Brasil do PT: O Caos

Nota oficial petralha sobre o julgamento do mensalão


O PT E O JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL 470
O PT, amparado no princípio da liberdade de expressão, critica e torna pública sua discordância da decisão do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento da Ação Penal 470, condenou e imputou penas desproporcionais a alguns de seus filiados.
1. O STF não garantiu o amplo direito de defesa
O STF negou aos réus que não tinham direito ao foro especial a possibilidade de recorrer a instâncias inferiores da Justiça. Suprimiu-lhes, portanto, a plenitude do direito de defesa, que é um direito fundamental da cidadania internacionalmente consagrado.
A Constituição estabelece, no artigo 102, que apenas o presidente, o vice-presidente da República, os membros do Congresso Nacional, os próprios ministros do STF e o Procurador Geral da República podem ser processados e julgados exclusivamente pela Suprema Corte. E, também, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os ministros de Estado, os comandantes das três Armas, os membros dos Tribunais superiores, do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática em caráter permanente.
Foi por esta razão que o ex-ministro Marcio Thomaz Bastos, logo no início do julgamento, pediu o desmembramento do processo. O que foi negado pelo STF, muito embora tenha decidido em sentido contrário no caso do “mensalão do PSDB” de Minas Gerais.
Ou seja: dois pesos, duas medidas; situações idênticas tratadas desigualmente.
Vale lembrar, finalmente, que em quatro ocasiões recentes, o STF votou pelo desmembramento de processos, para que pessoas sem foro privilegiado fossem julgadas pela primeira instância – todas elas posteriores à decisão de julgar a Ação Penal 470 de uma só vez.
Por isso mesmo, o PT considera legítimo e coerente, do ponto de vista legal, que os réus agora condenados pelo STF recorram a todos os meios jurídicos para se defenderem.
2. O STF deu valor de prova a indícios
Parte do STF decidiu pelas condenações, mesmo não havendo provas no processo. O julgamento não foi isento, de acordo com os autos e à luz das provas. Ao contrário, foi influenciado por um discurso paralelo e desenvolveu-se de forma “pouco ortodoxa” (segundo as palavras de um ministro do STF). Houve flexibilização do uso de provas, transferência do ônus da prova aos réus, presunções, ilações, deduções, inferências e a transformação de indícios em provas.
À falta de elementos objetivos na denúncia, deducões, ilações e conjecturas preencheram as lacunas probatórias – fato grave sobretudo quando se trata de ação penal, que pode condenar pessoas à privação de liberdade. Como se sabe, indícios apontam simplesmente possibilidades, nunca certezas capazes de fundamentar o livre convencimento motivado do julgador. Indícios nada mais são que sugestões, nunca evidências ou provas cabais.
Cabe à acusação apresentar, para se desincumbir de seu ônus processual, provas do que alega e, assim, obter a condenação de quem quer que seja. No caso em questão, imputou-se aos réus a obrigação de provar sua inocência ou comprovar álibis em sua defesa—papel que competiria ao acusador. A Suprema Corte inverteu, portanto, o ônus da prova.
3. O domínio funcional do fato não dispensa provas
O STF deu estatuto legal a uma teoria nascida na Alemanha nazista, em 1939, atualizada em 1963 em plena Guerra Fria e considerada superada por diversos juristas. Segundo esta doutrina, considera-se autor não apenas quem executa um crime, mas quem tem ou poderia ter, devido a sua função, capacidade de decisão sobre sua realização. Isto é, a improbabilidade de desconhecimento do crime seria suficiente para a condenação.
Ao lançarem mão da teoria do domínio funcional do fato, os ministros inferiram que o ex-ministro José Dirceu, pela posição de influência que ocupava, poderia ser condenado, mesmo sem provarem que participou diretamente dos fatos apontados como crimes. Ou que, tendo conhecimento deles, não agiu (ou omitiu-se) para evitar que se consumassem. Expressão-síntese da doutrina foi verbalizada pelo presidente do STF, quando indagou não se o réu tinha conhecimento dos fatos, mas se o réu “tinha como não saber”…
Ao admitir o ato de ofício presumido e adotar a teoria do direito do fato como responsabilidade objetiva, o STF cria um precedente perigoso: o de alguém ser condenado pelo que é, e não pelo que teria feito.
Trata-se de uma interpretação da lei moldada unicamente para atender a conveniência de condenar pessoas específicas e, indiretamente, atingir o partido a que estão vinculadas.
4. O risco da insegurança jurídica
As decisões do STF, em muitos pontos, prenunciam o fim do garantismo, o rebaixamento do direito de defesa, do avanço da noção de presunção de culpa em vez de inocência. E, ao inovar que a lavagem de dinheiro independe de crime antecedente, bem como ao concluir que houve compra de votos de parlamentares, o STF instaurou um clima de insegurança jurídica no País.
Pairam dúvidas se o novo paradigma se repetirá em outros julgamentos, ou, ainda, se os juízes de primeira instância e os tribunais seguirão a mesma trilha da Suprema Corte.
Doravante, juízes inescrupulosos, ou vinculados a interesses de qualquer espécie nas comarcas em que atuam poderão valer-se de provas indiciárias ou da teoria do domínio do fato para condenar desafetos ou inimigos políticos de caciques partidários locais.
Quanto à suposta compra de votos, cuja mácula comprometeria até mesmo emendas constitucionais, como as das reformas tributária e previdenciária, já estão em andamento ações diretas de inconstitucionalidade, movidas por sindicatos e pessoas físicas, com o intuito de fulminar as ditas mudanças na Carta Magna.
Ao instaurar-se a insegurança jurídica, não perdem apenas os que foram injustiçados no curso da Ação Penal 470. Perde a sociedade, que fica exposta a casuísmos e decisões de ocasião. Perde, enfim, o próprio Estado Democrático de Direito.
5. O STF fez um julgamento político
Sob intensa pressão da mídia conservadora — cujos veículos cumprem um papel de oposição ao governo e propagam a repulsa de uma certa elite ao PT —  ministros do STF confirmaram condenações anunciadas, anteciparam votos à imprensa, pronunciaram-se fora dos autos e, por fim, imiscuiram-se em áreas reservadas ao Legislativo e ao Executivo, ferindo assim a independência entre os poderes.
Único dos poderes da República cujos integrantes independem do voto popular e detêm mandato vitalício até completarem 70 anos, o Supremo Tribunal Federal – assim como os demais poderes e todos os tribunais daqui e do exterior – faz política. E o fez, claramente, ao julgar a Ação Penal 470.
Fez política ao definir o calendário convenientemente coincidente com as eleições. Fez política ao recusar o desmembramento da ação e ao escolher a teoria do domínio do fato para compensar a escassez de provas.
Contrariamente a sua natureza, de corte constitucional contra-majoritária, o STF, ao deixar-se contaminar pela pressão de certos meios de comunicação e sem distanciar-se do processo político eleitoral, não assegurou-se a necessária isenção que deveria pautar seus julgamentos.
No STF, venceram as posições políticas ideológicas, muito bem representadas pela mídia conservadora neste episódio: a maioria dos ministros transformou delitos eleitorais em delitos de Estado (desvio de dinheiro público e compra de votos).
Embora realizado nos marcos do Estado Democrático de Direito sob o qual vivemos, o julgamento, nitidamente político, desrespeitou garantias constitucionais para retratar processos de corrupção à revelia de provas, condenar os réus e tentar criminalizar o PT. Assim orientado, o julgamento convergiu para produzir dois resultados: condenar os réus, em vários casos sem que houvesse provas nos autos, mas, principalmente, condenar alguns pela “compra de votos” para, desta forma, tentar criminalizar o PT.
Dezenas de testemunhas juramentadas acabaram simplesmente desprezadas. Inúmeras contraprovas não foram sequer objeto de análise. E inúmeras jurisprudências terminaram alteradas para servir aos objetivos da condenação.
Alguns ministros procuraram adequar a realidade à denúncia do
Procurador Geral, supostamente por ouvir o chamado clamor da opinião pública, muito embora ele só se fizesse presente na mídia de direita, menos preocupada com a moralidade pública do que em tentar manchar a imagem histórica do governo Lula, como se quisesse matá-lo politicamente. O procurador não escondeu seu viés de parcialidade ao afirmar que seria positivo se o julgamento interferisse no resultado das eleições.
A luta pela Justiça continua
O PT envidará todos os esforços para que a partidarização do Judiciário, evidente no julgamento da Ação Penal 470, seja contida. Erros e ilegalidades que tenham sido cometidos por filiados do partido no âmbito de um sistema eleitoral inconsistente – que o PT luta para transformar através do projeto de reforma política em tramitação no Congresso Nacional – não justificam que o poder político da toga suplante a força da lei e dos poderes que emanam do povo.
Na trajetória do PT, que nasceu lutando pela democracia no Brasil, muitos foram os obstáculos que tivemos de transpor até nos convertermos no partido de maior preferência dos brasileiros. No partido que elegeu um operário duas vezes presidente da República e a primeira mulher como suprema mandatária. Ambos, Lula e Dilma, gozam de ampla aprovação em todos os setores da sociedade, pelas profundas transformações que têm promovido, principalmente nas condições de vida dos mais pobres.
A despeito das campanhas de ódio e preconceito, Lula e Dilma elevaram o Brasil a um novo estágio: 28 milhões de pessoas deixaram a miséria extrema e 40 milhões ascenderam socialmente.
Abriram-se novas oportunidades para todos, o Brasil tornou-se a 6ª.economia do mundo e é respeitado internacionalmente, nada mais devendo a ninguém.
Tanto quanto fizemos antes do início do julgamento, o PT reafirma sua convicção de que não houve compra de votos no Congresso Nacional, nem tampouco o pagamento de mesada a parlamentares. Reafirmamos, também, que não houve, da parte de petistas denunciados, utilização de recursos públicos, nem apropriação privada e pessoal.
Ao mesmo tempo, reiteramos as resoluções de nosso Congresso Nacional, acerca de erros políticos cometidos coletiva ou individualmente.
É com esta postura equilibrada e serena que o PT não se deixa intimidar pelos que clamam pelo linchamento moral de companheiros injustamente condenados. Nosso partido terá forças para vencer mais este desafio. Continuaremos a lutar por uma profunda reforma do sistema político – o que inclui o financiamento público das campanhas eleitorais – e pela maior democratização do Estado, o que envolve constante disputa popular contra arbitrariedades como as perpetradas no julgamento da Ação Penal 470, em relação às quais não pouparemos esforços para que sejam revistas e corrigidas.
Conclamamos nossa militância a mobilizar-se em defesa do PT e de nossas bandeiras; a tornar o partido cada vez mais democrático e vinculado às lutas sociais. Um partido cada vez mais comprometido com as transformações em favor da igualdade e da liberdade.
São Paulo, 14 de novembro de 2012.
Comissão Executiva Nacional do PT.

·RUI FALCÃO – Presidente
·ANDRÉ LUIZ VARGAS ILÁRIO – Secretário Nacional de Comunicação
·ARLETE SAMPAIO – Vogal
·BENEDITA DA SILVA – Vogal
·CARLOS HENRIQUE ÁRABE – Secretário Nacional de Formação Política
·ELÓI PIETÁ – Secretário–Geral Nacional
·FÁTIMA CLEIDE RODRIGUES DA SILVA – Vogal
·IOLE ILÍADA – Secretária Nacional de Relações Internacionais
·JILMAR AGUSTINHO TATTO – Líder do PT na Câmara dos Deputados
·JOÃO VACCARI NETO – Secretário Nacional de Finanças e Planejamento
·JORGE LUIZ CABRAL COELHO – Secretário Nacional de Mobilização
·JOSÉ NOBRE GUIMARÃES – Vice–Presidente Nacional
·MARIA APARECIDA DE JESUS – Vogal
·MARIA DE FÁTIMA BEZERRA – Vice–Presidente Nacional
·MARIA DO CARMO LARA PERPÉTUO – Vogal
·MARIENE PANTOJA DE LIMA – Vogal
·PAULO FRATESCHI – Secretário Nacional de Organização
·RENATO SIMÕES – Secretário Nacional de Movimentos Populares
·VILSON AUGUSTO DE OLIVEIRA – Secretário Nacional de Assuntos Institucionais
·WALTER DE FREITAS PINHEIRO – Líder do PT no Senado Federal

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Reynaldo Rocha: A salsa cubana do covarde sem caráter


Prova de desonestidade. Já conhecida. De ofensa ao país, comumente repetida. A arrogância de quem se julga acima do estado de direito. E da verdade histórica.
A condenação aconteceu? Que se puna a imprensa! Cassem a palavra de jornalistas! Como se estes fossem policiais, promotores e juízes. Os atuais acusados pelo delírio do guerrilheiro da espingarda de rolha de cortiça.
Acrescente-se uma reforma política jamais explicitada. Só a defesa do tal financiamento público de campanha, para dar legalidade aos achaques já praticados.
E como usam o termo “desconstrução!” Tenho ouvido com frequência. O mesmo que destruição. Quem quer desconstruir assume que quer destruir: acabar com algo que já foi construído.
Como um julgamento. E contra os fatos.
Parece-me que José Dirceu deseja a prisão. Ou ao menos justificar a pena a ser cumprida. Dando ares de politização a uma condenação por roubo.
Se na ditadura os assaltos a bancos eram chamados de expropriação e tinham – mesmo com críticas de muitos – um emprego coletivo, desta feita foi dinheiro para os bolsos de porcos que transformaram o Legislativo em chiqueiro. O que há de ideológico ou de político nestas ações?
Esta tentativa – hoje isolada – de Dirceu parece dar razão a Lula quando definiu o condenado pela chefia da quadrilha, em tempos passados: “José Dirceu não tem amigos. Ele só pensa nele!”.
Dirceu tenta criar um clima de desmoralização do Poder Judiciário na tentativa desesperada de criar um fato político que dê margem – delirante – de se autodeclarar “prisioneiro político”. Como já disse antes, prisioneiro do governo do PT.
Mas, ele só pensa nele…
Dirceu não terá ─ nem ele nem ninguém ─ condições de desconstruir o que quer que seja, além das próprias pobres biografias. Transformadas em folhas corridas.
Esta insistência patológica de ignorar a realidade não pode ser doença. Parece ser retirada de algum manual lulopetista, visto que utilizada pela imensa maioria dos adeptos da seita.
E há quem pretenda separar Dirceu do PT. São irmãos siameses. Indissociáveis. Um diz o que o outro pensa. E ambos obedecem o que o supremo líder pensou pensar.
Mas Lula conhece os seus (dele)!
Sabe que Dirceu “não tem amigos.” Nunca teve. E que neste momento, José Dirceu – chefe de uma quadrilha de bandidos condenados por roubos aos cofres públicos – precisa ser mais uma vez a vítima do crime que não houve. Um crime político.
O outro, previsto no Código Penal, não há como desconstruir.
A única alternativa é calando a imprensa e propondo reformas.
Quem sabe a do Poder Judiciário?
Na semana passada, o quadrilheiro Pedro Caroço voltou à carga contra os atuais alvos da covardia reconhecida: de novo a imprensa. E como se previa, o Judiciário.
Um porque ousou falar. Outro, porque ouviu. E ambos porque fizeram o que a nação e a democracia exigem.
Em artigo no blog que mantém (e que perderá o direito de usar, visto que presos não podem ter acesso a Internet), um post com o título “O que justifica?”, investe contra a decisão do ministro Joaquim Barbosa de apreender os passaportes de réus já condenados.
As justificativas são diversas. E é até cansativo elencá-las. A primeira – e básica – e que bandidos precisam ser vigiados entre a apenação e a execução da pena. E que bandidos que roubaram, possuem ainda mais condições de fugir, visto que milionários com o que roubaram. Outra decorre do caráter dos condenados. Especificamente no caso de Dirceu, nada a comentar. Dirceu continua na clara intenção de ser o “mártir do puteiro!”. O “preso político” que trocou o crime de opinião pelo roubo na boca do caixa. Do dinheiro público.
Quer confrontar o Judiciário. Quer se colocar como uma vítima do sistema, que ele mesmo afirmava (e nunca foi verdade!) a construir. Ele se esquece de que o nome do jogo é DEMOCRACIA. E, na democracia, bandidos são presos.
Há muito não via tamanho descaramento e hipocrisia, na tentativa de impor a canalhice como valor a ser preservado: “Nenhum ministro encarna o Poder Judiciário – não estamos no absolutismo real. Nenhum ministro encarna a nação ou o povo – não estamos numa ditadura. Mesmo acatando a decisão, tenho o direito de me expressar diante de uma tentativa de intimidar os réus, cercear o direito de defesa e expor os demais ministros ao clamor popular instigado, via holofotes de certa mídia, nestes quase quatro meses de julgamento.”
Dirceu é uma anta? Há controvérsias. Mesmo uma nobre anta (o que não é o caso, visto que falta nobreza) sabe que não pode, presa em redes, atacar quem a capturou.
A figura animal mais próximo da verdade é da hiena. Come fezes, ataca em bando, ri, abandona outras (as feridas) pelo caminho de fuga e provoca o inimigo e depois foge…
Até onde este script de filme de terror vai continuar sendo encenado?
A alegação de uma suposta “coragem” derivada deste enfrentamento cai por terra quando se reconhece que o Judiciário não age por vingança. Age por justiça. E esta já basta ao escroque oficial. O chefe da quadrilha sabe que nada perde ao tentar desmoralizar o mesmo poder que lhe deu acolhida quando fugitivo e anistiado. O ganho se ouve nos gritos de “mexeu com ele, mexeu comigo!”, entoado nas bocas de fumo – correção , nas plenárias – onde os aliados do ladrão se reúnem.
O objetivo é posar de perseguido político. E justificar a pesada pena pelo “inconformismo” com a “sentença influenciada por uma certa mídia”, prolatada por “juízes absolutistas e ditadores”. Em um país governado pelos seus (dele) próprios protetores.
É o samba do ladrão doido!
Ou a salsa cubana do covarde sem caráter.

domingo, 11 de novembro de 2012

Marco Antonio Villa: Tempos sombrios, tempos petistas


Luiz Inácio Lula da Silva está calado. O que é bom, muito bom. Não mais repetiu que o mensalão foi uma farsa. Também, pudera, após mais de três meses de julgamento público, transmitido pela televisão, com ampla cobertura da imprensa, mais de 50 mil páginas do processo armazenadas em 225 volumes e a condenação de 25 réus, continuar negando a existência da "sofisticada organização criminosa", de acordo com o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, seria o caso de examinar o ex-presidente. Mesmo com a condenação dos seus companheiros - um deles, o seu braço direito no governo, José Dirceu, o "capitão do time", como dizia -, aparenta certa tranquilidade.
Como disse o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), Lula é "um sujeito safo". É esperto, sagaz. Conseguiu manter o mandato, em 2005, quando em qualquer país politicamente sério um processo de impeachment deveria ter sido aberto. Foi uma manobra de mestre. Mas nada supera ter passado ao largo da Ação Penal 470, feito digno de um Pedro Malasartes do século 21.
Mas se o silêncio público (momentâneo?) de Lula é sempre bem visto, o mesmo não pode ser dito das articulações que promove nos bastidores. Uma delas foi o conselho para que Dilma Rousseff não comparecesse à posse de Joaquim Barbosa na presidência do STF. Ainda bem que o bom senso vigorou e ela vai ao ato, pois é presidente da República, e não somente dos petistas. O artífice de diversas derrotas petistas na última eleição (Recife, Belo Horizonte e Campinas são apenas alguns exemplos) continua pressionando a presidente pela nomeação de um "ministro companheiro" na vaga aberta pela aposentadoria de Carlos Ayres Brito. E deve, neste caso, ser obedecido.
O ex-presidente quer se vingar do resultado do julgamento do mensalão. Nunca aceitou os limites constitucionais. Considera-se vítima, por incrível que pareça, de uma conspiração organizada por seus adversários. Acha que tribunal é partido político. Declarou recentemente que as urnas teriam inocentado os quadrilheiros. Como se urna fosse toga. Nesse papel tem apoio entusiástico do quarteto petista condenado por corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Eles continuam escrevendo, dando entrevistas, participando de festas e eventos públicos, como se nada tivesse acontecido. Ou melhor, como se tivessem sido absolvidos.
O que os petistas chamam de resistência não passa de um movimento orquestrado de escárnio da Justiça. José Dirceu, considerado o chefe da quadrilha por Roberto Gurgel, tem o desplante de querer polemizar com o ministro Joaquim Barbosa, criticando seu trabalho. Como se ele e Barbosa estivessem no mesmo patamar: um não fosse condenado por corrupção ativa (nove vezes) e formação de quadrilha e o outro, o relator do processo e que vai assumir a presidência da Suprema Corte. Pior é que a imprensa cede espaço ao condenado como se ele - vejam a inversão de valores da nossa pobre República - fosse uma espécie de reserva moral da Nação. Chegou até a propor o financiamento público de campanha. Mas os petistas já não o tinham adotado?
Outro condenado, João Paulo Cunha, foi recebido com abraços, tapinhas nas costas e declarações de solidariedade pelos colegas na Câmara dos Deputados. Já José Genoino pretende assumir a cadeira de deputado assim que abrir a vaga. E como o que é ruim pode piorar, Marco Maia, presidente da Câmara, afirmou que a perda de mandato dos dois condenados é assunto que deve ser resolvido pela Casa, novamente desprezando a Constituição.
O julgamento do mensalão desnudou o Partido dos Trabalhadores (PT). Sua liderança assaltou o Estado sem pudor. Como propriedade do partido. Sem nenhum subterfúgio. Os petistas poderiam ter feito uma autocrítica diante do resultado do julgamento. Ledo engano. Nada aprenderam, como se fossem os novos Bourbons. Depois de semanas e semanas com o País ouvindo como seus dirigentes se utilizaram dos recursos públicos para fins partidários, na semana que passou Dilma (antes havia se reunido com o criador por três horas) recebeu no Palácio da Alvorada, residência oficial, para um lauto jantar, líderes do PT e do PMDB. A finalidade da reunião era um assunto de Estado? Não. Interessava apenas aos dois partidos. Fizeram uma analise das eleições municipais e traçaram planos para 2014. Ninguém, em sã consciência, é contrário a uma reunião desse tipo. O problema é que foi num prédio público e paga com dinheiro público. Imagine o leitor se tal fato ocorresse nos EUA ou na Europa. Seria um escândalo. Mas na terra descoberta por Cabral, cujas naus, logo vão dizer, tinham a estrela do PT nas velas, tudo pode. E quem protesta não passa de golpista.
Nesta República em frangalhos, resta esperar o resultado final do julgamento do mensalão. As penas devem ser exemplares. É o que o STF está sinalizando na dosimetria do núcleo publicitário. Mas a Corte sabe que não será tarefa nada fácil. O PT já está falando em controle social da mídia, nova denominação da "censura companheira". Não satisfeito, defende também o controle - observe o leitor que os petistas têm devoção pelo Estado todo-poderoso - do Judiciário (qual, para eles, deve ser a referência positiva: Cuba, Camboja ou Coreia do Norte?). Nesse ritmo, não causará estranheza o PT propor que a Praça dos Três Poderes, em Brasília, tenha somente dois edifícios... Afinal, "aquele" terceiro edifício, mais sóbrio, está criando muitos problemas.
O País aguarda o momento da definição das penas do núcleo político, especialmente do quarteto petista. Será um acerto de contas entre o golpismo e o Estado Democrático de Direito. Para o bem do Brasil, os golpistas mensaleiros perderam. Mais que perderam. Foram condenados. E serão presos.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Olavo de Carvalho: O óbvio esotérico

A derrota do sr. José Serra em São Paulo demonstra, pela enésima vez, que é impossível vencer o PT e seus aliados sem fazer precisamente as duas coisas que a oposição tem evitado a todo preço: (1) livrar-se do resíduo ideológico “politicamente correto”, adotando um discurso conservador sem concessões nem atenuações; (2) denunciar incansavelmente a aliança criminosa de partidos comunistas e quadrilhas de narcotraficantes – o Foro de São Paulo.
            Quem duvida que o sucesso de Magalhães Neto, em contrapartida, deveu muito à nostalgia de um conservadorismo linha-dura que o seu nome de família ainda evoca na imaginação do eleitorado baiano? Antonio Carlos Magalhães nunca foi um conservador em sentido estrito, mas, faute de mieux, a esquerda fez dele o símbolo quintessencial da direita, e, ao menos nos seus últimos anos, ele vestiu a camiseta com alguma bravura, cujo prestígio agora reverte em benefício do seu neto.
            Uma das razões mais óbvias do triunfo da esquerda, não só no Brasil mas em toda parte, é a solidariedade profunda, a aliança inquebrantável entre seus setores moderados e radicais, sempre articulados para bater no adversário com duas mãos. Na direita, ao contrário, os moderados, menos ciosos do seu futuro político que da imagem que exibem  na mídia esquerdista, tratam de marcar distância dos radicais, seja fingindo ignorá-los, seja mesmo insultando-os, ao menos da boca para fora.
            A mensagem que isso transmite ao eleitor é clara: o esquerdismo é um remédio bom, do qual se pode, no máximo, discutir a dosagem; o direitismo, ao contrário, é um veneno que só pode ser bom em doses mínimas.
            É preciso ter subido muito na escala da idiotice para não entender que isso é a política de quem já se acostumou tanto com a derrota que já não pode viver sem ela.
            O PT não se inibe de aliar-se ao PSOL, ao PSTU, aos Sem-Terra e até, mais discretamente, às Farc. Mas quem pode imaginar os homens do DEM – para não falar de José Serra – posando numa foto em visita, mesmo de pura cortesia, ao Instituto Plínio Correia de Oliveira ou ao Clube Militar? Cito essas entidades de caso pensado: elas nada têm de radical, mas assim as rotulou a mídia esquerdista para isolá-las da direita oficial, que, como sempre, aceitou servilmente jogar segundo a regra imposta pelo adversário.
            O mais elementar bom-senso político ensina que toda maioria moderada precisa dos radicais – ou de quem o pareça -- para dizer em público o que ela não pode dizer. Ensina também que a minoria enfezada só pode ser posta sob controle quando inserida numa aliança. A esquerda já aprendeu isso há décadas. A direita nem começou a pensar no assunto.
            Na França, a vitória da esquerda teve como causa principal ou única a impossibilidade de um diálogo entre a direita gaullista e o Front National. Nos EUA, em 2008, John McCain jamais teria perdido a eleição se não houvesse caprichado tanto naquele bom-mocismo centralista que os conservadores abominam. E no Brasil o sr. José Serra teria tido uma carreira mais brilhante se atirasse à lata de lixo da História um passado esquerdista que, quanto mais ostentado, mais honra e eleva a imagem dos seus inimigos. Desculpem-me por insistir no óbvio, mas, neste país, o óbvio vai-se tornando cada vez mais um segredo esotérico, só acessível a um círculo de iniciados: num campeonato de esquerdismo, vence, por definição, o mais esquerdista. O eleitorado brasileiro é maciçamente conservador, mas, não tendo quem o represente na política, acaba votando a esmo, conforme simpatias de momento ou interesses de ocasião que no fim o tornam tão corrupto, ao menos psicologicamente, quanto os políticos que ele despreza. O voto interesseiro vai, necessariamente, para quem está no poder, para quem controla a usina de favores. A oposição teria tudo a ganhar se contrapusesse a esse estado de coisas um discurso ideologicamente carregado, restaurando o senso da política como conflito de valores em vez de mera disputa de cargos. Mas ela não vai fazer isso. Há tempos ela já se persuadiu de que acumular derrotas é mais confortável do que fazer um exame de consciência.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Olavo de Carvalho: O novo imbecil coletivo


Quando entre os anos 80 e 90 comecei a redigir as notas que viriam a compor O Imbecil Coletivo, os personagens a que ali eu me referia eram indivíduos inteligentes, razoavelmente cultos, apenas corrompidos pela auto-intoxicação ideológica e por um corporativismo de partido que, alçando-os a posições muito superiores aos seus méritos, deformavam completamente sua visão do universo e de si mesmos. Foi por isso que os defini como “um grupo de pessoas de inteligência normal ou mesmo superior que se reúnem com a finalidade de imbecilizar-se umas às outras”.
          Essa definição já não se aplica aos novos tagarelas e opinadores, que atuam sobretudo através da internete que hoje estão entre os vinte e os quarenta anos de idade. Tal como seus antecessores, são pessoas de inteligência normal ou superior separadas do pleno uso de seus dons pela intervenção de forças sociais e culturais. A diferença é que essas forças os atacaram numa idade mais tenra e já não são bem as mesmas que lesaram os seus antecessores.
          Até os anos 70, os brasileiros recebiam no primário e no ginásio uma educação normal, deficiente o quanto fosse. Só vinham a corromper-se quando chegavam à universidade e, em vez de uma abertura efetiva para o mundo da alta cultura, recebiam doses maciças de doutrinação comunista, oferecida sob o pretexto, àquela altura bastante verossímil, da luta pela restauração das liberdades democráticas. A pressão do ambiente, a imposição do vocabulário e o controle altamente seletivo dos temas e da bibliografia faziam com que a aquisição do status de brasileiro culto se identificasse, na mente de cada estudante, com a absorção do estilo esquerdista de pensar, de sentir e de ser – na verdade, nada mais que um conjunto de cacoetes mentais.
          O trabalho dos professores-doutrinadores era complementado pela grande mídia, que, então já amplamente dominada por ativistas e simpatizantes de esquerda, envolvia os intelectuais e artistas de sua preferência ideológica numa aura de prestígio sublime, ao mesmo tempo que jogava na lata de lixo do esquecimento os escritores e pensadores considerados inconvenientes, exceto quando podia explorá-los como exceções que por sua própria raridade e exotismo confirmavam a regra.
          Criada e mantida pelas universidades, pelo movimento editorial e pela mídia impressa, a atmosfera de imbecilização ideológica era, por assim dizer, um produto de luxo, só acessível às classes média e alta, deixando intacta a massa popular.
          A partir dos anos 80, a elite esquerdista tomou posse da educação pública, aí introduzindo o sistema de alfabetização “socioconstrutivista”, concebido por pedagogos esquerdistas como Emilia Ferrero, Lev Vigotsky e Paulo Freire para implantar na mente infantil as estruturas cognitivas aptas a preparar o desenvolvimento mais ou menos espontâneo de uma cosmovisão socialista, praticamente sem necessidade de “doutrinação” explícita.
          Do ponto de vista do aprendizado, do rendimento escolar dos alunos, e sobretudo da alfabetização, os resultados foram catastróficos.
          Não há espaço aqui para explicar a coisa toda, mas, em resumidas contas, é o seguinte. Todo idioma compõe-se de uma parte mais ou menos fechada, estável e mecânica – o alfabeto, a ortografia, a lista de fonemas e suas combinações, as regras básicas da morfologia e da sintaxe -- e de uma parte aberta, movente e fluida: o universo inteiro dos significados, dos valores, das nuances e das intenções de discurso. A primeira aprende-se eminentemente por memorização e exercícios repetitivos. A segunda, pelo auto-enriquecimento intelectual permanente, pelo acesso aos bens de alta cultura, pelo uso da inteligência comparativa, crítica e analítica e, last not least, pelo exercício das habilidades pessoais de comunicação e expressão. Sem o domínio adequado da primeira parte, é impossível orientar-se na segunda. Seria como saltar e dançar antes de ter aprendido a andar. É exatamente essa inversão que o socioconstrutivismo impõe aos alunos, pretendendo que participem ativamente – e até criativamente – do “universo da cultura” antes de ter os instrumentos de base necessários à articulação verbal de seus pensamentos, percepções e estados interiores.
O socioconstrutivismo mistura a alfabetização com a aquisição de conteúdos, com a socialização e até com o exercício da reflexão crítica, tornando o processo enormemente complicado e, no caminho, negligenciando a aquisição das habilidades fonético-silábicas elementares  sem as quais ninguém pode chegar a um domínio suficiente da linguagem.      
O produto dessa monstruosidade pedagógica são estudantes que chegam ao mestrado e ao doutorado sem conhecimentos mínimos de ortografia e com uma reduzida capacidade de articular experiência e linguagem. Na universidade aprendem a macaquear o jargão de uma ou várias especialidades acadêmicas que, na falta de um domínio razoável da língua geral e literária, compreendem de maneira coisificada, quase fetichista, permanecendo quase sempre insensíveis às nuances de sentido e incapazes de apreender, na prática, a diferença entre um conceito e uma figura de linguagem. Em geral não têm sequer o senso da “forma”, seja no que lêem, seja no que escrevem.
Aplicado em escala nacional, o socioconstrutivismo resultou numa espetacular democratização da inépcia, que hoje se distribui mais ou menos equitativamente entre todos os jovens brasileiros estudantes ou diplomados, sem distinções de credo ou de ideologia. O novo imbecil coletivo, ao contrário do antigo, não tem carteirinha de partido.

Reinaldo Azevedo: O repúdio à democracia nos EUA e no Brasil. Ou: Os novos autoritários do bem!

Os valores democráticos, ao menos como os conhecemos, estão em declínio. E, se a democracia já não é mais como a conhecemos, então democracia não é, mas outra coisa, ainda a ser definida. Lembro, de cara, que a palavra “democracia” não é um fetiche, que deva ser necessariamente adorado. As pessoas podem, a exemplo de Lênin, Stálin, Hitler, Mao e outros tantos que os seguiram repudiá-la — e, com a palavra, os valores que encerra. No que me diz respeito, continuo apegado à tradição democrática. Refiro-me àquele regime baseado na representação, que garante a plena liberdade de organização da sociedade, que repudia a censura à opinião e que se pauta pela igualdade dos homens perante a lei. Eu o considero uma experiência civilizatória, não apenas um método de tomada de decisão pautado pela eficiência. Fosse assim, convenham, a ditadura dispõe de instrumentos bem mais convincentes até para promover o bem comum! De fato, a democracia não tem nem o monopólio das boas intenções e das boas realizações. Não se é um democrata convicto apenas por pragmatismo. O valor exclusivo da democracia, meus caros, é a liberdade.
As experiências de engenharia social oriundas do socialismo — que se multiplicaram em correntes várias, que guardam, sim, aquela matriz, mas estão bastante transformadas hoje — foram minando pouco a pouco os pilares da democracia como a conhecemos. À medida que uma ideia abstrata de igualdade — QUE TAMBÉM PODE SER PROMOVIDA POR UMA DITADURA! — tomou o lugar da liberdade como elemento distintivo e exclusivo do regime democrático, valores essenciais dessa experiência civilizatória foram entrando em declínio. Episodicamente, pragmáticos do ultraliberalismo se uniram às esquerdas renovadas (que já não querem mais, claro!, a planificação da economia de modelo soviético) no que chamo de desprestígio (e até de ódio) à democracia.
Há um bom tempo venho percebendo esse movimento no Brasil e em vários outros países. O resultado das eleições americanas deu o ensejo para que adoráveis autoritários — alguns nem mesmo sabem o nome do que praticam — expusessem todas as suas tentações. Das vocações supostamente as mais libertárias, ouvi a satanização da divergência, da oposição, do contraditório. E não só no Brasil. Editoriais de jornais americanos jogam fora os fatos e a história do país para emprestar ao resultado das urnas a expressão de uma suposta vontade coletiva de que Barack Obama seria uma espécie de antena ou de demiurgo, de sorte que opor-se a ele, como fazem os republicanos (que crime!), passa a ser encarado como sabotagem, expressão do atraso, do reacionarismo, coisa de “macho, branco e velho”. Nessa perspectiva, a nova metafísica é “mulher, latina e jovem” (ainda voltarei a esse aspecto.
Pausa para um momento emblemático. Depois retomo.
Assistia ontem ao Jornal da Globo. O correspondente Marcos Uchoa apresentou uma reportagem sobre a escolha do novo dirigente máximo da tirania chinesa. Falou-se das conquistas econômicas do país (o modelo é eficiente), das novas gerações que se beneficiam do crescimento (promove-se o bem comum…) etc e tal. E só um pouquinho da ditadura. Tendo como fundo a eleição americana, lembrou-se que também o regime chinês escolherá seu dirigente máximo, mas sem consulta popular. Então Uchoa disse o seguinte:
“Do comunismo, só restou o nome. Essa geração que vai assumir o poder é de filhos de antigos membros importantes do partido e é uma elite bem-educada e que hoje descartou dogmas ideológicos do passado e se concentra nas peças-chave da política: poder e dinheiro. Na mesma semana, o mundo vai ver duas maneiras bem diferentes de jogar o mesmo jogo.”
Comento
Não estou atribuindo intenções sub-reptícias ao repórter, de cujo trabalho não tenho nenhuma opinião. Nunca parei para pensar nisso. Também não o tomo como um pensador que deva ser contestado porque, afinal, influente e capaz de formar escola. Não! A questão é ainda mais séria. Temo que ele tenha sido apenas porta-voz de uma concepção corrente — ou que pode se tornar corrente. Um dos principais telejornais do país, da emissora mais importante e com maior audiência, sustenta que a eleição de um presidente nos EUA, sob o regime democrático (ainda), e a escolha do novo tirano chinês são “maneiras bem diferentes de jogar o mesmo jogo” — assim como, sei lá, Barcelona e Chelsea correndo atrás da bola. Ucha estabelece as peças-chave da política: “poder e dinheiro”. Até Delúbio Soares poderia dizer a mesma coisa.
Reitero: não estou tentando acusá-lo de ser um defensor de tiranias ou algo assim, mas o “jogo” que Obama ainda joga é outro — cada vez mais contaminado, é verdade, nos EUA, no Brasil e em várias outras democracias por aquele “esporte” que se pratica na China. E não! É falso que, naquele país, só tenha restado do comunismo o nome, Marcos Uchoa! Restou também, e isto é fundamental, o modelo de organização política. A fala do repórter tem importância porque ela é a plena expressão de um tempo em que a igualdade (ou o bem-estar social) tomou o lugar da liberdade como valor essencial da democracia. Como escrevi logo de início, também as ditaduras podem fazer coisas boas para as pessoas — como provam, no Brasil, o Estado Novo e o Regime Militar. Fim da pausa para um momento emblemático.
Retomo
Muito bem! Os republicanos perderam a eleição. E daí? Atribui-se a derrota — como se ela tivesse sido vexaminosa, submetendo o partido ao ridículo, o que é uma piada — a suas convicções, que seriam ultrapassadas, conservadoras, reacionárias. Escolham entre esses e outros adjetivos aquele que lhes parecer mais depreciativo. Mas é isso o que dizem, afinal de contas, os fatos???
Mitt Romney teve seu nome sufragado por 48,1% daqueles que foram votar, contra 50,4% de Obama. Não foi pequeno o risco de se ter, mais uma vez, um presidente vitorioso nas urnas que, não obstante, perde no colégio eleitoral. A regra, nos EUA, é o presidente conquistar a reeleição, não o contrário. A excepcionalidade de Obama, havendo uma, está em tê-lo conseguido com uma das mais baixas margens da história — apenas 2,3 pontos de vantagem. Do primeiro ano do século 20 até agora (incluindo-se o segundo mandato do atual presidente), os republicanos foram governo por 15 mandatos; os democratas, por 14. Considerado só o século passado, o placar é de 13 a 12 a favor dos primeiros. Neste século, chegarão ao empate: dois a dois. Os democratas ficaram 20 anos no poder (de 1933 a 1952). Seus líderes chegaram a namorar com tentações fascistoides, mas o regime democrático acabou triunfando. Nas eleições deste ano, não custa lembrar, os republicanos mantiveram o controle da Câmara.
Por que, afinal, analistas de lá — dos EUA — e daqui insistem em apontar o que seria uma derrota histórica do partido (???), havendo mesmo quem anteveja, santo Deus!, até a sua extinção?
Vamos lá
Embora Obama tenha sido eleito e reeleito segundo as regras vigentes na democracia americana, é visto, por deslumbrados de lá e daqui, não como um procurador daqueles valores, mas como um seu reformador. Em certa medida, algo análogo acontece, no Brasil, com o lulo-petismo. Como a “igualdade e o bem-estar social” (aquilo que a China também promove…) tomaram o lugar da liberdade como valor essencial da democracia e como o presidente é visto como a encarnação desses valores, opor-se a ele fugiria da esfera da luta democrática. Os republicanos, assim, não seriam representantes de uma parcela da população americana — simbolicamente, nesta eleição, a metade! — que discorda de suas medidas, de suas políticas, de suas escolhas! Nada disso! Seriam apenas porta-vozes do atraso, sabotadores, defensores de privilégios, insensíveis sociais que não estariam atentos ao novo momento.
Se os EUA se fizeram (e até Obama lembrou isso no discurso da vitória) articulando suas diferenças e divergências — e falamos de um povo que fez uma das guerras civis mais cruentas da história —, esse momento da democracia vigiado por minorias militantes, por alcaides do pensamento e por censores bem-intencionados excomunga o contraditório. À oposição, assim, não cabe nem mesmo o papel de vigiar as escolhas de Obama — muito menos de recusá-las. A ela estaria reservado o silêncio obsequioso, já que o mandato deste presidente não viria apenas das urnas, mas também dessa espécie de encarnação de utopias coletivas e igualitárias.
A VEJA.com publicou ontem uma boa síntese do que escreveram sobre o resultado das eleições alguns jornais americanos. O Wall Street Journal vislumbra severas dificuldades para os republicanos (com, reitero, 48,1% dos votos totais!!!) porque o partido teria sido escolhido, principalmente, pela população branca e mais velha — que está em declínio. Poderia ter incluído também “os homens”. Assim, este seria o retrato da “reação” na América: macho, branco e coroa. Newt Gingrich, derrotado por Romney nas primárias, não perde a chance de embarcar no equívoco. Afirmou que seu partido enfrenta um “grande desafio institucional”: descobrir como se conectar com os eleitores das minorias que compõem uma parcela cada vez maior da sociedade americana. “O Partido Republicano simplesmente tem de aprender a parecer mais inclusivo para as minorias, particularmente hispânicos”. Repete, mais ou menos, o juízo asnal de alguns tucanos no Brasil, que estão convictos de que o PSDB deve disputar o eleitorado cativo do PT… “Ah, mas um dia os brancos serão minoria, e aí…” Bem, é preciso ver se os descendentes dos latinos, em 20 ou 30 anos, continuarão seduzidos pela pauta democrata, não é?
Os republicanos construíram, eis a verdade, uma alternativa real de poder — refiro-me à questão política; no conteúdo, os dois candidatos foram sofríveis, especialmente nos temas internos. E o fizeram, no que concerne aos valores, sendo quem são. Os números e a história demonstram que a virtude da democracia americana, ao contrário do que tenho ouvido por aí, está justamente na polarização. “Mas os republicanos quase levam os EUA ao calote, Reinaldo!” Não! Os republicanos se utilizaram de uma garantia constitucional para não permitir que o Executivo impusesse a sua vontade. Obama foi obrigado a negociar, e eis aí o homem reeleito.
O New York Times (aquele jornal que aceita anúncio conclamando católicos a deixar de ser católicos, mas recusa o que conclama muçulmanos a abandonar a sua religião) foi mais longe. Viu na reeleição de Obama “um repúdio à era Reagan” no que diz respeito ao corte exagerado dos impostos e às políticas de “intolerância, medo e desinformação”. Uau! É um triplo salto carpado dialético e tanto, não sei se já sob a influência de Mark Thompson, ex-chefão da BBC e contratado para ser o chefão do jornal americano. Na empresa britânica, ele se tornou célebre por declarar que, por lá, permitia-se zombar de Jesus, mas não de Maomé. Evoco essas questões laterais porque elas compõem a metafísica de um tempo. Então vamos ver. Talvez eu não tenha entendido direito o “raciossímio” do Times. Em 1980, Reagan venceu Carter em 44 estados — o democrata ficou com apenas 6 (50,7% dos votos a 41%). No Colégio, o placar foi de 489 a 49. E Carter era presidente! Em 1984, o republicano foi reeleito de forma humilhante para os democratas: sagrou-se vitorioso em 49 estados (58,8% a 40,6%). Deixou apenas um para o adversário; no colégio, 525 a 13! O presidente fez o seu sucessor, Bush pai, que triunfou em 40 estados (426 a 111): 53,37% a 45,65%. Não obstante, a era Reagan teria sido repudiada agora, e a evidência estaria na vitória de Obama em apenas 26 estados (contra 24 do adversário), por um placar com 2,3 pontos de diferença. Clinton venceu em 33 estados na primeira eleição (1992) e em 32 na segunda (1996). E manteve os fundamentos da economia da era Reagan. Eis a verdade traduzida em números da afirmação feita pelo jornal.
Que fique claro!
A mim me importam menos as respectivas pautas de cada candidato do que essa cultura de aversão à democracia que vai se espalhando. E que, por óbvio, não nos é estranha. Também entre nós o exercício da oposição, agora que “progressistas” estão no poder, vai se tornando algo malvisto, mero exercício de sabotagem e de oposição àqueles que seriam os interesses do povo. Dou um exemplo evidente: as cotas raciais foram impostas às universidades federais sem nem mesmo debate no Parlamento. A simples crítica à medida é apontada como ódio aos pobres, às minorias, aos oprimidos — todas aquelas tolices fantasiosas que compõem o estoque de agressões dos autoritários.
Os republicanos? Ah, eles tiveram a coragem de enfrentar o tal “Obamacare”, o que parecia, à primeira vista, suicídio político e, mais uma vez, obrigaram o governo a negociar. E sabem por que o fizeram? Porque tinham mandato de seus eleitores para fazê-lo. E agiram dentro das regras estabelecidas pela democracia americana. “Ah, mas olhe aí o resultado!” Sim, olho e vejo um partido que era uma real alternativa de poder. E só o era — e como as emissoras de TV suaram frio desta vez, não é? — porque, em vez de aderir à pauta do adversário — que, afinal, do adversário é —, fez a sua própria ao longo dos quatro anos de mandato de Obama. Reitero: não entro no mérito; talvez, nos EUA, eu apoiasse o plano de saúde de Obama. O ponto não é esse: estou advogando o direito que tem a oposição de ser contra ele. Se é por bons ou por maus motivos, isso o processo político evidencia. Chega a espantoso que muitos cobrem da oposição brasileira coragem para enfrentar o PT, mas adiram alegremente à satanização dos republicanos porque estes fazem lá — reitero: não estou tratando de conteúdo — o que a oposição brasileira não aprendeu a fazer aqui.
Fala-se, finalmente, de um país dividido. É? Melhor do que outro em que um partido, com pretensões hegemônicas, recorre a expedientes criminosos para eliminar a oposição. Os “decadentes” republicanos terão, por exemplo, o domínio da Câmara. Não existem PMDB e PSD nos EUA, aqueles que não são “nem de esquerda, nem de direita, nem de centro”. Os derrotados do dia anterior não são os vitoriosos do dia seguinte — ou, para ficar na espécie (como diria Marco Aurélio), derrotados e vitoriosos num mesmo dia… O que se chama um “país rachado” é um país que reconhece, ainda!!!, instituições por meio das quais se articulam essas divergências.
O valor exclusivo da democracia é a liberdade. E a característica exclusiva da liberdade é poder dizer “não”.

J.R. Guzzo: O resto é o resto


Nada mais natural que depois de uma eleição para prefeitos e vereadores, como a de agora  ou para governadores, deputados e presidente, como se fará daqui a dois anos, cada um diga o que bem entender sobre o verdadeiro significado do que aconteceu, com os costumeiros cálculos para estabelecer “quem ganhou e quem perdeu”; deveria ser uma tarefa bem simples concluir que ganhou quem teve mais votos e perdeu quem teve menos, mas esse debate é um velho hábito nacional, e não vai mudar. Outra coisa, muito diferente, é acreditar naquilo que se diz.
Trata-se de uma liberdade de duas mãos: cada um fala o que quiser e, em compensação, cada um entende o que quiser daquilo que foi falado. Na recém-terminada eleição municipal de 2012, como de costume, não ficou claro, nem vai ficar, quanta atenção o público deveria realmente prestar a toda essa conversa que está ouvindo agora. É certo, desde já, que está ouvindo coisas que não fazem nenhum sentido — e, por isso mesmo, provavelmente não perderia nada se prestasse o mínimo de atenção a elas.
A fórmula é sempre a mesma. Cientistas políticos  pescados em alguma universidade ou instituto superior disso ou daquilo, aparecem de repente nos meios de comunicação para explicar, depois de encerrada a batalha, como, por que e por quem ela foi ganha ou perdida. É uma estranha ciência, essa, que, em vez de lidar com fatos comprovados, lida com opiniões. Na anatomia, por exemplo, está dito que o homem tem dois pulmões: não pode haver outra “opinião” quanto a isso. Na ciência política pode. Juntam-se a esses cientistas os políticos propriamente ditos, os comentaristas da imprensa e mais uma porção de gente, e de tudo o que dizem resulta uma salada que a mídia serve ao público como se estivesse transmitindo ao vivo o Sermão da Montanha.
Uma demonstração clara desse tumulto mental é a conclusão, por parte de muitas cabeças coroadas do mundo político, de que a vitória pessoal do ex-presidente Lula na eleição de São Paulo, onde levou para a prefeitura uma nulidade eleitoral que ninguém conhecia três meses atrás, apagou as condenações que seu partido e seu governo receberam no julgamento do mensalão. Está na cara que o resultado não apagou nem acendeu nada, pois eleição não é feita para separar o certo do errado, nem para decidir se houve ou não houve um crime ─ serve, unicamente, para escolher quem vai governar. Dizer o que está certo ou errado é tarefa exclusiva da Justiça; no caso, o STF já decidiu que foi cometida no governo Lula uma catarata de crimes, sobretudo de corrupção. Não há, simplesmente, como mudar isso. A Justiça pode funcionar muito mal no Brasil, mas é o único meio que se conhece para resolver quem tem razão ─ assim como eleição é o único meio que se conhece para escolher governos.
Não foi o “povo brasileiro”, além disso, quem “absolveu” o PT─ ou concorda quando o partido diz que seus chefes são “prisioneiros políticos” condenados por um “tribunal de exceção”, e não por corromperem e serem corrompidos. É curioso, aliás, como os políticos deste país ficam à vontade para falar em “povo brasileiro”. O PT ganhou esta última eleição em 10% dos municípios. E os eleitores dos outros 90%, com 80% do eleitorado, que povo seriam? Esquimós? É dado como um fato científico, também, que Lula foi o maior ganhador da eleição, por causa do resultado em São Paulo. Por que isso? Porque ele próprio, o PT e outros tantos vinham dizendo, desde o começo, que só o município de São Paulo, com pouco mais de 5% dos eleitores brasileiros, importava; o resto era apenas o resto.
De tanto repetirem isso, virou verdade. Mas é falso: não dá para dizer que não houve eleição em Salvador ou Fortaleza, no Recife, em Belo Horizonte e Porto Alegre, onde o PT apresentou candidatos com pleno apoio de Lula e da presidente Dilma Rousseff, e perdeu em todas ─ nas três últimas, inclusive, não sobreviveu nem ao primeiro turno. No mapa mental de Lula é como se nenhuma dessas cidades estivesse em território brasileiro; o Brasil, em sua geografia, começa e acaba em São Paulo. Cinco das principais capitais brasileiras, por esse modo de medir as coisas, são tratadas como se ficassem em Marte.
O que Lula e seu partido fizeram foi construir a ideia de que São Paulo, sozinha, vale mais que todo o restante do Brasil somado ─ e nisso, realmente, tiveram sucesso, pois nove entre dez “profissionais” da política dizem mais ou menos a mesma coisa. Assim é, se lhes parece. Mas o público não tem a menor obrigação de acreditar no que estão dizendo.

sábado, 27 de outubro de 2012

Guilherme Fiuza: Os mensaleiros venceram


O Brasil continua assistindo ao julgamento do mensalão como um filme de época. O STF está prestes a dar as sentenças, e o público aplaude a virada dessa página infeliz da nossa história, quando a pátria dormia tão distraída etc. O problema é que a pátria continua dormindo profundamente.
José Dirceu, o grande vilão, o homem que vai em cana condenado pelo juiz negro, nesse duelo que faz os brasileiros babarem de orgulho, não é um personagem do passado. Está, hoje mesmo, regendo o PT no segundo turno das eleições municipais. Ainda é a principal cabeça do partido que governa o país.
E o eleitorado não está nem aí. A campanha de Fernando Haddad em São Paulo é quase uma brincadeira com o Brasil. Um candidato inventado por essa cúpula petista que só pensa naquilo (se pendurar no poder estatal) consegue uma liderança esmagadora no segundo turno. O projeto parasitário de Dirceu, que tem Lula como padrinho e Dilma como afilhada, pelo visto não vai sofrer um arranhão com a condenação no Supremo. O eleitor não liga o nome à pessoa.
Fernando Haddad foi um sujeito inexpressivo de boa aparência colocado no Ministério da Educação para fazer política. Sua candidatura é a menina dos olhos de Lula, mais um plano esperto dessa turma que descobriu que pode viver de palanque sem trabalhar.
O fenômeno Haddad conseguiu bagunçar a vida dos vestibulandos por três anos seguidos, com erros primários no Enem, típicos de inépcia e vagabundagem. Se fosse no Japão, o então ministro teria se declarado humilhado e se retirado da vida pública. No Brasil, vira um "quadro" forte da política.
Haddad fez com a pobre educação brasileira o que o PT sempre faz no poder: marketing do oprimido. Defendeu livros didáticos com erros de português, tentou bajular os gays com cartilhas estúpidas, fez demagogia progressista com o sistema de cotas. Enquanto os estudantes se esfolavam no Enem, ele estava nos comícios de Dilma para presidente.
Tudo conforme a lógica mensaleira da agremiação que governa o Brasil há dez anos: usar os mandatos para garimpar votos e arrecadar fundos (para pagar os Dudas lá fora, o que o Supremo já disse que está OK).
O ex-ministro Haddad é filho dos mentores do mensalão, assim como os ministros do STF Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Nunca se viu espetáculo tão patético na esfera superior do Estado: dois supostos juízes usando crachá partidário e obedecendo às ordens do principal réu. Contando, ninguém acredita.
Esse sistema desinibido de prostituição da democracia vai de vento em popa, porque a pátria-mãe tão distraída resolveu acreditar que a vida melhorou porque Lula é (era) pobre e porque Dilma é mulher. O Brasil não faz mais questão de nada: nem a entrega do "planejamento" da infraestrutura à quadrilha Delta-Cachoeira comoveu os brasileiros.
O prefeito Eduardo Paes disse que o Brasil está jogando fora a chance de se organizar, e o ministro dos Esportes ficou zangado. A turma do maquinário detesta quando alguém lembra que eles não trabalham. O ministro Aldo Rebelo é companheiro de partido do seu antecessor, o inesquecível Orlando Silva, rei das ONGs. Nas mãos do PCdoB, o Ministério dos Esportes estava aproveitando a Copa do Mundo no Brasil para montar seu pé-de-meia companheiro - o que é absolutamente normal, dentro da ética mensaleira.
Aí surgem as manchetes intrometidas e Dilma tem que encenar a faxina, a contragosto, cobrindo de elogios o companheiro decapitado e entregando a boca para um colega de partido. Assim é em todo o primeiro escalão do governo, mas eles ficam muito chateados se alguém lembra que esse esquema malandro não serve para organizar o país para uma Copa, para uma Olimpíada ou para um futuro decente.
Enquanto a pátria continuar dormindo e sonhando com o heroísmo de Joaquim Barbosa, a república mensaleira seguirá em frente. Ninguém deu a menor bola para o escândalo denunciado pelo ex-ministro do STF Sepúlveda Pertence.
Dilma Rousseff aproveitou o espetáculo no Supremo e cortou a cabeça dos dois conselheiros "desobedientes" da Comissão de Ética da Presidência. Marília Muricy e Fábio Coutinho ousaram reprovar a conduta dos ministros companheiros Carlos Lupi e Fernando Pimentel. A presidente teve que demitir Lupi, que transformara o Ministério do Trabalho numa ação entre amigos do PDT - partido que o demitido continua comandando, em apoio ao governo popular.
Mas Pimentel, com suas milionárias consultorias fantasmas, vendidas graças aos seus belos olhos de amigo da presidente, continua vivendo de favor no Ministério do Desenvolvimento.
Um dia já houve a expectativa de que Marcos Valério, uma vez apanhado, abriria o bico. Hoje o bico de Valério não vale mais um centavo. O golpe já foi revelado, e a real academia mensaleira continua comandando a política brasileira. Testada e aprovada pelo povo.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Marco Antonio Villa: A condenação do PT

O julgamento do mensalão atingiu duramente o Partido dos Trabalhadores. As revelações acabaram por enterrar definitivamente o figurino construído ao longo de décadas de um partido ético, republicano e defensor dos mais pobres.
Agora é possível entender as razões da sua liderança de tentar, por todos os meios, impedir a realização do julgamento. Não queriam a publicização das práticas criminosas, das reuniões clandestinas, algumas delas ocorridas no interior do próprio Palácio do Planalto, caso único na história brasileira.
Muito distante das pesquisas acadêmicas ─ instrumentalizadas por petistas ─ e, portanto, mais próximos da realidade, os ministros do STF acertaram na mosca ao definir a liderança petista, em 2005, como uma sofisticada organização criminosa e que, no entender do ministro Joaquim Barbosa, tinha como chefe José Dirceu, ex-presidente do PT e ministro da Casa Civil de Lula.
Segundo o ministro Celso de Mello: “Este processo criminal revela a face sombria daqueles que, no controle do aparelho de Estado, transformaram a cultura da transgressão em prática ordinária e desonesta de poder.” E concluiu: “É macrodelinquência governamental.” O presidente Ayres Brito foi direto: “É continuísmo governamental. É golpe.”
O julgamento do mensalão desnudou o PT, daí o ódio dos seus fanáticos militantes com a Suprema Corte e, principalmente, contra o que eles consideram os “ministros traidores”, isto é, aqueles que julgaram segundo os autos do processo e não de acordo com as determinações emanadas da direção partidária.
Como estão acostumados a lotear as funções públicas, até hoje não entenderam o significado da existência de três poderes independentes e, mais ainda, o que é ser ministro do STF.
Para eles, especialmente Lula, ministro da Suprema Corte é cargo de confiança, como os milhares criados pelo partido desde 2003. Daí que já começaram a fazer campanha para que os próximos nomeados, a começar do substituto de Ayres Brito, sejam somente aqueles de absoluta confiança do PT, uma espécie de ministro companheiro. E assim, sucessivamente, até conseguirem ter um STF absolutamente sob controle partidário.
A recepção da liderança às condenações demonstra como os petistas têm uma enorme dificuldade de conviver com a democracia.
Primeiramente, logo após a eclosão do escândalo, Lula pediu desculpas em pronunciamento por rede nacional. No final do governo mudou de opinião: iria investigar o que aconteceu, sem explicar como e com quais instrumentos, pois seria um ex-presidente.
Em 2011 apresentou uma terceira explicação: tudo era uma farsa, não tinha existido o mensalão. Agora apresentou uma quarta versão: disse que foi absolvido pelas urnas ─ um ato falho, registre-se, pois não eram um dos réus do processo. Ao associar uma simples eleição com um julgamento demonstrou mais uma vez o seu desconhecimento do funcionamento das instituições ─ registre-se que, em todas estas versões, Lula sempre contou com o beneplácito dos intelectuais chapas-brancas para ecoar sua fala.
As lideranças condenadas pelo STF insistem em dizer que o partido tem que manter seu projeto estratégico. Qual? O socialismo foi abandonado e faz muito tempo. A retórica anticapitalista é reservada para os bate-papos nostálgicos de suas velhas lideranças, assim como fazem parte do passado o uso das indefectíveis bolsas de couro, as sandálias, as roupas desalinhadas e a barba por fazer.
A única revolução petista foi na aparência das suas lideranças. O look guevarista foi abandonado. Ficou reservado somente à base partidária. A direção, como eles próprios diriam em 1980, “se aburguesou”. Vestem roupas caras, fizeram plásticas, aplicam botox a três por quatro. Só frequentam restaurantes caros e a cachaça foi substituída pelo uísque e o vinho, sempre importados, claro.
O único projeto da aristocracia petista ─ conservadora, oportunista e reacionária ─ é de se perpetuar no poder. Para isso precisa contar com uma sociedade civil amorfa, invertebrada. Não é acidental que passaram a falar em controle social da imprensa e… do Judiciário. Sabem que a imprensa e o Judiciário acabaram se tornando, mesmo sem o querer, nos maiores obstáculos à ditadura de novo tipo que almejam criar, dada ausência de uma oposição político-partidária.
A estratégia petista conta com o apoio do que há de pior no Brasil. É uma associação entre políticos corruptos, empresários inescrupulosos e oportunistas de todos os tipos. O que os une é o desejo de saquear o Estado.
O PT acabou virando o instrumento de uma burguesia predatória, que sobrevive graças às benesses do Estado. De uma burguesia corrupta que, no fundo, odeia o capitalismo e a concorrência. E que encontrou no partido ─ depois de um século de desencontros, namorando os militares e setores políticos ultraconservadores ─ o melhor instrumento para a manutenção e expansão dos seus interesses. Não deram nenhum passo atrás na defesa dos seus interesses de classe. Ficaram onde sempre estiveram. Quem se movimentou em direção a eles foi o PT.
Vivemos uma quadra muito difícil. Remar contra a corrente não é tarefa das mais fáceis. As hordas governistas estão sempre prontas para calar seus adversários.
Mas as decisões do STF dão um alento, uma esperança, de que é possível imaginar uma república em que os valores predominantes não sejam o da malandragem e da corrupção, onde o desrespeito à coisa pública não se torne uma espécie de lema governamental e a mala recheada de dinheiro roubado do Erário não se tenha transformado em símbolo nacional.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Olavo de Carvalho: Depois do Mensalão


Agora que os mensaleiros estão no fundo do poço, não cessam de erguer-se vozes indignadas de petistas, comunistas e socialistas fiéis que os condenam como oportunistas e traidores. Mas por que deveria algum líder ou militante ser atirado à execração pública pela simples razão de ter cumprido à risca a sua obrigação de revolucionário? Não é certo que a estratégia marxista-leninista ordena e determina não só atacar o Estado burguês desde fora, mas corrompê-lo desde dentro sempre que possível para em seguida acusá-lo de depravado e ladrão e substituí-lo pelo Partido-Estado? Não é notório que, na concepção mais ampla e sutil de Antonio Gramsci, inspirador e guia da nossa esquerda há meio século, a corrupção do Estado não basta, sendo preciso estendê-la a toda a sociedade, quebrantar e embaralhar todos os critérios morais e jurídicos para que, na confusão geral, só reste como último símbolo de autoridade a vontade de ferro da vanguarda partidária? Não é óbvio e patente que, se na perspectiva gramsciana o Partido é “o novo Príncipe”, ele tem a obrigação estrita de seguir os ensinamentos de Maquiavel, usando da mentira, da trapaça, da extorsão, do roubo e do homicídio na medida necessária para concentrar em si todo o poder, derrubando pelo caminho leis, instituições e valores? 
Na perspectiva marxista, nenhum dos artífices do Mensalão fez nada de errado, exceto o crime hediondo de deixar-se descobrir no final, pondo em risco o que há de mais intocável e sagrado: a boa imagem do Partido e da esquerda em geral.
Para não perceber uma coisa tão evidente, é preciso desviar os olhos para os aspectos mais periféricos e folclóricos do episódio, apagando da memória a essência, a natureza mesma do crime cometido. Que foi, afinal, o Mensalão? Uma gigantesca operação de compra de consciências. E para quê as consciências foram compradas? Para enriquecer os srs. José Dirceu, Genoíno, Valério e mais alguns outros? De maneira alguma. Foram compradas para neutralizar o Legislativo e concentrar todo o poder nas mãos do Executivo, portanto do Partido dominante. Que pode haver de mais leal, de mais coerente com a tradição marxista?
Toda a geração que, cinqüentona ou sessentona, chegou ao poder nas últimas décadas foi educada num sistema moral onde as culpas pessoais são insubstantivas em si mesmas, dependendo tão-somente da cor política e transmutando-se em virtudes tão logo tragam vantagem ao “lado certo” do espectro ideológico. Bem ao contrário: segundo o que essa gente aprendeu desde os tempos da universidade, qualquer concessão à “moral burguesa”, se não é útil como jogo-de-cena provisório, é delito maior que a consciência revolucionária não pode tolerar. Nessa ótica, que pode haver de mau ou condenável em juntar dinheiro por meios ilícitos para comprar consciências burguesas e forçá-las a trabalhar, volens nolens, para o Partido Príncipe? Uma vez que se abandonou a via da revolução armada – não por reverência ante a vida humana, mas por mera oportunidade estratégica --, que outro meio existe de instaurar a “autoridade onipresente e invisível” senão a corrupção sistemática dos adversários e concorrentes?
Não faltará quem, movido pela incapacidade geral brasileira de conceber que um político, ao meter-se em tal embrulho, o faça movido por ambições muito mais vastas que o mero desejo de dinheiro, levante aqui a objeção: Mas os mensaleiros não ficaram ricos?
Ficaram, é claro, mas desejariam vocês que eles depositassem todo o dinheiro sujo na conta do Partido, atraindo suspeitas sobre a própria organização em vez de protegê-la sob suas contas pessoais como bons agentes e testas-de-ferro? Ou desejariam que, de posse de imensas quantias, continuassem levando existências modestas, dando a entender que eram apenas paus-mandados em vez de expor-se como vigaristas autônomos e bandidos comuns sem cor política, que é como agora são vistos por uma opinião pública supremamente inculta, sonsa e – novamente -- ludibriada?
Pois induzir o povo a vê-los exatamente assim, salvaguardando a boa reputação do esquema de poder partidário que os criou e ao qual serviram, é precisamente o objetivo de toda essa corja de moralistas improvisados que agora os cobre de impropérios em nome da pureza e idoneidade da esquerda.
Os mensaleiros não são, é claro, bodes expiatórios inocentes. São culpados parciais incumbidos de pagar sozinhos pela culpa geral de uma organização que há trinta anos vem usando do discurso moral, com notável eficiência, como disfarce e instrumento do crime.
Os que agora tentam se limpar neles são ainda piores que eles. Pois o que fazem é tentar levar o povo a esquecer que os mensaleiros de hoje são os moralistas de ontem, os mesmos que, nas CPIs dos anos 90, brilharam como paladinos da lei e da ordem, enquanto já iam preparando, sob esse manto cor-de-rosa, o esquema de poder monopolístico do qual o Mensalão viria ser nada mais que instrumento. E para que fariam isso, se não fosse para aplanar o terreno para novos e maiores crimes?
Se os indignados porta-vozes do antimensalismo esquerdista tivessem um pingo de sinceridade, teriam se insurgido, anos atrás, contra o acobertamento petista das Farc, organização terrorista e assassina, perto de cujos crimes o Mensalão se reduz às proporções de um roubo de picolés num carrinho da Kibon. Como não o fizeram, a narcoguerrilha colombiana cresceu até tornar-se, sob a proteção do Foro de São Paulo, a maior distribuidora de drogas no mundo, prestes a receber do sr. Juan Manuel Santos, sabe-se lá em troca de quê, as chaves do poder político.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Olavo de Carvalho: A engenharia da desordem / O Fome Zero americano


A engenharia da desordem
Todo mundo sabe que a base eleitoral do ex-presidente Lula, bem como a da sua sucessora, está nas filas de beneficiários das verbas do Fome Zero. Embora a origem do programa remonte ao governo FHC, o embrulhão-em-chefe conseguiu fundi-lo de tal maneira à imagem da sua pessoa, que a multidão dos recebedores teme que votar contra ele seja matar a galinha dos ovos de ouro.
No começo ele prometia, em vez disso, lhes arranjar empregos, mas depois se absteve prudentemente de fazê-lo e preferiu, com esperteza de mafioso, reduzi-los à condição de dependentes crônicos.
O cidadão que sai da miséria para entrar no mercado de trabalho pode permanecer grato, durante algum tempo, a quem lhe deu essa oportunidade, mas no correr dos anos acaba percebendo que sua sorte depende do seu próprio esforço e não de um favor recebido tempos atrás. Já aquele cuja subsistência provém de favores renovados todos os meses torna-se um puxa-saco compulsivo, um servidor devoto do “Padim”, um profissional do beija-mão.
O político que faz carreira baseado nesse tipo de programa é, com toda a evidência, um corruptor em larga escala, que vive da deterioração da moralidade popular. É impossível que o crescimento do Fome Zero não tenha nada a ver com o da criminalidade, do consumo de drogas e dos casos de depressão. Transforme os pobres em mendigos remediados e em poucos anos você terá criado uma massa de pequenos aproveitadores cínicos, empenhados em eternizar a condição de dependência e extrair dela proveitos miúdos, mas crescentes, fazendo do próprio aviltamento um meio de vida.
Mas o assistencialismo estatal vicioso não foi o único meio usado pela elite petista para reduzir a sociedade brasileira a um estado de incerteza moral e de anomia.
Na mesma medida em que se absteve de criar empregos, o sr. Lula também se esquivou de dar aos pobres qualquer rudimento de educação, por mais mínimo que fosse, para lhes garantir a longo prazo uma vida mais dotada de sentido. Durante seus dois mandatos o sistema educacional brasileiro tornou-se um dos piores do universo, uma fábrica de analfabetos e delinqüentes como nunca se viu no mundo. Ao mesmo tempo, o governo forçava a implantação de novos modelos de conduta – abortismo, gayzismo, racialismo, ecolatria, laicismo à outrance etc. --, sabendo perfeitamente que a quebra repentina dos padrões de moralidade tradicionais produz aquele estado de perplexidade e desorientação, aquela dissolução dos laços de solidariedade social, que desemboca no indiferentismo moral, no individualismo egoísta e na criminalidade. Por fim, à dissolução da capacidade de julgamento moral seguiu-se a da ordem jurídica: o novo projeto de Código Penal, invertendo abruptamente a escala de gravidade dos crimes, consagrando o aborto como um direito incondicional, facilitando a prática da pedofilia, descriminalizando criminosos e criminalizando cidadãos honestos por dá-cá-aquela-palha, choca de tal modo os hábitos e valores da população, que equivale a um convite aberto à insolência e ao desrespeito.
Só o observador morbidamente ingênuo poderá enxergar nesses fenômenos um conjunto de erros e fracassos. Seria preciso uma constelação miraculosa de puras coincidências para que, sistematicamente, todos os erros e fracassos levassem sempre ao sucesso cada vez maior dos seus autores. Tudo isso parece loucura, mas é loucura premeditada, racional. É uma obra de engenharia. Se há uma obviedade jamais desmentida pela experiência, é esta: a desorganização sistemática da sociedade é o modo mais fácil e rápido de elevar uma elite militante ao poder absoluto. Para isso não é preciso nem mesmo suspender as garantias jurídicas formais, implantar uma “ditadura” às claras. Já faz muitas décadas que a sociologia e a ciência política compreenderam esse processo nos seus últimos detalhes. Leiam, por exemplo, o clássico estudo de Karl Mannheim, “A estratégia do grupo nazista” (no volume Diagnóstico do Nosso Tempo, ed. brasileira da Zahar). A fórmula é bem simples: na confusão geral das consciências, toda discussão racional se torna impossível e então, naturalmente, espontaneamente, quase imperceptivelmente, o centro decisório se desloca para as mãos dos mais descarados e cínicos, aos quais o próprio povo, atônito e inseguro, recorrerá como aos símbolos derradeiros da autoridade e da ordem no meio do caos. Isso já está acontecendo. A ascensão dos partidos de esquerda à condição de dominadores exclusivos do panorama político, praticamente sem oposição, nunca teria sido possível sem o longo trabalho de destruição da ordem na sociedade e nas almas.
Mas também não teria sido possível se o caos fosse completo. O caos completo só convém a anarquistas de porão, marginais e oprimidos. Quando a revolução vem de cima, é essencial que alguns setores da vida social, indispensáveis à manutenção do poder de governo, sejam preservados no meio da demolição geral. Os campos escolhidos para permanecer sob o domínio da razão foram, compreensivelmente, a Receita Federal, o Ministério da Defesa e a economia. A primeira, a mais indispensável de todas, porque não se faz uma revolução sem dinheiro, e ninguém jamais chegará a dominar o Estado por dentro se não consegue fazer com que ele próprio financie a operação. A administração relativamente sensata dos outros dois campos anestesiou e neutralizou preventivamente, com eficiência inegável, as duas classes sociais de onde poderia provir alguma resistência ao regime, como se viu em 1964: os militares e os empresários. Cachorro mordido de cobra tem medo de lingüiça.
O Fome Zero americano
Se os caros leitores compreenderam o meu artigo anterior (“A engenharia da desordem”), deve ter-lhes ocorrido, ao menos de raspão, a idéia de que o sr. Barack Hussein Obama talvez não estivesse fazendo puro jogo de cena quando, ao encontrar o sr. Lula em Washington D.C., exclamou: “Esse é o cara!” O presidente americano prometeu imitar o Fome Zero, e não só o fez como vem obtendo, desse empreendimento, resultados perfeitamente simétricos aos alcançados pelo seu colega brasileiro.
            Nos últimos anos, a economia americana caiu do primeiro lugar para o sétimo na escala de competitividade do Fórum Econômico Mundial. O desemprego, que em 2008 não passava muito de quatro por cento, já está acima de oito, e a criação de novos empregos é cada vez mais lenta. Comparando números, o colunista Donald Lambro, do Washington Times, conclui que o desempenho do presente governo americano na área trabalhista é o pior desde a II Guerra Mundial (veja o link). Em compensação, Obama foi o recordista absoluto na distribuição de dinheiro do governo não só aos pobres como também aos ricos – incluindo um vistoso leque de empresas falidas por má administração e fraudes, em geral pertencentes a seus contribuintes de campanha. Para isso, sobrecarregou o Estado de mais dívidas do que todos os seus antecessores somados, desde George Washington. É um fracasso colossal, dizem os analistas econômicos. Mas, os utilitaristas que me perdoem, a racionalidade econômica não é a motivação última dos atos humanos. O que do ponto de vista econômico parece um absurdo pode ser politicamente lógico e sensato, ao menos no sentido maquiavélico da coisa. Um artigo excelente do comentarista Ira Stoll no New York Sun  mostra que as melhores chances de sucesso do candidato democrata nas eleições de novembro repousam precisamente no descalabro da sua política trabalhista: na primeira gestão Obama, o número das pessoas que vivem de ajuda governamental começou a superar, pela primeira vez na história americana, o das que trabalham e pagam impostos. Hoje são 46,7 milhões de americanos que recebem vale-alimentação, 8,7 milhões de estudantes bolsistas, mais 7,6 milhões de empregados estatais sindicalizados. Total: 63 milhões de obamistas compulsivos. Quatro milhões acima do número de votos obtidos por John McCain em 2008.
            Será especulação psicótica, será “teoria da conspiração” suspeitar que houve alguma premeditação por trás de um fracasso tão benéfico à pessoa do seu autor? Não, quando se leva em conta o seguinte fato: o único emprego que Obama teve na vida, o único ramo de atividade no qual adquiriu alguma experiência, foi o de “organizador comunitário” empenhado na aplicação da estratégia Cloward-Piven. E essa estratégia consiste, de alto a baixo, na arte de fomentar o desastre econômico para tirar dele proveitos políticos. Expliquei isso num artigo de 2009 publicado neste mesmo Diário do Comércio. Que pode haver de tão inverossímil em supor que, na presidência, o homem fez a única coisa que comprovadamente sabe fazer?
            Aí reside também a diferença entre ele e o seu modelo brasileiro. Lula, para implantar o monopólio político da esquerda e corromper a sociedade inteira, teve de manter a economia funcionando razoavelmente e fazer o possível para cortejar o empresariado, dessensibilizando-o para tudo o que se passasse fora do círculo de seus interesses mais imediatos.
            Obama, ao contrário do nosso ex-presidente, não encontrou uma massa de miseráveis pronta para ser alistada na sua clientela. Teve de fabricá-la – e não havia como fazer isso senão demolindo a economia, aumentando ao mesmo tempo o desemprego e a dívida pública para que esses dois monstros se alimentassem um do outro até à completa exaustão do organismo nacional.
            Outra diferença é a posição dos EUA no cenário internacional, que tinha de ser corroída mediante cortes no orçamento militar e o favorecimento inicialmente discreto, depois explícito, às forças inimigas que se levantavam contra governos aliados ou neutros. O assassinato do embaixador americano na Líbia, sincronizado com manifestações anti-americanas na Tunísia, no Iêmen, no Irã e no Egito (onde, para cúmulo, os marines que guardam a embaixada continuam proibidos de portar munição de verdade), é o símbolo condensado da lógica que orienta toda a política do governo Obama. Essa lógica resume-se na simples aplicação local do mandamento globalista: enfraquecer os Estados no plano internacional e fortalecê-los no plano interno. Dito de outro modo: desarmá-los contra seus inimigos e armá-los contra suas próprias populações, de modo a fazer deles os cães-de-guarda, ao mesmo tempo dóceis e implacáveis, da nova ordem global. De sob as cascas dos velhos Leviatãs nacionais  começa a erguer-se, majestosamente sinistro, o Leviatã planetário.

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