema é que a pátria continua dormindo profundamente.
José Dirceu, o grande vilão, o homem que vai em cana
condenado pelo juiz negro, nesse duelo que faz os brasileiros babarem de
orgulho, não é um personagem do passado. Está, hoje mesmo, regendo o PT no
segundo turno das eleições municipais. Ainda é a principal cabeça do partido
que governa o país.
E o eleitorado não está nem aí. A campanha de Fernando
Haddad em São Paulo é quase uma brincadeira com o Brasil. Um candidato
inventado por essa cúpula petista que só pensa naquilo (se pendurar no poder
estatal) consegue uma liderança esmagadora no segundo turno. O projeto
parasitário de Dirceu, que tem Lula como padrinho e Dilma como afilhada, pelo
visto não vai sofrer um arranhão com a condenação no Supremo. O eleitor não
liga o nome à pessoa.
Fernando Haddad foi um sujeito inexpressivo de boa aparência
colocado no Ministério da Educação para fazer política. Sua candidatura é a
menina dos olhos de Lula, mais um plano esperto dessa turma que descobriu que
pode viver de palanque sem trabalhar.
O fenômeno Haddad conseguiu bagunçar a vida dos
vestibulandos por três anos seguidos, com erros primários no Enem, típicos de
inépcia e vagabundagem. Se fosse no Japão, o então ministro teria se declarado
humilhado e se retirado da vida pública. No Brasil, vira um "quadro"
forte da política.
Haddad fez com a pobre educação brasileira o que o PT sempre
faz no poder: marketing do oprimido. Defendeu livros didáticos com erros de
português, tentou bajular os gays com cartilhas estúpidas, fez demagogia
progressista com o sistema de cotas. Enquanto os estudantes se esfolavam no
Enem, ele estava nos comícios de Dilma para presidente.
Tudo conforme a lógica mensaleira da agremiação que governa
o Brasil há dez anos: usar os mandatos para garimpar votos e arrecadar fundos
(para pagar os Dudas lá fora, o que o Supremo já disse que está OK).
O ex-ministro Haddad é filho dos mentores do mensalão, assim
como os ministros do STF Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Nunca se viu
espetáculo tão patético na esfera superior do Estado: dois supostos juízes
usando crachá partidário e obedecendo às ordens do principal réu. Contando,
ninguém acredita.
Esse sistema desinibido de prostituição da democracia vai de
vento em popa, porque a pátria-mãe tão distraída resolveu acreditar que a vida
melhorou porque Lula é (era) pobre e porque Dilma é mulher. O Brasil não faz
mais questão de nada: nem a entrega do "planejamento" da
infraestrutura à quadrilha Delta-Cachoeira comoveu os brasileiros.
O prefeito Eduardo Paes disse que o Brasil está jogando fora
a chance de se organizar, e o ministro dos Esportes ficou zangado. A turma do
maquinário detesta quando alguém lembra que eles não trabalham. O ministro Aldo
Rebelo é companheiro de partido do seu antecessor, o inesquecível Orlando
Silva, rei das ONGs. Nas mãos do PCdoB, o Ministério dos Esportes estava
aproveitando a Copa do Mundo no Brasil para montar seu pé-de-meia companheiro -
o que é absolutamente normal, dentro da ética mensaleira.
Aí surgem as manchetes intrometidas e Dilma tem que encenar
a faxina, a contragosto, cobrindo de elogios o companheiro decapitado e
entregando a boca para um colega de partido. Assim é em todo o primeiro escalão
do governo, mas eles ficam muito chateados se alguém lembra que esse esquema
malandro não serve para organizar o país para uma Copa, para uma Olimpíada ou
para um futuro decente.
Enquanto a pátria continuar dormindo e sonhando com o
heroísmo de Joaquim Barbosa, a república mensaleira seguirá em frente. Ninguém
deu a menor bola para o escândalo denunciado pelo ex-ministro do STF Sepúlveda
Pertence.
Dilma Rousseff aproveitou o espetáculo no Supremo e cortou a
cabeça dos dois conselheiros "desobedientes" da Comissão de Ética da
Presidência. Marília Muricy e Fábio Coutinho ousaram reprovar a conduta dos
ministros companheiros Carlos Lupi e Fernando Pimentel. A presidente teve que
demitir Lupi, que transformara o Ministério do Trabalho numa ação entre amigos
do PDT - partido que o demitido continua comandando, em apoio ao governo
popular.
Mas Pimentel, com suas milionárias consultorias fantasmas,
vendidas graças aos seus belos olhos de amigo da presidente, continua vivendo
de favor no Ministério do Desenvolvimento.
Um dia já houve a expectativa de que Marcos Valério, uma vez
apanhado, abriria o bico. Hoje o bico de Valério não vale mais um centavo. O
golpe já foi revelado, e a real academia mensaleira continua comandando a
política brasileira. Testada e aprovada pelo povo.
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
Marco Antonio Villa: A condenação do PT
O julgamento do mensalão atingiu duramente o Partido dos
Trabalhadores. As revelações acabaram por enterrar definitivamente o figurino
construído ao longo de décadas de um partido ético, republicano e defensor dos
mais pobres.
Agora é possível entender as razões da sua liderança de
tentar, por todos os meios, impedir a realização do julgamento. Não queriam a
publicização das práticas criminosas, das reuniões clandestinas, algumas delas
ocorridas no interior do próprio Palácio do Planalto, caso único na história
brasileira.
Muito distante das pesquisas acadêmicas ─ instrumentalizadas
por petistas ─ e, portanto, mais próximos da realidade, os ministros do STF
acertaram na mosca ao definir a liderança petista, em 2005, como uma
sofisticada organização criminosa e que, no entender do ministro Joaquim
Barbosa, tinha como chefe José Dirceu, ex-presidente do PT e ministro da Casa
Civil de Lula.
Segundo o ministro Celso de Mello: “Este processo criminal
revela a face sombria daqueles que, no controle do aparelho de Estado,
transformaram a cultura da transgressão em prática ordinária e desonesta de
poder.” E concluiu: “É macrodelinquência governamental.” O presidente Ayres Brito
foi direto: “É continuísmo governamental. É golpe.”
O julgamento do mensalão desnudou o PT, daí o ódio dos seus
fanáticos militantes com a Suprema Corte e, principalmente, contra o que eles
consideram os “ministros traidores”, isto é, aqueles que julgaram segundo os
autos do processo e não de acordo com as determinações emanadas da direção
partidária.
Como estão acostumados a lotear as funções públicas, até
hoje não entenderam o significado da existência de três poderes independentes
e, mais ainda, o que é ser ministro do STF.
Para eles, especialmente Lula, ministro da Suprema Corte é
cargo de confiança, como os milhares criados pelo partido desde 2003. Daí que
já começaram a fazer campanha para que os próximos nomeados, a começar do
substituto de Ayres Brito, sejam somente aqueles de absoluta confiança do PT,
uma espécie de ministro companheiro. E assim, sucessivamente, até conseguirem
ter um STF absolutamente sob controle partidário.
A recepção da liderança às condenações demonstra como os
petistas têm uma enorme dificuldade de conviver com a democracia.
Primeiramente, logo após a eclosão do escândalo, Lula pediu
desculpas em pronunciamento por rede nacional. No final do governo mudou de
opinião: iria investigar o que aconteceu, sem explicar como e com quais
instrumentos, pois seria um ex-presidente.
Em 2011 apresentou uma terceira explicação: tudo era uma
farsa, não tinha existido o mensalão. Agora apresentou uma quarta versão: disse
que foi absolvido pelas urnas ─ um ato falho, registre-se, pois não eram um dos
réus do processo. Ao associar uma simples eleição com um julgamento demonstrou
mais uma vez o seu desconhecimento do funcionamento das instituições ─
registre-se que, em todas estas versões, Lula sempre contou com o beneplácito
dos intelectuais chapas-brancas para ecoar sua fala.
As lideranças condenadas pelo STF insistem em dizer que o
partido tem que manter seu projeto estratégico. Qual? O socialismo foi
abandonado e faz muito tempo. A retórica anticapitalista é reservada para os
bate-papos nostálgicos de suas velhas lideranças, assim como fazem parte do
passado o uso das indefectíveis bolsas de couro, as sandálias, as roupas
desalinhadas e a barba por fazer.
A única revolução petista foi na aparência das suas
lideranças. O look guevarista foi abandonado. Ficou reservado somente à base
partidária. A direção, como eles próprios diriam em 1980, “se aburguesou”.
Vestem roupas caras, fizeram plásticas, aplicam botox a três por quatro. Só
frequentam restaurantes caros e a cachaça foi substituída pelo uísque e o
vinho, sempre importados, claro.
O único projeto da aristocracia petista ─ conservadora,
oportunista e reacionária ─ é de se perpetuar no poder. Para isso precisa
contar com uma sociedade civil amorfa, invertebrada. Não é acidental que
passaram a falar em controle social da imprensa e… do Judiciário. Sabem que a
imprensa e o Judiciário acabaram se tornando, mesmo sem o querer, nos maiores
obstáculos à ditadura de novo tipo que almejam criar, dada ausência de uma
oposição político-partidária.
A estratégia petista conta com o apoio do que há de pior no
Brasil. É uma associação entre políticos corruptos, empresários inescrupulosos
e oportunistas de todos os tipos. O que os une é o desejo de saquear o Estado.
O PT acabou virando o instrumento de uma burguesia
predatória, que sobrevive graças às benesses do Estado. De uma burguesia
corrupta que, no fundo, odeia o capitalismo e a concorrência. E que encontrou
no partido ─ depois de um século de desencontros, namorando os militares e
setores políticos ultraconservadores ─ o melhor instrumento para a manutenção e
expansão dos seus interesses. Não deram nenhum passo atrás na defesa dos seus
interesses de classe. Ficaram onde sempre estiveram. Quem se movimentou em
direção a eles foi o PT.
Vivemos uma quadra muito difícil. Remar contra a corrente
não é tarefa das mais fáceis. As hordas governistas estão sempre prontas para
calar seus adversários.
Mas as decisões do STF dão um alento, uma esperança, de que
é possível imaginar uma república em que os valores predominantes não sejam o
da malandragem e da corrupção, onde o desrespeito à coisa pública não se torne
uma espécie de lema governamental e a mala recheada de dinheiro roubado do
Erário não se tenha transformado em símbolo nacional.
terça-feira, 23 de outubro de 2012
Olavo de Carvalho: Depois do Mensalão
Agora que os mensaleiros estão no fundo do poço, não cessam
de erguer-se vozes indignadas de petistas, comunistas e socialistas fiéis que
os condenam como oportunistas e traidores. Mas por que deveria algum líder ou
militante ser atirado à execração pública pela simples razão de ter cumprido à
risca a sua obrigação de revolucionário? Não é certo que a estratégia
marxista-leninista ordena e determina não só atacar o Estado burguês desde
fora, mas corrompê-lo desde dentro sempre que possível para em seguida acusá-lo
de depravado e ladrão e substituí-lo pelo Partido-Estado? Não é notório que, na
concepção mais ampla e sutil de Antonio Gramsci, inspirador e guia da nossa
esquerda há meio século, a corrupção do Estado não basta, sendo preciso
estendê-la a toda a sociedade, quebrantar e embaralhar todos os critérios
morais e jurídicos para que, na confusão geral, só reste como último símbolo de
autoridade a vontade de ferro da vanguarda partidária? Não é óbvio e patente
que, se na perspectiva gramsciana o Partido é “o novo Príncipe”, ele tem a
obrigação estrita de seguir os ensinamentos de Maquiavel, usando da mentira, da
trapaça, da extorsão, do roubo e do homicídio na medida necessária para
concentrar em si todo o poder, derrubando pelo caminho leis, instituições e
valores?
Na perspectiva marxista, nenhum dos artífices do Mensalão
fez nada de errado, exceto o crime hediondo de deixar-se descobrir no final,
pondo em risco o que há de mais intocável e sagrado: a boa imagem do Partido e
da esquerda em geral.
Para não perceber uma coisa tão evidente, é preciso desviar
os olhos para os aspectos mais periféricos e folclóricos do episódio, apagando
da memória a essência, a natureza mesma do crime cometido. Que foi, afinal, o
Mensalão? Uma gigantesca operação de compra de consciências. E para quê as
consciências foram compradas? Para enriquecer os srs. José Dirceu, Genoíno,
Valério e mais alguns outros? De maneira alguma. Foram compradas para
neutralizar o Legislativo e concentrar todo o poder nas mãos do Executivo,
portanto do Partido dominante. Que pode haver de mais leal, de mais coerente
com a tradição marxista?
Toda a geração que, cinqüentona ou sessentona, chegou ao
poder nas últimas décadas foi educada num sistema moral onde as culpas pessoais
são insubstantivas em si mesmas, dependendo tão-somente da cor política e
transmutando-se em virtudes tão logo tragam vantagem ao “lado certo” do
espectro ideológico. Bem ao contrário: segundo o que essa gente aprendeu desde
os tempos da universidade, qualquer concessão à “moral burguesa”, se não é útil
como jogo-de-cena provisório, é delito maior que a consciência revolucionária
não pode tolerar. Nessa ótica, que pode haver de mau ou condenável em juntar
dinheiro por meios ilícitos para comprar consciências burguesas e forçá-las a
trabalhar, volens nolens, para o Partido Príncipe? Uma vez que se abandonou a
via da revolução armada – não por reverência ante a vida humana, mas por mera
oportunidade estratégica --, que outro meio existe de instaurar a “autoridade
onipresente e invisível” senão a corrupção sistemática dos adversários e
concorrentes?
Não faltará quem, movido pela incapacidade geral brasileira
de conceber que um político, ao meter-se em tal embrulho, o faça movido por
ambições muito mais vastas que o mero desejo de dinheiro, levante aqui a
objeção: Mas os mensaleiros não ficaram ricos?
Ficaram, é claro, mas desejariam vocês que eles depositassem
todo o dinheiro sujo na conta do Partido, atraindo suspeitas sobre a própria
organização em vez de protegê-la sob suas contas pessoais como bons agentes e
testas-de-ferro? Ou desejariam que, de posse de imensas quantias, continuassem
levando existências modestas, dando a entender que eram apenas paus-mandados em
vez de expor-se como vigaristas autônomos e bandidos comuns sem cor política,
que é como agora são vistos por uma opinião pública supremamente inculta, sonsa
e – novamente -- ludibriada?
Pois induzir o povo a vê-los exatamente assim,
salvaguardando a boa reputação do esquema de poder partidário que os criou e ao
qual serviram, é precisamente o objetivo de toda essa corja de moralistas
improvisados que agora os cobre de impropérios em nome da pureza e idoneidade
da esquerda.
Os mensaleiros não são, é claro, bodes expiatórios
inocentes. São culpados parciais incumbidos de pagar sozinhos pela culpa geral
de uma organização que há trinta anos vem usando do discurso moral, com notável
eficiência, como disfarce e instrumento do crime.
Os que agora tentam se limpar neles são ainda piores que
eles. Pois o que fazem é tentar levar o povo a esquecer que os mensaleiros de
hoje são os moralistas de ontem, os mesmos que, nas CPIs dos anos 90, brilharam
como paladinos da lei e da ordem, enquanto já iam preparando, sob esse manto
cor-de-rosa, o esquema de poder monopolístico do qual o Mensalão viria ser nada
mais que instrumento. E para que fariam isso, se não fosse para aplanar o
terreno para novos e maiores crimes?
Se os indignados porta-vozes do antimensalismo esquerdista
tivessem um pingo de sinceridade, teriam se insurgido, anos atrás, contra o
acobertamento petista das Farc, organização terrorista e assassina, perto de
cujos crimes o Mensalão se reduz às proporções de um roubo de picolés num
carrinho da Kibon. Como não o fizeram, a narcoguerrilha colombiana cresceu até
tornar-se, sob a proteção do Foro de São Paulo, a maior distribuidora de drogas
no mundo, prestes a receber do sr. Juan Manuel Santos, sabe-se lá em troca de
quê, as chaves do poder político.
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
Olavo de Carvalho: A engenharia da desordem / O Fome Zero americano
A engenharia da desordem
Todo mundo sabe que a base eleitoral do ex-presidente Lula,
bem como a da sua sucessora, está nas filas de beneficiários das verbas do Fome
Zero. Embora a origem do programa remonte ao governo FHC, o embrulhão-em-chefe
conseguiu fundi-lo de tal maneira à imagem da sua pessoa, que a multidão dos
recebedores teme que votar contra ele seja matar a galinha dos ovos de ouro.
No começo ele prometia, em vez disso, lhes arranjar
empregos, mas depois se absteve prudentemente de fazê-lo e preferiu, com esperteza
de mafioso, reduzi-los à condição de dependentes crônicos.
O cidadão que sai da miséria para entrar no mercado de
trabalho pode permanecer grato, durante algum tempo, a quem lhe deu essa
oportunidade, mas no correr dos anos acaba percebendo que sua sorte depende do
seu próprio esforço e não de um favor recebido tempos atrás. Já aquele cuja
subsistência provém de favores renovados todos os meses torna-se um puxa-saco
compulsivo, um servidor devoto do “Padim”, um profissional do beija-mão.
O político que faz carreira baseado nesse tipo de programa
é, com toda a evidência, um corruptor em larga escala, que vive da deterioração
da moralidade popular. É impossível que o crescimento do Fome Zero não tenha
nada a ver com o da criminalidade, do consumo de drogas e dos casos de
depressão. Transforme os pobres em mendigos remediados e em poucos anos você
terá criado uma massa de pequenos aproveitadores cínicos, empenhados em
eternizar a condição de dependência e extrair dela proveitos miúdos, mas
crescentes, fazendo do próprio aviltamento um meio de vida.
Mas o assistencialismo estatal vicioso não foi o único meio
usado pela elite petista para reduzir a sociedade brasileira a um estado de
incerteza moral e de anomia.
Na mesma medida em que se absteve de criar empregos, o sr.
Lula também se esquivou de dar aos pobres qualquer rudimento de educação, por
mais mínimo que fosse, para lhes garantir a longo prazo uma vida mais dotada de
sentido. Durante seus dois mandatos o sistema educacional brasileiro tornou-se
um dos piores do universo, uma fábrica de analfabetos e delinqüentes como nunca
se viu no mundo. Ao mesmo tempo, o governo forçava a implantação de novos
modelos de conduta – abortismo, gayzismo, racialismo, ecolatria, laicismo à
outrance etc. --, sabendo perfeitamente que a quebra repentina dos padrões de
moralidade tradicionais produz aquele estado de perplexidade e desorientação,
aquela dissolução dos laços de solidariedade social, que desemboca no indiferentismo
moral, no individualismo egoísta e na criminalidade. Por fim, à dissolução da
capacidade de julgamento moral seguiu-se a da ordem jurídica: o novo projeto de
Código Penal, invertendo abruptamente a escala de gravidade dos crimes,
consagrando o aborto como um direito incondicional, facilitando a prática da
pedofilia, descriminalizando criminosos e criminalizando cidadãos honestos por
dá-cá-aquela-palha, choca de tal modo os hábitos e valores da população, que
equivale a um convite aberto à insolência e ao desrespeito.
Só o observador morbidamente ingênuo poderá enxergar nesses
fenômenos um conjunto de erros e fracassos. Seria preciso uma constelação
miraculosa de puras coincidências para que, sistematicamente, todos os erros e
fracassos levassem sempre ao sucesso cada vez maior dos seus autores. Tudo isso
parece loucura, mas é loucura premeditada, racional. É uma obra de engenharia.
Se há uma obviedade jamais desmentida pela experiência, é esta: a
desorganização sistemática da sociedade é o modo mais fácil e rápido de elevar
uma elite militante ao poder absoluto. Para isso não é preciso nem mesmo
suspender as garantias jurídicas formais, implantar uma “ditadura” às claras.
Já faz muitas décadas que a sociologia e a ciência política compreenderam esse
processo nos seus últimos detalhes. Leiam, por exemplo, o clássico estudo de
Karl Mannheim, “A estratégia do grupo nazista” (no volume Diagnóstico do Nosso
Tempo, ed. brasileira da Zahar). A fórmula é bem simples: na confusão geral das
consciências, toda discussão racional se torna impossível e então,
naturalmente, espontaneamente, quase imperceptivelmente, o centro decisório se
desloca para as mãos dos mais descarados e cínicos, aos quais o próprio povo,
atônito e inseguro, recorrerá como aos símbolos derradeiros da autoridade e da
ordem no meio do caos. Isso já está acontecendo. A ascensão dos partidos de
esquerda à condição de dominadores exclusivos do panorama político,
praticamente sem oposição, nunca teria sido possível sem o longo trabalho de
destruição da ordem na sociedade e nas almas.
Mas também não teria sido possível se o caos fosse completo.
O caos completo só convém a anarquistas de porão, marginais e oprimidos. Quando
a revolução vem de cima, é essencial que alguns setores da vida social,
indispensáveis à manutenção do poder de governo, sejam preservados no meio da
demolição geral. Os campos escolhidos para permanecer sob o domínio da razão
foram, compreensivelmente, a Receita Federal, o Ministério da Defesa e a
economia. A primeira, a mais indispensável de todas, porque não se faz uma
revolução sem dinheiro, e ninguém jamais chegará a dominar o Estado por dentro
se não consegue fazer com que ele próprio financie a operação. A administração
relativamente sensata dos outros dois campos anestesiou e neutralizou
preventivamente, com eficiência inegável, as duas classes sociais de onde
poderia provir alguma resistência ao regime, como se viu em 1964: os militares
e os empresários. Cachorro mordido de cobra tem medo de lingüiça.
O Fome Zero americano
Se os caros leitores compreenderam o meu artigo anterior (“A
engenharia da desordem”), deve ter-lhes ocorrido, ao menos de raspão, a idéia
de que o sr. Barack Hussein Obama talvez não estivesse fazendo puro jogo de
cena quando, ao encontrar o sr. Lula em Washington D.C., exclamou: “Esse é o
cara!” O presidente americano prometeu imitar o Fome Zero, e não só o fez como
vem obtendo, desse empreendimento, resultados perfeitamente simétricos aos
alcançados pelo seu colega brasileiro.
Nos
últimos anos, a economia americana caiu do primeiro lugar para o sétimo na
escala de competitividade do Fórum Econômico Mundial. O desemprego, que em 2008
não passava muito de quatro por cento, já está acima de oito, e a criação de
novos empregos é cada vez mais lenta. Comparando números, o colunista Donald
Lambro, do Washington Times, conclui que o desempenho do presente governo
americano na área trabalhista é o pior desde a II Guerra Mundial (veja o link).
Em compensação, Obama foi o recordista absoluto na distribuição de dinheiro do
governo não só aos pobres como também aos ricos – incluindo um vistoso leque de
empresas falidas por má administração e fraudes, em geral pertencentes a seus
contribuintes de campanha. Para isso, sobrecarregou o Estado de mais dívidas do
que todos os seus antecessores somados, desde George Washington. É um fracasso
colossal, dizem os analistas econômicos. Mas, os utilitaristas que me perdoem,
a racionalidade econômica não é a motivação última dos atos humanos. O que do
ponto de vista econômico parece um absurdo pode ser politicamente lógico e
sensato, ao menos no sentido maquiavélico da coisa. Um artigo excelente do
comentarista Ira Stoll no New York Sun
mostra que as melhores chances de sucesso do candidato democrata nas
eleições de novembro repousam precisamente no descalabro da sua política
trabalhista: na primeira gestão Obama, o número das pessoas que vivem de ajuda
governamental começou a superar, pela primeira vez na história americana, o das
que trabalham e pagam impostos. Hoje são 46,7 milhões de americanos que recebem
vale-alimentação, 8,7 milhões de estudantes bolsistas, mais 7,6 milhões de
empregados estatais sindicalizados. Total: 63 milhões de obamistas compulsivos.
Quatro milhões acima do número de votos obtidos por John McCain em 2008.
Será
especulação psicótica, será “teoria da conspiração” suspeitar que houve alguma
premeditação por trás de um fracasso tão benéfico à pessoa do seu autor? Não,
quando se leva em conta o seguinte fato: o único emprego que Obama teve na
vida, o único ramo de atividade no qual adquiriu alguma experiência, foi o de
“organizador comunitário” empenhado na aplicação da estratégia Cloward-Piven. E
essa estratégia consiste, de alto a baixo, na arte de fomentar o desastre
econômico para tirar dele proveitos políticos. Expliquei isso num artigo de
2009 publicado neste mesmo Diário do Comércio. Que pode haver de tão
inverossímil em supor que, na presidência, o homem fez a única coisa que
comprovadamente sabe fazer?
Aí reside
também a diferença entre ele e o seu modelo brasileiro. Lula, para implantar o
monopólio político da esquerda e corromper a sociedade inteira, teve de manter
a economia funcionando razoavelmente e fazer o possível para cortejar o
empresariado, dessensibilizando-o para tudo o que se passasse fora do círculo
de seus interesses mais imediatos.
Obama, ao
contrário do nosso ex-presidente, não encontrou uma massa de miseráveis pronta
para ser alistada na sua clientela. Teve de fabricá-la – e não havia como fazer
isso senão demolindo a economia, aumentando ao mesmo tempo o desemprego e a
dívida pública para que esses dois monstros se alimentassem um do outro até à
completa exaustão do organismo nacional.
Outra
diferença é a posição dos EUA no cenário internacional, que tinha de ser
corroída mediante cortes no orçamento militar e o favorecimento inicialmente
discreto, depois explícito, às forças inimigas que se levantavam contra
governos aliados ou neutros. O assassinato do embaixador americano na Líbia, sincronizado
com manifestações anti-americanas na Tunísia, no Iêmen, no Irã e no Egito
(onde, para cúmulo, os marines que guardam a embaixada continuam proibidos de
portar munição de verdade), é o símbolo condensado da lógica que orienta toda a
política do governo Obama. Essa lógica resume-se na simples aplicação local do
mandamento globalista: enfraquecer os Estados no plano internacional e
fortalecê-los no plano interno. Dito de outro modo: desarmá-los contra seus
inimigos e armá-los contra suas próprias populações, de modo a fazer deles os
cães-de-guarda, ao mesmo tempo dóceis e implacáveis, da nova ordem global. De
sob as cascas dos velhos Leviatãs nacionais
começa a erguer-se, majestosamente sinistro, o Leviatã planetário.
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